O conservador que vem assustando a esquerda e entusiasmando a direita nas universidades americanas foge aos estereótipos: ele não foi criado no interior do Kentucky, mas na progressista Los Angeles. Não é um cristão evangélico, mas um judeu praticante que utiliza o quipá onde quer que esteja. Não frequentou faculdades conservadoras, mas se formou na Universidade da Califórnia (Ciência Política) e em Harvard (Direito) – com honras. E, acima de tudo: não, Ben Shapiro não votou em Donald Trump.
Ainda assim, ele é o palestrante mais procurado por entidades estudantis conservadoras em universidades americanas. Foram 37 eventos com Shapiro entre 2016 e 2017, de acordo com o New York Times – palestras que ele realiza em todos os cantos do país, apesar de manter um podcast diário de uma hora, fazer aparições regulares em programas de TV, escrever artigos para publicações conservadoras e manter o próprio portal de notícias, o Daily Wire.
As palestras são facilitadas pelo fato de que a Young America’s Foundation, uma organização estudantil conservadora com recursos financeiros e capilaridade consideráveis, se oferece para mediar os pedidos por Ben Shapiro.
Nesses eventos, um roteiro costuma se repetir.
1) Ben Shapiro enfrenta protestos do lado de fora;
2) Ben Shapiro entusiasma uma plateia formada majoritariamente por conservadores;
3) Ben Shapiro retalha os argumentos de alunos esquerdistas na sessão de perguntas e respostas.
Às vezes o item 1 varia um pouco em intensidade. Em Berkeley, na Califórnia, alguns manifestantes agiram com violência ao tentar impedir a palestra. A direção da universidade chegou a cancelar o evento, mas voltou atrás.
Já item 2 se explica pela disparidade entre esquerda e direita nas universidades americanas: a chegada de Shapiro promove uma catarse naqueles que, no dia a dia, são massacrados numericamente por professores e colegas.
Mas o item 3 é o que tornou Shapiro uma celebridade.
O estilo implacável do garoto de Los Angeles é uma combinação de três fatores: uma memória prodigiosa, uma habilidade argumentativa impressionante e um raciocínio incrivelmente rápido, suficiente para nocautear o adversário sem perder a compostura.
A mensagem que ele tem a passar não é nova. A favor do livre mercado, dos valores tradicionais americanos, de uma interpretação originalista da Constituição. Contra a legalização do aborto, a institucionalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e o vitimismo por parte de minorias reais ou imaginárias.
No sistema bipartidário americano, as ideias de Shapiro são alinhadas com o partido Republicano. Mas ele não parece ter medo de ir contra a corrente.
Em 2015, ele gravou um vídeo de 5 minutos chamado “Donald Trump é um mentiroso”, elencando as contradições do então pré-candidato à Presidência.
Conforme Trump derrotava os adversários e se aproximava da Casa Branca, Shapiro manteve suas críticas. Em novembro de 2016, escreveu: “Nunca vou votar em Donald Trump. Jamais”.
No artigo, ele argumenta: “Me coloco contra o Partido Repúblicano que acredita que insiste que a vitória importa mais do que princípios, porque a vitória sem princípios não tem sentido”.
Depois do início do governo, entretanto, Shapiro passou a reconhecer o que considera boas surpresas da gestão Trump, como a indicação do conservador Neil Gorsuch para a Suprema Corte.
Ben Shapiro domina técnicas do debate como poucos. E sabe que quem define os termos tem uma ampla vantagem. Por exemplo: em vez de “transgênero”, ele costuma usar a expressão “garoto que pensa ser uma garota”.
Ao responder a uma pergunta de um aluno de Berkeley, ele inverteu a conversa e colocou o jovem contra a parede. Shapiro defendia o valor intrínseco de toda a vida humana, enquanto o aluno argumentava que apenas os seres “senciência” (capacidade de sentir e ter consciência) merecem esse status.
"Se você está em coma do qual você pode retornar, posso esfaqueá-lo?", perguntou Shapiro. O estudante respondeu: “Isso ainda é considerado senciência em potencial”.
"Concordo. Sabe o que é mais tem senciência em potencial? Um feto", arrematou Shapiro, acompanhado por aplausos.
Na CNN, ao ser entrevistado por Piers Morgan em 2013 para debater a legislação sobre armas, ele começou com um tiro de canhão e citou o massacre na escola primária de Sandy Hook, que deixou 26 mortos. “Assisto ao seu programa, e tenho visto repetidamente que o que você tende a fazer é demonizar as pessoas que diferem de você politicamente e pisar nos túmulos das crianças de Sandy Hook, dizendo que eles não parecem se importar o bastante com as crianças mortas”.
Morgan ficou sem reação, exceto por um espontâneo “Como você ousa?”.
O confronto direto, como tudo que Shapiro diz, não foi consequência de uma explosão de ira: foi um passo planejado para desmontar o que acreditava ser uma armadilha embutida no discurso de Morgan.
Uma frase cunhada por Shapiro e que se tornou um bordão entre seus seguidores resume seu estilo de debate: “Facts don’t care about your feelings” – os fatos não se importam com teus sentimentos.
Autor de seis livros, Ben Shapiro é um dos poucos nomes da direita americana a transitar livremente no chamado mainstream (ele escreve na tradicional National Review, a publicação de referência da elite conservadora) e, ao mesmo tempo, se comunicar com uma audiência mais jovem, adepta do Youtube e das redes sociais.
Uma compilação de 34 minutos dos melhores momentos de Shapiro, por exemplo, teve mais de 1,5 milhão de vistualizações. No Facebook, ele tem 3,5 milhões de seguidores.
Entre os brasileiros, Shapiro também faz sucesso: são dezenas de vídeos legendados em português por páginas como a “Tradutores de Direita”.
Ben Shapiro faz o que faz sem se exaltar, encarando o adversário com a expressão impassível – o que causa um efeito colateral importante em debates: com frequência, os seus adversários parecem pessoas desequilibradas diante de um debatedor sério e honesto.
Em um debate na TV, ele usou a palavra“senhor” ao se dirigir Zoey Tur (ex-Robert Tur, um jornalista famoso em Los Angeles e que agora se identifica como mulher).
“Qual é sua genética, senhor?”, perguntou Shapiro. Zoey segurou Shapiro pela nuca e fez uma ameaça. “Pare com isso agora ou vai sair daqui em uma ambulância”.
A 20 centímetros de distância, Ben Shapiro (1,68 de altura) continou olhando fixamente para o(a) interlocutor(a): “Isso parece levemente inapropriado para uma discussão política”, disse.
O sucesso que Ben Shapiro amealhou aos 34 anos tem a marca da precocidade de quem já era um violinsta de alto nível aos 12, lançou o primeiro livro aos 20 e aos 24 já tinha os diplomas de UCLA e Harvard.
Alguns seguidores de Shapiro, de brincadeira (mas nem tanto), defendem a candidatura dele à Presidência da República. É um exagero. Mas dá a dimensão de quão relevante ele se tornou para um público que tem no franzino garoto de Los Angeles o seu vingador.