O Brasil recebeu mais um choque de realidade na última terça-feira. Os estudantes brasileiros estão há 15 anos entre os piores do mundo nas disciplinas de ciências, leitura e matemática, de acordo com o Pisa 2015, uma das avaliações educacionais mais respeitadas no mundo. Para sair desse abismo, que influencia diretamente o desenvolvimento do país, especialistas apontam que é preciso implementar uma reforma profunda – e urgente – não apenas no ensino médio, mas também dos últimos anos do ensino fundamental, do 6º ao 9º.
A proposta do governo federal de reduzir o número de conteúdos no ensino médio - hoje são 13 disciplinas, em 4h30 de aula por dia – e aumentar a carga horária está alinhada com o que fazem economias como Singapura, Shanghai, Hong Kong, Japão, Canadá, Finlândia, que sempre estão entre os melhores do Pisa. A dúvida é se os estados, responsáveis por aplicar essa medida caso ela seja aprovada no Senado, o farão com a mesma seriedade que esses campeões do ensino – e terão dinheiro para isso.
Mas mudar o ensino médio é apenas um passo. O aluno precisa chegar um pouco melhor do 9º ano do ensino fundamental, e não com a quantidade de conhecimentos de um aluno de 5º ou 6º ano, como tem acontecido segundo dados do Pisa e também do Ideb, índice feito a partir do cruzamento do desempenho dos estudantes em provas de matemática e português com o avanço escolar (taxa de reprovação). Em 61% dos casos, os alunos terminam o 9º ano sem saber interpretar textos simples ou resolver questões básicas de matemática, como determinar a quantidade de cubos em um bloco regular.
Os especialistas são unânimes em dizer que alterar a catástrofe educacional no Brasil passa necessariamente por selecionar com mais cuidado os professores e dar a eles melhores condições de trabalho. No país, os melhores alunos não querem ser professores e 23,8% dos professores da educação básica não têm ensino superior. Mas esse quadro precisa ser alterado. “A Finlândia só mudou os seus índices educacionais depois de valorizar a profissão de professor. É preciso selecionar bem – os professores finlandeses têm pelo menos mestrado – e depois dar uma formação contínua, e estímulos na carreira, esse deve ser o começo”, afirma Fátima Bayma de Oliveira, doutora em educação e professora da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro.
Gestão privada? Meritocracia?
Outra dica para mudar esse quadro seria analisar o que aconteceu em estados que melhoraram rapidamente os seus resultados educacionais em pouco tempo, como Goiás e Ceará, que adotaram medidas consideradas polêmicas. Uma delas, no caso de Goiás, é usar o formato de organização social na educação básica, a exemplo do que acontece com outras entidades, como o Impa, o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, no Rio de Janeiro, um reconhecido caso de sucesso. Nesse modelo, o dinheiro é público, mas a gestão, privada. O que significa certa autonomia para contratação e demissão de professores, escolha de material didático, entre outros, com o acompanhamento do estado para atingir metas nas avaliações.
“Em Goiás, algumas escolas públicas tiveram ainda concessão para serem escolas militares, o que é muito polêmico. Mas essa mudança trouxe resultados importantes de aprendizagem que precisam ser avaliados”, diz Remi Castioni, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).
No caso do Ceará, outra medida polêmica bem-sucedida foi tentar aplicar conceitos de inclusão aliados à meritocracia. O exemplo emblemático é a rede de ensino do município de Sobral, que atingiu 10 anos antes a meta do Ideb e continua com uma das melhores do Brasil. “Em Sobral há um sistema de premiação, não por rendimento individual, mas por escola, que beneficia as instituições e os professores. É um modelo a ser estudado. Hoje nós temos um sistema de baixo comprometimento e precisamos passar por um sistema de maior comprometimento, que não se faz sem estímulos, e corrigir as distorções que apareçam”, afirma Castioni. “Não podemos condenar essas experiências antes de entender porque dão certo”.
Pesquisadores como Maria Márcia Malavase, do laboratório de avaliação educacional da Unicamp, acreditam, por outro lado, que aliar-se à iniciativa privada não seria o melhor caminho . “A mudança virá com alterações na formação de professores nas universidades, salários mais altos dos docentes e investimentos em infraestrutura, com salas de aula e equipamentos em ordem. Os países do mundo com os melhores índices educacionais têm a maior parte de seus alunos na educação pública”, frisa.
Concurso para diretor de escola
A gestão das escolas públicas, de acordo com os especialistas, também precisa melhorar. Hoje, mais de 70% dos municípios usam diferentes modelos de indicação política para selecionar diretores de escolas. “Depende muito de cada região, mas o melhor processo é o do concurso, exigindo que o candidato tenha sido professor em sala de aula por um tempo, porque uma escola não é uma empresa”, acrescenta Maria Márcia Malavase, da Unicamp.
A municipalização dos anos finais do ensino fundamental – ou seja, tirar das mãos dos estados as escolas de 6º a 9º ano e passar às prefeituras, com transferências de investimentos – também é uma mudança que poderia trazer resultados positivos para essa fase da educação básica, sugerem os especialistas. Ao contrário dos anos finais do ensino médio, a educação de 1º ao 4º ano tem superado todas as metas de qualidade nos últimos anos, graças a mais investimentos, pela proximidade das autoridades dos municípios e à tendência de um maior apoio da comunidade.