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Evaldo Ferreira Vilela, presidente do CNPq.
Evaldo Ferreira Vilela, presidente do CNPq.| Foto: Arquivo/MCTIC

Presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) há pouco mais de um mês, Evaldo Ferreira Vilela está convencido de que a ciência brasileira precisa alcançar novos patamares.

O impacto científico em rankings internacionais, o pouco retorno que alguns projetos têm trazido para o país e a falta de prestação de contas de pesquisadores são, definitivamente, motivos que influenciaram o órgão, e o Ministério da Ciência, da Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) como um todo, a adotar novas políticas de fomento à ciência. Em março, o novo modelo anunciado pelo CNPq para a concessão de bolsas gerou desconforto na comunidade científica ao excluir as pesquisas básicas, entre elas as ciências humanas.

À Gazeta do Povo, Ferreira admite que pode ter havido falha no diálogo com os pesquisadores durante a implementação da proposta e, mais tarde, o órgão se retratou e incluiu as pesquisas básicas no escopo do edital.

Ele também comenta sobre o mau desempenho das pesquisas brasileiras, a dificuldade do país em "adentrar de vez na inovação científica" e sobre a fiscalização dos projetos contemplados pelo órgão. Leia, a seguir:

O senhor chegou há cerca de um mês no CNPq, em meio à pandemia do novo coronavírus, quando novas políticas de fomento foram anunciadas e houve certo desconforto entre a comunidade científica. Como tem avaliado esses primeiros dias à frente do órgão?

Evaldo Ferreira: Cheguei no CNPq quando já estava no ar a primeira convocação para as bolsas PIBIC. Fui convidado pelo ministro [Marcos Pontes], com quem eu já tinha proximidade, pois fui presidente do Conselho Nacional das Fundações de Amparo a Pesquisas (Confap). Sempre achei ele uma pessoa extremamente bem intencionada, com uma boa base em ciência. E eu sempre advoguei por fazermos planejamento com perspectiva de onde queremos chegar com a ciência brasileira. Acho que isso chamou a atenção [do Pontes] e ele me convidou.

Em um momento de incertezas, por todo lado, até pensei em não aceitar, mas eu, particularmente, fui apoiado pelo CNPq durante muitos anos, e achei que não podia deixar de contribuir. Sempre acreditei mais na ciência do que em muitas outras coisas, como ideologias. Ela tem que se tornar um valor mais preponderante na sociedade brasileira, pois as coisas "correm" melhor onde a ciência tem um papel mais estruturado na formação da cidadania; as pessoas têm um trabalho mais eficiente, mais verdadeiro e menos preconceituoso. Sou da Academia Brasileira de Ciências (ABC), tenho algumas portas abertas e vim com a ideia de juntarmos forças em favor do CNPq.

O governo tem anunciado novas medidas e políticas de fomento à ciência no país. Como, por exemplo, o estabelecimento de áreas prioritárias para a concessão de bolsas. Qual é o objetivo dessas mudanças?

Evaldo Ferreira: Muitos trabalham a gestão com conceitos e experiências anteriores que não se aplicam mais em um momento que vivemos hoje. O CNPq é a casa da ciência no Brasil, é uma instituição imprescindível para o futuro do país.

Precisamos ter a ciência como um fator de prosperidade. É possível, a partir daí, combater as desigualdades. Para isso, porém, precisamos saber onde queremos chegar. Estou falando sobre planejamentos estratégicos, não esses planejamentos que se faz com muita pompa e envolvimento, mas que acabam gerando documentos absurdamente grandes e que indicam que tudo é prioritário, que tudo é possível. Sabemos que, pós-pandemia, os recursos do Brasil serão extremamente limitados. É nessa perspectiva que vamos trabalhar.

O que se pretende com um maior incentivo às áreas consideradas prioritárias?

Evaldo Ferreira: O papel do governo é justamente priorizar ações que resultem em benefício para a sociedade. A nossa comunidade científica cresceu muito e, apesar de nunca ter tido o recurso adequado, teve alguns "soluços" interessantes e, com muita resiliência, se capacitou e avançou. Temos cientistas e grupos de pesquisa de valor global e de renome. Mas é preciso entender que, em determinado momento, trabalhamos para construir uma comunidade científica. No presente momento, inclusive com a mudança de era - da industrial para a digital - entendo que nós temos que "apurar".

Já temos uma comunidade de pesquisadores minimamente forte, não é comparável com a da Inglaterra, dos Estados Unidos, mas temos muita qualidade e talento, que são, inclusive, permanentemente assediados por nações de primeiro mundo. Agora, precisamos apurar um pouco mais, ou seja, pensar em resultado, tirar mais proveito dessa estruturação mínima que temos. E, aí, tem que ter priorização, não tem jeito, não tem dinheiro para tudo. A comunidade, obviamente, reage. É muito mais confortável trabalhar com o livre pensar - e é imprescindível ter esse espaço. Mas é preciso ter prioridade para orientar as pessoas a trabalhar com coisas que poderão resultar em grande contribuição à sociedade. No caso do CNPq, para a inovação.

