Existe uma ferramenta capaz de construir democracias sólidas. Seu nome é escola pública. Foi pensando assim que o advogado e filósofo da educação Anísio Teixeira construiu uma carreira sólida e marcante, entre as décadas de 1920 e 1960. Entre textos teóricos e atividades concretas, ele batalhou para construir uma rede pública, gratuita, abrangente e laica, que começasse no ensino fundamental e chegasse até as universidades. Essas características fazem de Teixeira o pedagogo mais citado pelo atual ministro da educação, Ricardo Vélez Rodríguez.
Antes mesmo de assumir a pasta, Rodríguez escreveu, no artigo “Um roteiro para o MEC”: “Aposto, para o MEC, numa política que retome as sadias propostas dos educadores da geração de Anísio Teixeira, que enxergavam o sistema de ensino básico e fundamental como um serviço a ser oferecido pelos municípios, que iriam, aos poucos, formulando as leis que tornariam exequíveis as funções docentes”, argumenta.
Ele prossegue: “As instâncias federal e estaduais entrariam simplesmente como variáveis auxiliadoras dos municípios que carecessem de recursos e como coadunadoras das políticas que, efetivadas de baixo para cima, revelariam a feição variada do nosso tecido social no terreno da educação, sem soluções mirabolantes pensadas de cima para baixo, mas com os pés bem fincados na realidade dos conglomerados urbanos onde os cidadãos realmente moram.”
Por que o ministro escolheu especificamente Anísio Teixeira para nortear sua estratégia? “Anísio Teixeira foi um dos intelectuais mais importantes da nossa história da educação”, afirma a pedagoga Sandra Regina Cassol Carbello, professora da Universidade Estadual de Maringá. “Defendeu a escola pública, laica, gratuita, de qualidade para toda a população. Trabalhou intensamente para organizar a educação brasileira desde o ensino básico à pós-graduação. Empenhou-se na luta pela profissionalização e organização da carreira docente. Se o planejamento por ele elaborado tivesse sido executado, nossa sociedade seria muito diferente”.
A trajetória do educador baiano, nascido em 1900 e falecido em 1971, ajuda a explicar a decisão de Vélez Rodríguez.
Influência americana
Desde a redemocratização, o educador vem recebendo diferentes homenagens. Seu rosto ilustrou a nota de mil Cruzeiros Reais, em 1993. Em sua terra natal, Caetité, na Bahia, o dia de seu nascimento, 12 de julho, é feriado municipal. Seu nome batiza ruas de dezenas de cidades, de Salvador (BA) a Ariquemes (RR), passando por Florianópolis (SC), Rio de Janeiro (RJ) e Belo Horizonte (MG).
O órgão que produz a prova do Enem, o Inep, se chama Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Todos os anos, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) concede o Prêmio Anísio Teixeira, um dos mais importantes do setor.
Todo esse reconhecimento se presta ao filho do médico Deocleciano Pires Teixeira, representante de uma família de grande expressão em Caetité. Ele se casou com três irmãs, sucessivamente – da união com a terceira, Anna de Souza Spínola, nasceu Anísio Teixeira. Quando garoto, ele pensou em se tornar jesuíta, mas o pai o dissuadiu. Depois de seguir para o Rio de Janeiro para cursar Ciências Jurídicas e Sociais, Anísio voltou à Bahia em 1922. Em 1924, já era Inspetor Geral de Ensino, o equivalente a secretário estadual da educação.
Até 1935, Anísio desenvolveu uma trajetória acelerada. Em 1925, visitou a Europa, para conhecer o sistema educacional do Velho Continente. Em 1927, com o mesmo objetivo, foi aos Estados Unidos, onde conheceu as propostas do filósofo e pedagogo John Dewey, que influenciaria seu pensamento até o fim da vida. Retornou aos Estados Unidos no ano seguinte, a fim de cursar o mestrado na Universidade de Colúmbia, em Nova York.
Exílio e morte
Em 1931, com apenas 31 anos já estava no Rio de Janeiro, como o chefe da Diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal, o equivalente ao cargo de secretário estadual de Educação. Ali, começou a colocar em prática seu projeto de vida: criar uma rede educacional pública, que tivesse continuidade desde a primeira infância até a vida adulta e formasse cidadãos preparados, não só para o mercado de trabalho, como para a vida em sociedade em um país democrático.
Para alcançar esse objetivo, criou a Rede Municipal de Educação, que incluiu a Universidade do Distrito Federal, inaugurada em 1935. Ao longo desses quatro anos de trabalho, Anísio Teixeira aumentou o número de vagas disponíveis, promoveu reformas nos edifícios das escolas, a fim de deixá-los mais amplos e capazes de oferecer laboratórios e atividades culturais, e construiu Escolas Técnicas Secundárias.
