Uma instituição fundada no contexto de Segunda Guerra Mundial e guerra fria, para fomentar iniciativas no ambiente acadêmico, mas que parecem atender mais a interesses ideológicos do que a cumprir a missão para a qual foram oficialmente criadas. A descrição se presta tanto à União Nacional dos Estudantes (UNE) quanto à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
A primeira foi fundada em 1937, no Rio de Janeiro, durante a gestão de Getúlio Vargas, com apoio declarado do governo e o objetivo de apoiar as reivindicações dos estudantes universitários – e apenas por um curto período de tempo, nos anos 1950, não foi dominada por lideranças ligadas a partidos de extrema esquerda.
Já a SBPC é uma organização sem fins lucrativos que surgiu em 1948, em São Paulo, por obra de seis dezenas de pesquisadores que pretendiam incentivar o desenvolvimento da pesquisa no Brasil. Em 2019, a SBPC recebeu do governo federal, mais especificamente do Ministério da Ciência e Tecnologia, R$ 5,950 milhões. Em 2020, serão R$ 4,549 milhões. A entidade tem assento permanente no Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), órgão consultivo do governo federal, e mantém representantes oficiais em mais de 20 conselhos e comissões governamentais.
Críticas abertas
As manifestações de cunho político e ideológico vindas da SBPC são corriqueiras. Em julho de 2018, durante a 70ª reunião anual da entidade, o então ministro da educação, Rossieli Soares, havia sido convidado para participar da abertura do evento, mas foi agredido verbalmente com gritos de “golpista” e “Lula Livre”.
Em dezembro passado, a entidade entregou ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Antonio Dias Toffoli, um manifesto “em defesa da Democracia e da Constituição”: “Neste momento crítico da vida nacional, reafirmamos a necessidade imprescindível da democracia plena”, afirma o texto, em crítica direta ao governo atual.
Em fevereiro deste ano, outra nota, mais uma vez “em defesa da democracia”, que diz: “É essencial que a sociedade brasileira e todas as suas forças democráticas atuem firmemente em defesa da democracia e da garantia dos direitos individuais e sociais de todos os cidadãos brasileiros”.
Em outras ocasiões, o posicionamento da instituição é mais equilibrado. Quando o assunto é o regime militar, por exemplo, em seu site oficial, a SBPC informa que atuou na resistência contra a perseguição a “professores, pesquisadores e estudantes, e a interferências nos sistemas educacional e científico, que pudessem ferir a autonomia das universidades”. Mas lembra que “paradoxalmente, durante o governo militar foram criadas organizações que vieram a impulsionar o desenvolvimento científico e tecnológico, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa, 1972) e a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer, 1971)”.
O atual presidente é Ildeu de Castro Moreira, doutor em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor da instituição, tem no currículo uma série de iniciativas em prol da educação para a ciência no Brasil. É fundador do Partido dos Trabalhadores (PT) e, nas eleições de 2002, participou da formação do programa de governo do partido na área de ciência e tecnologia.
“A missão da SBPC é lutar pela ciência, pela tecnologia e pela educação, mas também entra no escopo da entidade a questão da cultura e dos direitos sociais”, afirma a vice-presidente da SBPC, a socióloga e professora da Universidade de Brasília (UnB) Fernanda Sobral. Com relação ao governo Bolsonaro, a SBPC se mantém crítica às ações da atual gestão à frente do Ministério da Educação. “Estamos nos posicionando o tempo todo em relação ao atual governo, que não está fazendo a defesa da ciência e da autonomia universitária”, alega.
Reuniões movimentadas
A SBPC representa 144 sociedades científicas associadas e mais de 5 mil sócios. Mantém publicações dedicadas ao tema, como o Jornal da Ciência e a revista Ciência e Cultura. Também atua junto ao Poder Legislativo. “Recentemente, conseguimos que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado alterasse a PEC dos Fundos Públicos, de forma a retirar da lista de fundos que poderiam ser extintos o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico”, afirma Fernanda Sobral.
Desde 1949, a instituição realiza eventos anuais, em que reúne estudantes, pesquisadores, professores e cientistas de todo o Brasil. O evento chega a congregar mais de 10 mil pessoas, que acompanham a palestras e exposições de ciências, para as quais estudantes e pesquisadores submetem seus trabalhos. Trata-se de uma grande feira de ciências, mas que também conta com manifestações politizadas.
Em julho do ano passado, por exemplo, durante o encontro anual, realizado pela primeira vez nas instalações da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, a liderança indígena guarani-kaiowá Clara Barbosa de Almeida se manifestou de forma dramática, durante uma mesa-redonda que abordava demarcações terras indígenas: “Não quero ser estátua. Não quero ser peça de museu”. Esta edição do encontro anual também foi marcada pela exposição “Da Cultura de Violência para a Cultura da Paz - Transformando o Espírito Humano” e pela palestra de David Ebershoff, autor do best-seller “A garota dinamarquesa”, que foi convidado para debater a cultura LGBTQ+.
O foco social está presente nas origens da instituição. Anos depois da criação da entidade, um de seus principais fundadores, José Reis, um dos mais influentes divulgadores da ciência no Brasil no século 20, explicou que o objetivo também era atuar junto aos cientistas nacionais no sentido de inserir “consciência social” no setor: “Quando a fundamos, Maurício Rocha e Silva, Paulo Sawaya, Gastão Rosenfeld e eu, discutimos muito essa questão e decidimos incluir entre as funções da SBPC a necessidade de criar ou difundir essa consciência social entre os cientistas brasileiros”.
Como afirma a professora Fernanda Sobral, “lutamos pela redemocratização na ditadura e somos atuantes na defesa da democracia e dos princípios constitucionais”.