No último exame do PISA, Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, divulgado em 2016, o Brasil ficou na 66ª colocação em matemática, com 377 pontos, atrás de países como México, Costa Rica e Colômbia. O programa, que avalia o desempenho de mais de 70 países e economias da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), confirma: o brasileiro não vai bem na disciplina, e as dificuldades surgem no começo da vida escolar.
Pouco analisado, no entanto é o fato de que esse diagnóstico está diretamente relacionado à alfabetização e à condição emocional do aluno. Existem evidências científicas de que a aprendizagem da aritmética e da leitura compartilham entre si muitos mecanismos cognitivos. Ambas dependem, além de outras coisas, como a estabilidade emocional, de habilidades linguísticas.
Para discutir o assunto, a Secretaria de Alfabetização, do Ministério da Educação, formou um grupo de especialistas na 1ª Conferência Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências (Conabe). Entre os membros, está Vitor Geraldi Haase, professor titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para ele, o interesse nesse estudo revela que leitura e matemática, por exemplo, não são "coisas isoladas".
"Ter criado o grupo mostra a percepção de que as coisas não são isoladas, as pessoas falam muito em transversalidade, mas, geralmente, é só sobre bobagens. Isso realmente é uma transversalidade que é orgânica", afirma.
O MEC está implementando políticas públicas para a alfabetização e o ensino da matemática básica a partir do conceito de "numeracia". Esse termo leva em conta a compreensão e habilidades matemáticas para solucionar demandas da vida cotidiana.
Sabe-se que o vocabulário é algo extremamente importante para a aquisição da leitura. É, na verdade, o principal preditor da interpretação de textos. Segundo Haase, há uma série de novos estudos que revelam que o vocabulário tem, também, um papel imprescindível no discernimento da aritmética.
"Isso começa pelo fato de que a contagem é um processo verbal. A principal habilidade aritmética, a partir dos 3 anos, é começar a contar os números", explica ele. "No início, essa contagem é só uma ladainha, não tem significado quantitativo".
Aos poucos, após o primeiro passo, a criança vai associando os numerais à quantidade e, à medida que vai adquirindo experiência com a contagem, intui os princípios das operações aritméticas. É dessa forma que se aprende matemática, afirma Haase.
A Política Nacional de Alfabetização, lançada em agosto, recomenda que a prática da numeracia tenha por fundamento a neurociência e a psicologia cognitiva. O objetivo é trabalhar com as crianças os elementos de intuição matemática de uma forma mais sofisticada juntamente com a linguagem.
Ensino
O ensino da matemática é feito por etapas para formar o raciocínio da disciplina na criança. Em um primeiro momento, é imprescindível a consciência fonêmica, ou seja, a capacidade de representar os sons das letras e palavras.
Depois disso, segundo o especialista da UFMG, o aluno é incentivado a dominar a construção dos números e a entender as relações numéricas. E, por fim, são trabalhados os padrões de quantidades: soma, subtração, multiplicação, divisão. Daí em diante, as operações se amplificam e os conteúdos se tornam mais complexos.
Para isso, Haase também conta que existem experiências sendo estudadas no mundo todo que indicam a pais e professores, antes do ensino das operações aritméticas, incluir, no dia a dia, "linguagem matemática". "Histórias de matemática, palavras que remetam às operações, como adicionar, excluir, diminuir, dividir", diz.
“A gente precisa saber se vai fazer uma compra à vista ou parcelada em cinco vezes. A matemática é para a vida. Por isso quanto mais se investe no desenvolvimento das habilidades numéricas, melhor será o desempenho das crianças e dos adultos. Os países que estão em primeiro lugar no Pisa investem muito nas habilidades cognitivas já na primeira infância”, explica Beatriz Vargas Dorneles, doutora em psicologia escolar e professora de educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Ainda de acordo com a especialista, com a formação de professores e investimento desde a idade pré-escolar, é possível detectar crianças com problemas de aprendizagem na matemática e trabalhar com elas uma filosofia de intervenção.
Ansiedade
Além de ser uma disciplina mais abstrata, o aprendizado da aritmética também esbarra em problemas psicológicos tanto do aluno como do professor. É por esse motivo, afirma Haase, que muitos estudantes acabam tendo experiências ruins com a matéria.
“As crianças que têm um temperamento mais susceptível à ansiedade, acabam desenvolvendo atitudes negativas e irritação”, explica o especialista.
No caso dos docentes, ele conta que existem estudos que revelam que a ansiedade matemática do professor é transmitida para os alunos.
“Os professores são um segmento profissional extremamente vulnerável; sofrem com a ansiedade matemática. É preciso explicar para eles que isso existe e pode ter consequências no futuro das crianças. Ao mesmo tempo é necessário melhorar a formação”.
No Brasil, o cuidado na formação deve levar em conta o papel polivalente do professor atuante no período da pré-escola ao 5º ano do ensino fundamental. Nestas etapas, os professores são responsáveis pelo conteúdo de todas as disciplinas e, por isso, não têm uma formação aprofundada em matemática. O problema destas fases é a falta de domínio de conteúdo, enquanto nas fases posteriores, a didática.