Mais de 7 mil pessoas devem se reunir, virtualmente, até esta sexta-feira (29), para discutir os mais recentes achados científicos a respeito de uma área do conhecimento que divide grau de importância com a alfabetização: a aprendizagem da matemática.
A iniciativa parte de apenas um professor, Vitor Haase, do Departamento de Psicologia da Universidade de Minas Gerais (UFMG). Sem apoio da instituição, mas financiado pelo Instituto Genus, convidou amigos e especialistas da área para o encontro. Doze são internacionais e o evento é totalmente gratuito.
O encontro trata diferentes aspectos da cognição numérica. Há pelo menos 40 anos, pesquisadores se dedicam à investigação da aprendizagem da matemática, em busca de desvendar quais são os mecanismos neurocognitivos por trás desse conhecimento e, assim, procuram caminhos que facilitem a aprendizagem.
Fundamentados nessas descobertas, pesquisadores propõem-se a orientar políticas públicas que possam alcançar o "chão da escola" e, por consequência, mudar o desempenho atual do país. Os resultados brasileiros no Pisa, por exemplo, revelam que adolescentes, muitas vezes, não são capazes de solucionar questões simples de matemática. Pesquisas indicam, além disso, que o desempenho dos indivíduos em matemática é um fator que está diretamente relacionado ao desenvolvimento econômico dos países.
"Pais têm uma preocupação muito grande para que as crianças aprendam a ler, mas não existe uma preocupação semelhante em relação à matemática", afirma Haase. "Existe, muitas vezes, uma crença difundida de que saber matemática é uma coisa complicada, que ninguém aprende mesmo, de qualquer maneira".
A chamada "ansiedade matemática" é um dos principais fatores envolvidos no mau desempenho dos alunos nessa área de conhecimento. "Isso pode ser passado de pais para filhos e de professores para alunos. É a situação na qual há uma predisposição para pensar a matemática como algo negativo, por conta de uma pressão, trauma, ensino mal feito. O aluno tende a achar que é difícil, que não dá conta mesmo, fica ansioso e deixa de aprender".
A "velha" história: má formação de professores
Os indicadores do desenvolvimento matemático dos alunos, assim como na alfabetização, acabam nos conduzindo quase sempre ao mesmo ponto: à insuficiência de formação registrada nas faculdades de pedagogia do país.
"Seria importante que essa área de cognição numérica tivesse penetração maior na educação. Percebo uma demanda muito grande de professores e psicopedagogos por neurociência e neuropsicologia", afirma Haase. "Quando damos curso de especialização, 50% do publico é da área da educação. Aparentemente, os professores percebem que têm falha em sua formação e tentam correr atrás do prejuízo, procurar alternativas".
Quanto à alfabetização, o país já mostrou que a academia brasileira nega achados científicos há pelo menos duas décadas. A formação acadêmica oferecida aos professores reflete diretamente no desempenho dos alunos da educação básica. E o diagnóstico não é diferente em relação à matemática.
"No mundo inteiro, dados mostram que professores se sentem capazes para alfabetizar, mas não para ensinar matemática. Quando fazemos testes com alunos de pedagogia, percebemos essa dificuldade", diz o professor. "A ansiedade matemática é extremamente frequente em professores, justamente porque não recebem essa formação adequada".
Segundo Haase, há uma corrente que deriva de Jean Piaget (assim como na alfabetização, entenda) que foca, exclusivamente, na necessidade de se aprender o raciocínio quantitativo na matemática.
"Para eles, é preciso aprender do ponto de vista quantitativo o que o problema matemático significa. Mas esquecem do outro lado, enfatizado na educação tradicional, que é a aprendizagem da aritmética", afirma. "As duas coisas devem andar juntas, são necessárias, não adianta nada aprender aritmética sem entender o significado quantitativo".
Conabe
Haase foi um dos participantes ativos da 1ª Conferência Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências (Conabe), realizada no último ano, e foi responsável pela elaboração de um dos estudos a compor um importante relatório científico.
Segundo o calendário do Ministério da Educação (MEC), o documento seria publicado em abril deste ano. Quando questionado sobre o fato, em março, a pasta afirmou que "iria sair", mas que não era a prioridade, no momento.
Os documentos se mostram importantes à medida em que devem dar subsídios para a elaboração e implementação de políticas públicas educacionais no país.
Universidades
"O fato de as universidades estarem, literalmente, paradas, é uma das minhas frustrações", afirma o professor. No início da pandemia no país, o MEC autorizou, por meio de portaria, o ensino remoto em todos os níveis da educação no país. Disponibilizou, além disso, uma plataforma à toda a rede federal para que pudesse ministrar aulas online. Das 69, apenas 6 aderiram.
"Acho que as universidades pensaram que pandemia ia ser uma marolinha, iriam interromper aula por 3 semanas, e depois voltavam. Mas agora ficou por isso", diz. "Eu acho uma pouca vergonha que a universidade não tenha feito nada, oficialmente".
Haase foi um dos únicos professores que, por conta própria, continuou a ministrar aulas remotamente. A universidade, porém, não reconheceu a legitimidade das aulas e afirmou que não valeriam como crédito para o currículo escolar dos alunos. O professor optou continuar com as aulas como curso livre para os alunos que quisessem o acompanhar. Pelo menos 40 continuam a assistir o conteúdo.