Todo mundo fala que o pós-pandemia não terá mais a normalidade anterior. Se o mundo vai ser diferente amanhã, o CNPq não pode continuar o mesmo. Vamos continuar com o PIBIC com R$ 150 milhões igual ele sempre foi? Não tem lógica isso. Muitas decisões ficaram na mão da comunidade científica no passado, e isso foi se concretizando e criando dificuldades.

Algo que está claro, pela primeira vez, é que o CNPq financia ciência. O princípio basal que nós pedimos é o método científico ou outras formas tradicionais de desenvolvimento de conhecimento. Isso significa que, quem não consegue seguir o método experimental pela natureza, o camarada que inventa metodologia, mistura as coisas... isso não será mais válido.

É preciso entender que a atualização da iniciação científica é necessária, e os mais preparados para o novo momento poderão, certamente, ser mais contemplados com bolsas. É um processo dinâmico, não podemos ignorar que o mundo está em transformação. Estamos desenhando agora um planejamento para entender onde estamos e onde queremos chegar em termos de país, para justificar, inclusive, investimentos que muitas vezes não são bem aceitos pelos gestores públicos.

Qual é o desejo que temos com a ciência, onde queremos chegar com ela, onde ela vai nos ajudar? Muitas vezes, as chamadas são pensadas com benefício para o pesquisador. Mas o benefício deve ser para o país. Temos que prestigiar o pesquisador, ajudá-lo e somos felizes quando publica artigos. Mas temos que ter a consequência desse trabalho.

Nós não tivemos isso até hoje porque a ciência no Brasil tem poucos anos. As coisas são assim mesmo, tem que amadurecer, e a comunidade tem que entender que é preciso alcançar novos patamares à medida que vamos evoluindo.

O CNPq terá novas políticas de acompanhamento das pesquisas e de seu impacto?

Evaldo Ferreira: Não é possível, simplesmente, dar dinheiro para o prestador, para ele fazer tudo que acha que deve fazer, e não cobrar, ou cobrar apenas um relatório que, muitas vezes, temos dificuldade de acompanhar, pelo volume. Inclusive, os órgãos de controle estão apertando o CNPq. Somados, nossos três novos editais equivalem a R$ 150 milhões.

O Tribunal de Contas nos pergunta: "Qual é o resultado?". Bem, o resultado são 26 mil bolsas. Ele pergunta: "Ok, e o que mais?". Bem, estamos formando jovens próximos à ciência, serão melhores cidadãos, melhores funcionários. Ele volta a perguntar: "Ok, mas quantos? Como é isso? Em que área?". Isso é permanente e tenho certeza que motivou o ministro a estabelecer mudanças.

A própria sociedade quer saber. O financiamento tem uma finalidade. Por exemplo, temos papers que são muito válidos, mas e o que vem depois? Isso precisa ser mais esclarecido, mais discutido, não tem jeito, o país tem que entrar na inovação.

Houve diálogo com a comunidade científica antes da implementação da mudança no modelo de concessão de bolsas?

Evaldo Ferreira: Realmente, a primeira chamada estava muito direcionada, mas depois corrigimos isso e abrimos espaço para a pesquisa básica. Esse é o meu papel, de tentar conversar mais com a comunidade,  explicar, sentar junto, achar caminhos em colaboração. Tudo que se faz hoje sem ouvir à comunidade gera esse desconforto.

É muito difícil para o CNPq tomar essa medida. E ele nunca fez isso, até onde eu sei. O problema foi que as prioridades foram anunciadas como "áreas". Mas, na verdade, são temas. Nenhuma área do conhecimento foi privilegiada ou prejudicada. Mas isso ficou mais claro no segundo edital.

Teríamos, também, que ter conversado sobre a questão de inovação, onde o Brasil está muito mal, pois investe dinheiro e não consegue chegar ao mercado, compra tudo de fora, e isso afeta, inclusive, a soberania do país.

O CNPq tem apostado na ideia de ciência transversal. Poderia falar um pouco sobre isso?

Evaldo Ferreira: Queremos deixar claro que, as engenharias, questões da computação são muito importantes, mas a grande relevância também são os estudos na área das humanidades, da filosofia, das ciências sociais, da sociologia. As tecnologias não resolvem os problemas das interações sociais e relações interpessoais, que estão cada dia pior. Não tem tecnologia para isso, são estudos e propostas que vão vir da área das ciências sociais.

