Ela venceu no primeiro turno e de forma inquestionável a pesquisa eleitoral para a escolha da nova Reitoria da maior universidade federal do país.
Em seguida, no Colégio Eleitoral da mesma universidade, composto por membros do Conselho Universitário, do Conselho de Ensino de Graduação (CEG), Conselho de Ensino para Graduados (CEPG) e Conselho de Curadores, obteve a consagração como a primeira indicada na lista tríplice que será encaminhada ao Governo Federal, para efeito de subsidiar a decisão final do Presidente da República sobre a nomeação de quem ocupará o principal cargo da Administração Superior da UFRJ.
Tendo passado por essas duas etapas fundamentais com reconhecida postura ética, política e acadêmica, em parceria entrosada com o Prof. Carlos Frederico Leão Rocha, o candidato a vice-reitor de sua chapa e docente do Instituto de Economia, pode-se afirmar sem exagero que a Profª Denise Pires de Carvalho, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, vem desde já cumprindo um papel histórico no processo sucessório da Universidade para a qual ingressou com apenas 17 anos de idade para cursar Medicina – tendo sido então a primeira de sua família a cursar o ensino superior –, agora qualificando-se também como a primeira mulher em condições concretas para ser nomeada reitora da UFRJ, a primeira universidade brasileira, que ainda jovem institucionalmente, completará o seu primeiro centenário de fundação em 2020.
Controvérsia jurídica e mais rigor legal na escolha de reitores
Não obstante, a efetivação dessa histórica nomeação vem sendo aguardada com especial expectativa, uma vez que desde o início do ano o Governo Federal anunciou a cobrança de maior rigorosidade legal no processo de escolha dos reitores das universidades públicas federais, a partir da estrita observância da Lei 9.192/95 e da Nota Técnica 400/2018 do MEC.
Além disso, os recentes acontecimentos relacionados à elaboração das listas tríplices da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro-UNIRIO e da Universidade Federal da Grande Dourados-UFGD, adicionaram inegavelmente um maior grau de tensão a todo o processo de nomeação dos reitores das instituições federais de ensino superior.
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No tocante à UFRJ, onde desde o início de 2018 foram iniciados os trabalhos e as discussões relativas ao processo sucessório para a eleição de um novo mandato para a Reitoria, diversos membros e segmentos da comunidade acadêmica, reunidos para debates em quase uma dezena de plenárias ocorridas durante janeiro e fevereiro últimos, consideraram detidamente as referências jurídicas apontadas pelo Governo Federal.
A pesquisa eleitoral da Universidade, embora não oficial e tradicionalmente baseada no princípio da ponderação paritária, passou a ser alvo de diversos questionamentos internos.
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A própria associação dos docentes da instituição (ADUFRJ), publicou informativo, ainda em janeiro, no qual assinalou sobre o alerta de juristas para o risco de intervenção na UFRJ. Na matéria de primeira página do citado informativo, consta inclusive o depoimento do reitor da UFPR, Ricardo Marcelo Fonseca, que preocupado com a aplicação da Nota Técnica 400/2018, comentou que “podemos fazer um cavalo de batalha pela paridade, pela democracia, mas valerá pouco se o MEC inaugurar essa prática”.
Considerado o ambiente de incerteza jurídica, a Pró-Reitoria de Pessoal encaminhou à Procuradoria-Geral, junto à UFRJ, órgão da Advocacia Geral da União-AGU, solicitação de parecer para que fossem dirimidas as dúvidas quanto às implicações legais de uma pesquisa eleitoral para a escolha de uma nova Reitoria para a Universidade, baseada no princípio da ponderação paritária.
Da análise do problema resultou que o procurador-geral Jezihel Pena Lima, exarou documento opinando no sentido de que a adoção do princípio da ponderação paritária no peso dos votos dos três segmentos integrantes da comunidade universitária, desde que em consulta/pesquisa não vinculante para o Colégio Eleitoral formulador da lista tríplice para a escolha dos novos reitor e vice-reitor, “apresenta-se em pleno concerto com as regras jurídicas vigentes”, baseando-se para tanto no art. 12 da Lei nº 11.892/2008 e no art. 206, inc. VI, da Constituição Federal.
Controvérsia jurídica estabelecida, ao opinar sobre a matéria o Procurador-Geral junto à UFRJ entronizou na questão um dispositivo jurídico sancionado especificamente para a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, a Lei nº 11.892/2008, a qual não revogou a Lei 9.192/95 e tampouco desautoriza a Nota Técnica 400/2018 do MEC, indo mesmo de encontro ao disposto nesses mesmos textos legais, uma vez que ambos determinam que mesmo nos casos de consulta prévia à comunidade universitária, nos termos estabelecidos pelo colegiado máximo da instituição, prevalecerá o peso de 70% para a manifestação do pessoal docente em relação à das demais categorias ou segmentos integrantes do Corpo Social da Universidade.
Imbróglio jurídico e respeito à norma no Colégio Eleitoral da UFRJ
Isto posto, se por um lado é conhecida a tradição da comunidade universitária pelo princípio da ponderação paritária para a pesquisa/consulta visando a escolha dos novos reitor e vice-reitor, na medida em que essa mesma comunidade decide questionar a legalidade de sua adoção, mesmo em caráter não vinculante para o Colégio Eleitoral formulador da lista tríplice, ao receber do principal operador de Direito da AGU junto à Universidade, o parecer de que o princípio em questão “apresenta-se em pleno concerto com as regras jurídicas vigentes”, sobrevém um imbróglio jurídico que pode ser de difícil resolução, o qual inegavelmente contribui para explicar as atualmente tensas expectativas acerca das nomeações dos dirigentes máximos das universidades federais.
