Crianças e adolescentes que refazem alguma série continuam com dificuldades de aprendizagem nos anos seguintes. A conclusão é de um levantamento feito pela organização Todos Pela Educação com base em dados da Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização (ou Prova ABC), aplicada a alunos do 4.º ano do ensino fundamental; e da Prova Brasil, que avalia estudantes do 5.º e do 9.º ano. Os dois exames são organizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
De acordo com a pesquisa, apenas 13% dos estudantes do 5.º ano que já haviam repetido alguma série apresentaram o desempenho esperado para aquela série nos conteúdos de Português e Matemática. Se considerados os repetentes do 9.º ano, só 10% tinham desempenho adequado em Português e 4%, em Matemática.
Esses resultados, acredita Priscila Cruz, diretora executiva do Todos Pela Educação, devem servir de alerta para o poder público. "Os gestores têm de perceber que a repetência não adianta e que é preciso fazer com que os alunos realmente aprendam para que os déficits de aprendizagem não se acumulem ao longo dos anos", afirma.
Para conseguir melhores resultados, a educadora alerta que os problemas de aprendizagem devem ser combatidos ainda durante a alfabetização. Pela avaliação dos alunos do 4.º ano do ensino fundamental, feita com o objetivo de analisar o desempenho dos que concluem o 3.º ano, já é perceptível a diferença de aprendizado entre os alunos que têm 8 ou 9 anos e os que estão defasados. Enquanto 57,9% dos alunos na idade correta atingiram o esperado para escrita, leitura e matemática, apenas 35,2% dos repetentes tiveram desempenho semelhante.
A psicóloga e professora da Universidade de São Paulo (USP) Edna Maria Maturano revela que, independentemente da opção pela retenção ou pela progressão continuada, os alunos com dificuldades, paralelamente ao recebimento de novos conteúdos, apresentarão melhores índices quando o ensino considerar as diferenças individuais e os alunos receberem atendimento personalizado. "As pesquisas mostram que a criança com dificuldades ou em defasagem precisa de uma carga horária maior de exposição dos conteúdos, com mediação de um adulto competente", afirma. Esse apoio, segundo Edna, precisa englobar o conteúdo e o aspecto emocional da criança, em um modelo de ensino que seja adaptado às suas necessidades pessoais.
Repetência
Por mais que o tema tenha sido alvo de críticas de especialistas em educação nos últimos anos, a reprovação ainda é ferramenta muito usada nas escolas brasileiras, especialmente nas públicas. O Brasil está em uma das primeiras posições entre os países que mais reprovam, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No ensino fundamental, ao menos 10% dos alunos repetem alguma série e, no ensino médio, esse índice sobe para 13%.
"Um aluno não passa a aprender pelo fato de fazer de novo o que já fez. Se o ensino for o mesmo, esse aluno não vai conseguir aprender, assim como já não pôde aprender no ano anterior", diz Priscila. Segundo a diretora, as lacunas de aprendizagem dos estudantes precisam ser diagnosticadas durante todo o ano e ter o suporte da escola para saná-las de diversas formas, que incluem o reforço escolar, aulas no contraturno, apoio de um professor auxiliar e conscientização e envolvimento dos pais na vida escolar do filho.