Durante esse mesmo período, em 1932, ele havia assinado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Escrito por Fernando de Azevedo e assinado por 26 intelectuais, incluindo Cecília Meireles, Afrânio Peixoto, Lourenço Filho e Roquette Pinto, o texto criticava o modelo educacional do país naquele momento, considerado elitista e excessivamente controlado pela igreja católica.
“A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação são outros tantos princípios em que assenta a escola unificada e que decorrem tanto da subordinação à finalidade biológica da educação de todos os fins particulares e parciais (de classes, grupos ou crenças), como de reconhecimento do direito biológico que cada ser humano tem à educação”, afirmava o documento.
Ainda em 1935, a Universidade do Distrito Federal foi fechada e Anísio Teixeira seguiu para o autoexílio em Caetité. Passou dez anos atuando como empresário do ramo de exploração e comércio de calcário e cimento, até que o fim do governo Getúlio Vargas, em 1945, o lançou novamente para o centro das discussões sobre os rumos da educação brasileira. Em 1946, assumiu o posto de conselheiro geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
No ano seguinte, tornou-se novamente secretário da educação da Bahia. Em 1951, assumiu o posto de secretário geral da Capes. Em 1952, assumiu a direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), que seria rebatizado com seu nome nos anos 1990, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 1961, fundou, em Salvador, a Escola Parque, seu projeto de escola-modelo de ensino em período integral, muito semelhante a um campus universitário, com centros dedicados à educação formal, à formação pessoal e à preparação para o mercado de trabalho, além de atendimento médico e odontológico para as crianças.
“Nesta escola, à inspiração da Escola Nova, do ideário proposto por William James e John Dewey, as crianças e os jovens deveriam praticar na comunidade escolar o que fariam na comunidade adulta amanhã”, afirma a pesquisadora Célia Maria Ferreira Cordeiro em artigo sobre Anísio Teixeira. “Educar para a vida e para a democracia formando o estudioso, o operário, o artista, o esportista, o cidadão útil, inteligente, responsável e feliz”.
Ao fim da década de 1950, trabalhou intensamente no desenvolvimento da Lei Nacional de Diretrizes e Bases. Quando do golpe militar de 1964, era reitor da Universidade de Brasília, que também havia ajudado a fundar. Perdeu o cargo e voltou para os Estados Unidos até 1966. Em 1971, desapareceu no Rio de Janeiro. A polícia encontrou o corpo dois dias depois. “Foi encontrado, morto, num poço de elevador, num edifício onde morava Aurélio Buarque de Holanda, no Rio de Janeiro. Estava em campanha para uma vaga na Academia Brasileira de Letras”, afirma a professora Sandra Carbello. “Foi um atentado? Foi um acidente? São questões que permanecem”.
Pensador liberal
Anísio Teixeira ficou conhecido pela defesa da educação pública universal. Ainda que tenha inspirado os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) e os Centros Integrados de Atendimento à Criança (CIACs), o molde da Escola Parque nunca alcançou sucesso em larga escala, principalmente por conta do custo elevado: manter um centro educacional nos moldes defendidos pelo pedagogo custa três vezes mais. “Se é a nossa defesa que estamos construindo, nunca será demasiado caro, pois não há preço para a sobrevivência”, ele escreveu.
Anísio era, e ainda é, visto como um pensador liberal, que defendia que um ensino que oferecesse oportunidades iguais estimularia, na vida adulta, a meritocracia em condições justas. É um pensamento diferente da pedadogia de Paulo Freire, 21 anos mais jovem e cuja pedagogia, apresentada em obras como Pedagogia do Oprimido, ainda hoje é considerada mais alinhada a um pensamento de esquerda. Em um ponto os dois concordavam: a importância da educação para a construção da democracia.
Para Anísio Teixeira, escrevem Aparecida Favoreto, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e Maria Inalva Galter, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), “o progresso material dos EUA era resultado da forma de ser do povo americano, que, em meio à vibração de sua vida nacional e espírito democrático, conseguiu atingir o progresso humano. Em sua perspectiva, o Brasil poderia também alcançar tal progresso se construísse um sistema de ensino semelhante”.
As teorias do pedagogo se mantém atuais, como afirmam a professora Sandra Regina Cassol Carbello e o pesquisador Ricardo Ribeiro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquista Filho (Unesp), em uma análise da trajetória do educador: “Ainda não resolvemos os problemas educacionais denunciados e enfrentados por Anísio Teixeira nas primeiras décadas do século 20. O analfabetismo ainda nos assombra, o acesso à educação ainda não é universal e a qualidade de ensino é bandeira de luta.”
Como a eleição de Trump afeta Lula, STF e parceria com a China
Moraes não tem condições de julgar suposto plano golpista, diz Rogério Marinho
Policial federal preso diz que foi cooptado por agente da cúpula da Abin para espionar Lula
Rússia lança pela 1ª vez míssil balístico intercontinental contra a Ucrânia
Deixe sua opinião