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Graças à lentidão do governo Bolsonaro, que nunca priorizou de verdade a regulamentação do homeschooling no Congresso – embora adore colocar o tema em listas de prioridades para animar seus seguidores - a vida das famílias que praticam educação domiciliar no Brasil está prestes ficar bem pior. A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados aprovou na última quarta-feira (01/12) um projeto de lei que estabelece a Política Nacional de Busca Ativa que, em resumo, autoriza agentes públicos a irem até a casa de pais e mães cujos filhos não vão à escola, a fim de convencê-los sobre os danos sofridos pelas crianças com essa ausência, ao mesmo tempo em que alertam esses pais e mães das infrações legais que estão cometendo ao não garantir frequência de seus filhos às aulas.
É claro que, à primeira vista, grande parte do movimento pelo homeschooling viu esse projeto como ditatorial e tirânico, sendo mais uma tentativa do Estado de arrancar nossos filhos de casa para doutriná-los com imoralidades e ideologia marxista. Acontece que o mundo real não é tão simplista, nem as pessoas que defendem e elaboraram essa política são os demônios maquiavélicos pintados por teóricos da conspiração. Não são. Mesmo assim, se a busca ativa virar lei antes da regulamentação federal da educação domiciliar, a perseguição a quem educa em casa vai crescer, sem sombra de dúvida.
O foco da busca ativa são as crianças socialmente mais vulneráveis, que não recebem nenhuma educação formal em casa, pararam de frequentar a escola quando essas ficaram fechadas por meses, devido à pandemia, e não voltaram quando as aulas presenciais foram retomadas. Qualquer um que conhece as periferias do país sabe o que acontece com meninos e meninas ociosos, na rua, especialmente em comunidades que convivem com tráfico de drogas, prostituição e altos índices de violência. Seríamos uma sociedade bastante desumana se simplesmente abandonássemos esses pequenos ao seu destino.
No entanto, exatamente como ocorre com muitas outras boas ideias, o problema está na execução. Alguém acha mesmo que todos os servidores públicos responsáveis por essas visitas às residências, com uma enorme lista de demandas a cumprir, vão dedicar tempo e energias para investigar, analisar e julgar a situação concreta de cada lar no qual entram? É claro que não! Vão simplesmente perguntar se as crianças da casa estão matriculadas, se vão à escola, e se alguém disser que não, será punido nos ditames da lei.
Assim, pais que adotam homeschooling em casa, fazendo inúmeros sacrifícios para oferecer uma educação melhor do que aquela que seus filhos receberiam numa escola, serão igualados aos negligentes, realmente dignos da acusação de abandono intelectual. Hoje isso já acontece, mas é preciso que haja denúncia para receber uma visita. O que a lei de busca ativa fará aos pais da educação domiciliar é lhes dar a certeza de que a hora em que serão denunciados e terão problemas na Justiça chegará. Mais do que nunca, será só questão de tempo.
Como evitar esse problema? Aprovando a regulamentação do homeschooling antes. O cerne de todos os problemas daqueles que adotam a modalidade no Brasil é o fato de que sem lei a educação domiciliar não existe perante o Estado, e por mais que seu filho de 9 anos educado em casa fale três idiomas, leia mais do que um universitário médio e resolva problemas matemáticos que dão pesadelos a muitos professores, não importa. Segundo a legislação brasileira, o nome dado à situação na qual uma criança acima de 4 anos não está matriculada numa escola, nem frequenta suas aulas, é evasão escolar.
Desde o julgamento sobre homeschooling ocorrido no STF, em 2018, todo o restante do contexto e a realidade concreta de cada família será ignorada e a sentença final dos processados será, invariavelmente, matricular a criança numa escola e garantir sua frequência às aulas. É ridículo, desprovido de razoabilidade e vai prejudicar a criança que tem uma educação de excelência dentro de casa, mas é real.
O problema, portanto, não está na futura lei de busca ativa – que ainda precisa passar por duas comissões antes de seguir para o Senado -, mas sim na falta de regulamentação do homeschooling, que, por sua vez, é consequência de um governo que não prioriza o que chama de prioridade e é incapaz de realizar o que promete, ao menos quando isso depende de articulação política no Congresso Nacional.
Jônatas Dias Lima é jornalista, presidente da Associação de Famílias Educadoras do Distrito Federal (Fameduc-DF) e autor do livro Homeschooling no Brasil: fatos, dados e mitos. E-mail: jonatasdl@live.com.