Imersos em novos ambientes e estímulos, o comportamento das crianças de hoje é diferente da geração de seus pais ou avós. Para Katherine Reynolds Lewis, autora do livro The Good News About Bad Behavior (“As boas notícias sobre o mau comportamento”, em tradução livre e ainda sem edição no Brasil), essa diferença configura uma crise comportamental: crianças têm dificuldade de autocontrole, o que pode levar a problemas emocionais e comportamentais, afetando seu desempenho escolar e até mesmo a forma como se relacionam com a sociedade.
Mas é possível fazer desta situação um ponto de partida para uma mudança positiva. Em entrevista à Gazeta do Povo, Katherine descreve o perfil dos jovens desta geração, o papel dos pais e as alterações na sociedade que levaram à crise comportamental. Confira.
Em “The Good News About Bad Behavior” você aborda uma crise comportamental nas crianças de hoje. Como o comportamento delas é diferente das gerações anteriores?
As crianças de hoje têm dificuldades para gerenciar comportamento, pensamentos e emoções. Elas podem responder os adultos, se recusarem a cooperar ou parecerem desorganizadas, incapazes de gerenciar seus pertences.
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Nos nossos lares e escolas, parece que temos crianças desobedientes e caóticas que podem ter ansiedade, depressão, déficit de atenção e problemas de abuso de substâncias.
Na verdade, uma em cada duas crianças terão distúrbio emocional ou comportamental antes dos 18 anos, de acordo com estudo dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA.
Como essa mudança aconteceu? Até onde os pais são responsáveis?
É difícil provar o que causou essa crise, pois não podemos colocar um grupo amostral de crianças em uma máquina do tempo e fazer elas serem criadas de forma diferente em outro período da história; podem haver alguns fatores ambientais que não conhecemos e que estão causando mudanças nos cérebros das crianças.
Mas há três grandes mudanças em nossa sociedade que estão relacionadas a problemas de autocontrole: declínio nas brincadeiras de criança, que é como os pequenos sempre aprenderam a se controlar, cooperar, resolver problemas e gerenciar equipes; aumento das tecnologias pessoais e redes sociais, que estão relacionados com distração, problemas de atenção, ansiedade e depressão; e falta de trabalhos para as crianças – elas não têm tarefas domésticas ou trabalhos de meio período que lhes proporcionem uma forma de contribuir com suas famílias e comunidades.
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Em vez disso, a infância se resume a desempenho e sucesso, com crianças pressionadas excessivamente na escola, nos esportes, nas artes e em outras áreas. Sucesso é ótimo, mas deve ser equilibrado com contribuição e serviço.
Qual a responsabilidade dos pais nesta situação?
Não gosto de culpar os pais porque todos estamos apenas respondendo às mudanças na sociedade. Os pais se preocupam que os filhos se machuquem, então restringem as brincadeiras e os mantêm em vista o tempo todo. Os pais temem que os filhos percam oportunidades, então focam em desempenho e sucesso, em vez de tarefas e serviços comunitários.
Mas se os pais são parte do problema, também são parte da solução: eles têm o poder de apoiar a saúde mental e comportamental dos filhos e combater essas tendências prejudiciais na nossa sociedade e, sobretudo, na sua relação com a escola.
Se os pais são parte da origem desses novos padrões, como sua criação influenciou as condições atuais?
Muitos pais de hoje foram criados com pais distantes e rígidos, então eles querem estar próximos e conectados aos filhos. Eles acreditam que as crianças devem ser felizes sempre. Mas pode ser uma prova de amor estabelecer um limite e mantê-lo, ou deixar as crianças ficarem desconfortáveis, se for por causa de escolhas que a criança fez.
É assim que muitas vezes as crianças aprendem a tomar decisões diferentes no futuro, mas os pais frequentemente resgatam os filhos dessa oportunidade de aprendizagem resolvendo o problema para eles.
Quais são as consequência disso para a vida adulta dessa geração?
Ansiedade, depressão, déficit de atenção e abuso de substâncias podem causar problemas para a vida toda, depois que as crianças crescerem. O único lado positivo é que alguns desses problemas trazem junto com eles mais criatividade, independência e autonomia, o que pode ser ótimo. Mas precisamos dar às nossas crianças ferramentas para gerenciar todas essas questões.
O que pais podem fazer para mudar um comportamento ruim?
Para escrever o meu livro, passei cinco anos observando os programas de disciplina mais eficazes nos EUA e estudando o que faz eles funcionarem. Destaquei três elementos que todos os programas têm em comum, que chamo de 3 C’s: conexão entre criança e adulto, comunicação sobre o problema e foco em construir a capacidade da criança, as suas habilidades socioemocionais e de vida.
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Os pais devem se conectar com os filhos através de empatia e compartilhar os interesses das crianças. Então, eles podem comunicar o problema com o mau comportamento da criança e instruir como ela pode corrigi-lo para que as coisas sejam agradáveis para todo mundo.
Por fim, eles precisam incentivar a criança a se tornar mais capaz, pouco a pouco, tanto ensinando quando deixando-a enfrentar obstáculos para que ela possa aprender por meio de experiência.
E, claro, como eles passam maior parte do tempo na escola, é fundamental sua participação durante todo esse processo.
Fora de casa, na escola e em outros espaços, o que pode ser feito para cultivar nas crianças um senso de autocontrole?
Esses mesmos três elementos funcionam na escola e na comunidade. Se partimos de um ponto de conexão com a criança, ela será muito mais propensa a cooperar. Além disso, quanto mais pudermos incorporar jogos e brincadeiras nas tarefas que queremos que a criança faça, mais ela se sentirá motivada a colaborar.