Por outro lado, restou igualmente evidenciado que se a comunidade acadêmica prefere o princípio da ponderação paritária como aspecto de afirmação de sua autonomia universitária, o que pode ser entendido também como uma espécie de desafio à norma jurídica interpretada como exógena e inapropriada à especificidade do ambiente crítico e questionador da educação superior, não houve entretanto desrespeito à rigorosidade legal anunciada pelo Governo Federal, visto que nesse sentido houve procura e amparo de parecer jurídico junto à AGU, além da própria determinação institucional da Universidade, quanto à existência de nenhuma vinculação formal entre a pesquisa tramitada nesses termos e a escolha do Colégio Eleitoral.
Não obstante, na pesquisa à comunidade da UFRJ conduzida sob o princípio da paridade ponderada, aparentemente prevaleceu o espírito da Lei 9.192/95 enquanto forma de pacificação social, como diria Montesquieu, graças ao notável desempenho da chapa encabeçada pela professora Denise, como ela é chamada na Universidade.
Com efeito, se o item terceiro do Art. 1º da mencionada lei estabelece que nos casos de pesquisa desse tipo prevalecerá o peso de 70% para a manifestação do pessoal docente, vale destacar que na pesquisa da UFRJ, do universo de 4.270 professores, compareceram às urnas 3.189 docentes, quase 75% do total de votantes; desse total, 1757 professores votaram na chapa da professora Denise, o que representou mais de 56% dos votos válidos, eliminados 63 votos entre brancos/nulos. Esse percentual praticamente definiu o resultado da pesquisa já no primeiro turno.
No segmento dos servidores técnicos-administrativos, do universo de 9.189 votantes, compareceram às urnas 4.591 funcionários, quase 50% do total da categoria; desse total, descartados os 193 votos brancos/nulos, votaram na chapa da professora Denise 2.232 eleitores, o equivalente a mais de 50% dos votos válidos.
Embora os números oficiais da apuração tenham considerado percentuais relativos ao universo total de votantes e incluído os números de votos brancos/nulos de cada segmento do Corpo Social, por qualquer critério escrutinador os percentuais de votos obtidos entre os docentes e os técnicos administrativos, justamente os segmentos legalmente constituídos como responsáveis pelo cumprimento da missão social da UFRJ junto à sociedade, determinaram de forma inequívoca a vitória da chapa da professora Denise Pires de Carvalho, logo no primeiro turno da pesquisa.
No Colégio Eleitoral da UFRJ, reunido no dia 30 de abril último em conformidade com a Lei 9.192/95, para formar uma lista tríplice a ser enviada ao Governo Federal visando a nomeação da nova Reitoria, outra vitória incontestável: mais de 90% dos votos entre os 90 eleitores qualificados desde dezembro de 2018.
Clara oposição à atual Reitoria
A próxima e decisiva etapa será a nomeação por parte do Presidente da República. Nesse aspecto, muitos são os motivos que poderão contribuir para justificar a nomeação da professora Denise.
Além do respeitado currículo acadêmico e da experiência bem-sucedida como gestora universitária, sua campanha de clara oposição à atual Reitoria – que infelizmente partidarizou politicamente o preenchimento da maioria dos cargos da Administração da UFRJ –, entre outros aspectos, foi a única a tocar em pontos especialmente sensíveis da política universitária, que incluíram críticas ao modelo de extensão da Universidade, pouco apreço da atual Reitoria pelos debates e pouco respeito aos colegiados acadêmicos, a necessidade da autocrítica acerca do fato de que ao longo de quase uma década, R$ 500 milhões de reais em investimentos não teriam sido devidamente empregados na instituição, e até a atribuição da responsabilidade pelo incêndio no Museu Nacional à gestão da UFRJ, mesmo concordando que é grave o corte orçamentário da Universidade, o que vem ocorrendo desde o início do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff.
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Vale ainda destacar a capacidade de trabalho, aliada à atitude agregadora e de diálogo já demonstrada pela professora Denise no âmbito da comunidade universitária, o que pode contribuir sobremaneira para amenizar as polarizações atualmente existentes nos muitos campi da UFRJ, além das reiteradas declarações públicas à imprensa, quanto à vontade política de interlocução positiva, produtiva e respeitosa com o próprio Governo Federal.
Considerados apenas esses aspectos, a eventual nomeação da professora Denise Pires de Carvalho como reitora da UFRJ, por ato do presidente Jair Bolsonaro, poderá representar um momento de ineditismo histórico para a Universidade e simultaneamente uma oportunidade democrática para o Chefe de Estado da nação brasileira.
Além de empossar a primeira reitora da UFRJ, Bolsonaro também associará o seu nome à história da própria Universidade, afirmando respeito à autonomia universitária e contribuindo para a abertura do diálogo esclarecedor quanto ao papel estratégico e altamente significativo que a UFRJ e as demais universidades federais há muito vêm prestando para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil, apesar do subfinanciamento a que estão sendo submetidas nos últimos anos, processo que representa um perigo real e imediato para a soberania do país, muito maior do que invariavelmente tem sido imaginado.
*Leandro Nogueira é Professor Associado da EEFD-UFRJ e membro do Observatório da Universidade-OBSUNI.
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