A tentativa de transformar o ensino médio público em tempo integral divide as opiniões de especialistas e alunos. Ninguém se entende sobre o tema até agora. De um lado, educadores afirmam que os governos, tanto federal como dos estados, não terão dinheiro para fazer a mudança com qualidade. De outro, especialistas mostram dados estatísticos do quanto a educação está ruim e como ela pode ficar melhor se o projeto de aumentar a carga horária for levado a sério. Em um terceiro grupo, alunos do ensino médio que trabalham temem não conseguir ir para a escola caso a educação de tempo integral seja replicada à exaustão nos quatro pontos do país. Na verdade, todos têm razão.
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257 mil vagas
O Ministério da Educação publicou, nesta terça-feira, 11, no Diário Oficial da União (DOU), a portaria que institui o Programa de Ensino Integral no País. Ao todo, 572 escolas serão contempladas. No total, são previstas 257.400 vagas no país a partir de 2018, 3,2% do total de matrículas no ensino médio, que foi de 8 milhões em 2015.
Reforma do ensino médio: entenda
Pesquisa realizada com escolas de ensino médio de quatro estados mostrou que, com exceção dos 335 colégios de Pernambuco, a implantação do tempo integral criou desigualdade social: quanto maior o número de matrículas em tempo integral, maior a concentração de alunos de famílias de nível socioeconômico mais elevado nas escolas públicas melhores. “Nesses três estados, São Paulo, Ceará e Goiás, as escolas de tempo integral tenderam a expelir os alunos de nível econômico mais baixo”, explicou Antônio Augusto Gomes Batista, coordenador de Desenvolvimento de Pesquisas do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária).
O segredo do sucesso de Pernambuco, de não só manter os alunos mais pobres, mas integrá-los ao ensino de sete horas, com uma evasão menor que 0,5%, é o projeto dessas escolas e o apoio que eles recebem. “As escolas de Pernambuco são extremamente acadêmicas, têm as 13 disciplinas, mas incluem também outras iniciativas como empreendedorismo, projeto de vida, etc. Os alunos estão envolvidos, sentem-se membros de uma escola de excelência, o que gera um efeito positivo no aprendizado e no ajuste das suas próprias condutas”, afirma o pesquisador.
“Hoje, 80% dos alunos de ensino médio estudam de manhã ou à tarde e não trabalham e, por isso, poderiam ser beneficiados pela educação integral caso ela de fato fosse de qualidade e os ajudasse no seu projeto de vida”
Já nos estados como São Paulo, Ceará e Goiás, além de agregar alunos de nível socioeconômico mais elevado, as escolas de tempo integral tenderam a reunir um corpo docente mais qualificado, com mestrado e doutorado, porque as condições de trabalho são melhores. “O Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] dessas escolas melhora porque elas começam a trabalhar com mais recursos, não só financeiros, mas humanos, com professores mais bem formados, mais motivados, que só trabalham naquela instituição, além de alunos com melhor capital cultural, com pai e mãe com escolaridade mais alta”, diz o pesquisador. “As escolas de tempo parcial do entorno, por outro lado, acabam com uma qualidade pior de ensino, por reunirem os alunos com mais dificuldade e professores menos capacitados”.
Qualidade e inclusão
Ainda que a educação integral tenha obtido resultados diferentes, dependendo de como foi adotada, especialistas acreditam que não se deve desistir de tentar manter os jovens mais tempo em sala de aula, contando para isso, se for preciso, com políticas públicas de apoio para os alunos mais pobres.
“Hoje, 80% dos alunos de ensino médio estudam de manhã ou à tarde e não trabalham e, por isso, poderiam ser beneficiados pela educação integral caso ela de fato fosse de qualidade e os ajudasse no seu projeto de vida”, afirma Júlio Furtado, mestre e doutor, consultor do setor de educação no Rio de Janeiro. “A grande questão não é a quantidade de horas na escola e sim a qualidade desse tempo”, explica.
Para a pesquisadora Camila de Moraes, consultora da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o ensino integral pode ser uma oportunidade para dar suporte a alunos com dificuldades de aprendizagem, na medida em que passam mais tempo com os professores ou trabalhando em grupo. A atenção, nesse processo, segundo ela, é ter estrutura necessária para fazer a mudança não só física e financeira, mas também de recursos humanos. “A qualidade dos professores é provavelmente o fator mais importante para o aprendizado e desenvolvimento dos alunos”, ressalta.
Alunos que trabalham temem mudança
A proposta do governo federal de transformar aos poucos as escolas de ensino médio em instituições de educação integral não é bem vista por alunos que precisam trabalhar para complementar a renda familiar. “Eu ajudo financeiramente em casa, se tivesse de estudar sete horas, ia ser bastante difícil”, afirma Rhayane Fernanda Moreira Borges, 16 anos, que tem dois empregos e é aluna do segundo ano do ensino médio noturno no Colégio Estadual Professor Lysímaco Ferreira da Costa, em Curitiba.
Para ela e outros colegas na mesma situação, ajudaria mais se o governo aumentasse as horas de aula no final do ensino fundamental, do 6º ao 9º ano. “Os alunos chegam ao primeiro ano do ensino médio despreparados, sem saber matérias de sexto ou sétimo ano. Se o governo quer mesmo melhorar o ensino, deveria apostar mais nessa fase do ensino fundamental, eles poderiam ficar mais tempo na escola”, acredita José Roberto Ortiz Damasceno, 16, também estudante do Lysímaco.
A possibilidade, porém, de escolher algumas matérias para dedicar mais tempo, sem deixar de ter disciplinas como Filosofia e Sociologia, não é vista com maus olhos. “Se eu pudesse estudar mais as matérias da carreira que quero seguir, estudando menos outras que não vou usar, melhor. Mas sem aumentar a carga horária, porque, para mim, o trabalho é onde a gente aprende coisas que a escola nunca vai ensinar”, frisa outro estudante do colégio, Gustavo Henrique dos Anjos Pereira, também de 16 anos.
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