A ciência é transversal. Hoje, mais contemporaneamente, países estão apostando na formação de redes multidisciplinares. Não se consegue mais fazer um experimento e chegar a algo substancial sozinho, porque a complexidade hoje domina as gerações de conhecimento. É preciso juntar não só pessoas diferentes como pessoas com habilidades diferentes.

O Brasil tem problema demais, nós precisamos que as equipes, com suas especialidades, se juntem. A diversidade é que constrói o conhecimento moderno, dentro da complexidade.

Percebemos, mesmo depois da atualização do edital, resistência por parte da comunidade científica em aceitar o novo formato. A que isso se deve?

Evaldo Ferreira: Acho que a grande preocupação da comunidade é porque as ciências sociais e humanidades sempre foram muito bem tratadas pela Capes e pelo CNPq - é só olhar para os números de bolsas. Mas quando você mexe com alguma coisa e não senta e conversa com essas pessoas, acontece isso [desconforto entre o CNPq e a comunidade científica]. No fundo, está todo mundo com medo de perder bolsa. Mas, também, quando as pessoas não querem entender, não adianta explicar.

Todo mundo tem uma boa vontade muito grande com o CNPq a partir do momento em que se esclarece a situação, todo mundo percebe as dificuldades que uma agência de fomento está tendo nesse momento, no Brasil e no mundo.

As instituições, de uma maneira geral, se enfraqueceram muito. Mas a boa vontade é muito grande, quando você se dispõe a conversar, esclarecer. Acontece que, momentaneamente, tem esse barulho, esse medo de perder bolsa. Eu sou uma pessoa do diálogo, mas eu cheguei há pouco tempo, não tem como fazer isso de uma hora para outra. Já temos muito conflito, não precisamos de mais.

Desde sempre, já percebeu como a comunicação no governo do Brasil é ruim? O governo não sabe se comunicar. Nosso ambiente, globalmente, já está desgastado, e quando se tem um mundo com tantas incertezas, todas as mudanças, em um primeiro momento, são interpretadas como contrárias.

Até a atual gestão, a discussão sobre o impacto das pesquisas não era tema tão recorrente. Observando, por exemplo, o quesito citações por paper (CPP), fica claro que pesquisas brasileiras de ciências humanas tiveram mau desempenho frente à comunidade internacional nos últimos anos. A que isso se deve?

Evaldo Ferreira: Isso acontece porque estamos muito acostumados a achar que nosso problema é único e há uma solução única. Isso, hoje, nos traz um prejuízo enorme. É preciso pensar globalmente. O que foi fácil de fazer, já foi feito. Quando o trabalho tem uma contribuição pequena e ninguém aproveita aquilo, é porque não está em rede. Fazer pesquisa isolado não dá mais. Isso é resultado de falta de perspectiva global.

Pesquisas não relacionadas às áreas prioritárias também podem ser contempladas?

Evaldo Ferreira: Sim. As pesquisas podem não ter aderência. Queremos saber qual o percentual que elas conseguem atender do que colocamos como prioridade. Isso tudo vai ser pontuado, mas não significa que ela vai perder bolsa. É preferencial, não exclusivo. Em hipótese alguma as ciências sociais foram excluídas. Elas sempre tiveram muito apoio do CNPq. Tem áreas que até reclamam disso.

E onde queremos chegar, hoje? Quais países são referências para o Brasil, no quesito científico?

Evaldo Ferreira: Os Estados Unidos é o primeiro exemplo, depois a Alemanha. Lá é tudo muito orientado. Como eles fazem isso? Eles estão antenados. A respeito do 5G, que é uma briga mundial, eles já estão preparados para lançar o deles.

Como o senhor avalia a proposta de fusão entre os órgãos de fomento à ciência?

Evaldo Ferreira: Não tem o menor sentido. Quando você não entende esse universo, as duas instituições, e não entende a ligação entre elas, surge esse preconceito. Por isso estamos trabalhando muito para demonstrar que o CNPq trata com o pesquisador e com o projeto de pesquisa. A Capes trabalha com formação, mudança de nível.  Enquanto a Capes "anima" o sistema de reciclar pessoas, com programas de atualização, por exemplo, para o sistema digital, é o CNPq quem desenvolve a inteligência artificial.

Hoje, não se faz economia sem ciência. Tenho a impressão de que agora, com a Covid-19, teremos a oportunidade de entender isso. Percebemos que, se não tivermos ciência, não teremos respiradores, não conseguiremos combater a pandemia. Não é um problema comprar de fora, mas temos que ter nossa base de indústria tecnológica, e isso tem tudo a ver com o CNPq e com a Capes. Se desmontarmos isso, diminuindo o papel dessas instituições, enfraquece o trabalho de gerar prosperidade no Brasil, é simples assim.

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