Desde 2016, as escolas da Finlândia contam com aulas de computação no lugar das antigas lições de caligrafia. No país nórdico, os tradicionais livros e cadernos deram lugar aos tablets e computadores. No Brasil, algumas escolas particulares já aderiram à ideia. Mas será que priorizar a tecnologia é positivo para a aprendizagem?
Segundo estudos recentes, não.
Ao colocarmos as palavras no papel, diversas áreas cerebrais são ativadas. Muitas delas são responsáveis pelo raciocínio, linguagem e memória — essenciais para a aprendizagem.
Um estudo publicado, em 2016, no The Journal of Learning Disabilities, afirma que a linguagem escrita pode favorecer as chamadas habilidades de “função executiva” (capacidade de controlar pensamentos, ações e emoções).
A neurologista da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Liana Lisboa Fernandez, concorda. Ela explica que o ato de digitar é muito menos complexo do que escrever uma letra.
“Quando colocamos uma ideia no papel, áreas do cérebro relacionadas à atenção, concentração, planejamento e emoção são ativadas. Isso tem diversos benefícios. A escrita pode levar à frustração quando temos uma letra feia, por exemplo. Tudo isso demanda que a pessoa desenvolva, mesmo que inconscientemente, métodos de tentativa e erro”, disse ela à Gazeta do Povo.
Para Liana, o ato de não escrever com lápis ou caneta pode atrapalhar o desenvolvimento da criança. “O cérebro evolui de forma lógica. Quando um bebê nasce, ele não consegue comandar nada. Aos poucos, ele começa a sustentar a cabeça, os movimentos do pescoço e por aí vai. Se há um empobrecimento em alguma das etapas do desenvolvimento, podem haver consequências no futuro”.
A neurologista explica que ainda não dá para prever quais serão os efeitos da diminuição da escrita, já que a tecnologia é um fenômeno recente. No entanto, segundo ela, houve um aumento de crianças com deficit de atenção nos últimos anos. “Não podemos confirmar que isso tem a ver com a falta de redação, mas é uma hipótese”, pondera.
Uso de tablets
Apesar dos benefícios de escrever à mão, muitas escolas públicas e privadas estão adotando os tablets em sala de aula — não só na Finlândia, mas também no Brasil. É o caso do Colégio Positivo, de Curitiba, que desde 2013 utiliza a tecnologia nas turmas do ensino médio.
“Acompanhamos as notas e o desempenho dos alunos desde que implementamos o tablet e o notebook na escola. Em cinco anos, não identificamos nenhuma diferença que mostrasse que a tecnologia é prejudicial ou uma revolução. A performance dos alunos é muito semelhante à de anos atrás”, afirmou o diretor-geral do Colégio Positivo, Celso Hartmann.
E por que implementar o tablet? Para Hartmann, cada aluno deve ter a liberdade de escolher o método que mais se identifica. No colégio curitibano, os estudantes podem optar entre o tablet e o caderno — o diretor-geral garante que cerca de 80% preferem a escrita tradicional.
“Acredito que a tecnologia pode ser boa ou ruim, dependendo do perfil do aluno. O grande problema é que muitas crianças e adolescentes relacionam os eletrônicos com o entretenimento. Elas precisam entender que o aparelho também é uma ferramenta de trabalho”, afirma o diretor.
Tablets e livros como aliados
A neurologista Liana Lisboa Fernandez defende que livros e tablets não precisam ser inimigos: “a tecnologia é maravilhosa, mas ela não impede que escrevamos. É preciso estimular as duas coisas”, opina.
Mesclar leitura, escrita e aparelhos digitais é o objetivo do projeto Linguagem Digital, da Secretaria Municipal de Educação (Semed) de Manaus. Desde 2013, a capital amazonense elege 25 escolas por ano (da educação infantil ao EJA) para participarem da iniciativa que prevê a utilização de vários recursos em sala de aula, como tablets, computadores e celulares.
Recentemente, alguns estudantes da educação infantil elaboraram um vídeo de stop motion (técnica de animação que utiliza uma sequência de fotos) sobre o sapo-cururu. Para desenvolverem o filme, as crianças leram a história do sapo em livros didáticos tradicionais.
Depois, os estudantes de apenas 5 anos modelaram o cenário com massinha e tiraram diversas fotos usando o celular da professora. A trilha sonora do vídeo também foi cantada pelos próprios alunos.
Projeto Linguagem Digital na Educação Infantil. CMEI Antônio Anastácio Cavalcante
Publicado por Gerência de Tecnologia Educacional_Semed Manaus em Quarta-feira, 14 de junho de 2017
“Desde que implementamos o projeto, percebemos que as crianças ficaram muito mais motivadas a aprender. Não fazemos um trabalho de digitar só por digitar, há uma contextualização e motivação pela leitura e escrita em si”, explicou a gerente de tecnologia da Semed, Aldemira Câmara.
A resistência das escolas de caligrafia
Em tempos de teclados, ainda existem algumas escolas destinadas ao ensino de caligrafia no Brasil. É o caso da Escola de Franco, na capital de São Paulo, que recebe cerca de 150 alunos por ano interessados em melhorar a letra.
O professor Flávio José de Franco Júnior diz que os vestibulandos, estudantes em geral e os profissionais que precisam fazer relatórios à mão são alguns dos perfis comuns do colégio.
“Chega um ponto da vida em que as pessoas percebem que a letra ilegível pode atrapalhá-las. A escrita é uma forma de expressão. Ela sempre vai coexistir com a modernidade, não podemos de forma alguma deixá-la de lado”, diz o professor.
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