A Lei 9.870/99 impede as escolas de qualquer ação mais contundente contra devedores, o que deixa algumas pessoas bastante confortáveis. E não falamos aqui de quem atravessa situações pontuais difíceis, mas de pessoas que não pagam, pedem transferência e seguem adiante, numa prática "em cascata" uma escola atrás da outra, ano após ano.
A questão da criação de um cadastro de inadimplentes para uso das escolas merece algumas considerações.
Se as instituições de ensino não devem ser consideradas empresas como outras quaisquer, deveriam receber vantagens fiscais que permitissem equacionar melhor a questão "como administrar um caixa com 30% da receita prevista, pagando 30% de impostos e 60% com a despesa fixa de salários?"
Há, certamente, instituições escolares que criam suas "hipotecas de alto risco", como as subprimes do começo da crise econômica atual. Aceitam, gananciosamente, contratos de alto risco, gerando carteiras insolventes. Se a média nacional de inadimplência é de 35%, segundo a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, elas têm índices superiores e devem administrar situações extremamente adversas: vão "quebrar", pois não terão subsídios governamentais, como os bancos.
No entanto, há outras escolas que trabalham com bom senso, mas vêem crescer a dificuldade de administrar seus devedores. Elas bancam a sua estrutura e devem receber o previsto em seus contratos legalmente constituídos. Para cobrar, não contam com a legislação, como deve ser. As leis defendem as crianças e jovens que não podem ser prejudicados. A Lei 9.870/99 impede as escolas de qualquer ação mais contundente contra devedores, o que deixa algumas pessoas bastante confortáveis. E não falamos aqui de quem atravessa situações pontuais difíceis, mas de pessoas que não pagam, pedem transferência e seguem adiante, numa prática "em cascata" uma escola atrás da outra, ano após ano. Nesses casos de má-fé é preciso contar com um apoio eficaz.
Qual o pensamento sensato, portanto, por trás da criação de um cadastro de devedores das escolas, a exemplo de outros tantos que já existem? E cabe aqui uma observação: no comércio varejista os índices de inadimplência oscilam entre 5% e 7%, chegando a 10%. É um Deus nos acuda! Se as escolas estão sujeitas a regras (deveres) de funcionamento, precisam ter seus direitos assegurados. Entretanto, as escolas, como todos os cidadãos e instituições, devem agir dentro da lei. Escolas que não agem dentro da lei devem ser fechadas; devedores que agem fora das leis devem ser punidos. Como?
Nada é mais importante para a humanidade do que pensar; mas nós não somos bons pensadores ainda. Ainda escravizamos pessoas, destruímos o nosso ambiente, morremos em guerras inventadas por governantes que deveriam nos servir e ainda sabemos ser amorais. Contra tudo isso bastaria o bom senso apreciar e julgar com ponderação e inteligência. Como também bastaria para apostadores dos mercados de ações, para banqueiros de Wall Street e para cobradores e devedores. Mas em matérias econômicas ainda pouco sabemos. Qual o limite do sistema criado pelo homem para suprir tanta fome de consumo? Mal somos capazes de distinguir criatura de criador: o pânico é o responsável pelo descontrole do sistema ou o caos econômico é que gera o pânico? Economistas ainda discutem causas e conseqüências desta crise, estudando os fatos e a necessidade de repensar regras diante deste novo fracasso sistêmico o que os analistas chamam de "reinventar o capitalismo".
Cada um deve fazer o seu papel professores, ensinar/educar; diretores, dirigir; administradores, administrar; banqueiros, ganhar dinheiro; legisladores e juristas, legislar e julgar; cidadãos, honrar seus compromissos. Se há uma crise e, como sempre, ela é essencialmente moral, é preciso garantir que a má-fé dos gananciosos não se espalhe. Se banqueiros ao redor do mundo não pagam suas dívidas, não podemos permitir que este seja o espelho!
*Emília Guimarães Hardy é diretora da Escola Palmares, graduada em Psicologia e pós-graduada nas áreas pedagógica e administrativa (Currículo e Prática Educativa / PECRJ; Administração Escolar /UFRJ e Administração e Marketing/ FGV).