O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar, nesta quinta-feira (1º de outubro) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5599, ajuizada em setembro de 2016 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) contra medida provisória do ex-presidente Michel Temer, de 2016, que trata da reforma do ensino médio. O relator da ação é o ministro Edson Fachin.
A medida provisória em questão altera a lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e a lei 11.494/2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Publicada em 22 de setembro de 2016, a MP foi convertida na lei 13.415 – sancionada por Temer em fevereiro de 2017 após quase cinco meses de debates e protestos, inclusive com a ocupação de escolas em diversos estados. Durante o processo legislativo, o texto recebeu 568 emendas de deputados e senadores.
O que o PSOL alega
Na ação, o PSOL alega que a MP 746 possui inconstitucionalidade formal e material. Do ponto de vista formal, a sigla afirma que o pressuposto de urgência, que consta no artigo 62 da Constituição Federal como requisito para a criação de uma medida provisória, é inexistente. Em outras palavras, defende que a reforma do ensino médio não deveria ter sido iniciada por uma medida provisória, que decorre do poder Executivo, e sim pelo processo legislativo normal, uma vez que não haveria a urgência declarada.
“Dispor por medida provisória sobre tema tão complexo, que claramente não reclama urgência, é temerário e pouco democrático, por impor prazo extremamente exíguo para debate que já está ocorrendo nos meios educacionais e, sobretudo, no Congresso Nacional”, destaca um trecho da ação.
Quanto à inconstitucionalidade material, o partido afirma que a medida “desrespeita o amplo acesso à educação, a cidadania enquanto fórmula para a igualdade cívica e, sobretudo, dificulta a redução das desigualdades ao promover verdadeiro retrocesso social”.
O entendimento é de que a reforma do ensino médio aumentaria a desigualdade, uma vez que as escolas públicas não seriam capazes de oferecer todas as possibilidades curriculares autorizadas pelo novo formato, enquanto alunos matriculados em escolas particulares teriam acesso a conteúdos mais variados.
A ADI também alega que alunos que estudam no período noturno não teriam acesso ao aumento da carga horária, o que impediria esses alunos de acessarem os mesmos conteúdos que alunos de outros períodos.
Outros pontos criticados no documento relacionam-se aos professores de “notório saber”, isto é, profissionais de outras áreas, sem diploma de licenciatura, que passam a ter permissão para lecionar em disciplinas técnicas e profissionalizantes do currículo; e à obrigatoriedade do ensino de língua inglesa, com o ensino de outros idiomas sendo facultativo.
Manifestação da PGR
Em 19 de dezembro de 2016, o então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, emitiu um parecer favorável à ação ajuizada pelo PSOL.
Janot endossou a avaliação de que o pressuposto de urgência não se encaixa ao conteúdo da matéria e declarou que uma medida provisória, “por seu próprio rito abreviado, não é instrumento adequado para reformas estruturais em políticas públicas, menos ainda em esfera crucial para o desenvolvimento do País, como é a educação”. Na ocasião, o ex-Procurador-Geral da República concluiu que a MP 746 seria inconstitucional.
Ação, que havia sido extinta pelo STF, foi reconsiderada
A ação ajuizada pelo PSOL chegou a ser extinta no STF, tendo em vista a ausência de continuidade normativa entre a MP 746/2016 e a lei 13.415/2017, uma vez que a medida original havia sido substancialmente modificada pelo Congresso durante o processo legislativo até sua conversão em lei.
Mas, posteriormente, o ministro Edson Fachin reconsiderou a decisão pela extinção e determinou o seu prosseguimento entendendo que a norma ainda deveria ser analisada de acordo com a alegação de ausência de urgência.
“O próprio ministro Fachin, em sua decisão que extinguiu a ação, destacou que foram apresentadas 568 emendas parlamentares ao texto original, resultando assim a Lei 13.415/2017”, explica o advogado Willer Tomaz, do escritório Willer Tomaz Advogados Associados. “Ou seja, a matéria foi amplamente debatida, incrementada, modificada, e finalmente aprovada no âmbito do Poder Legislativo, o que, por si só, torna irrelevante a exigência de urgência como critério de validade da norma primitiva do Poder Executivo”, avalia.
Tomaz explica que uma eventual declaração de inconstitucionalidade da MP 746, por parte do STF, levaria à invalidade integral do novo regramento. “Isso, por si só, causa insegurança jurídica e, caso venha a ser exitosa a ação, a declaração de inconstitucionalidade poderá desencadear efeitos negativos sobre o sistema de ensino, em especial nos estados e municípios que já avançaram na implementação da nova organização curricular”, observa.
Principais pontos da reforma do ensino médio
A reforma do ensino médio prevê o aumento da carga horária de forma paulatina, até implementar o tempo integral - previsto, a princípio, para 2022. Além disso, define que 60% do currículo das escolas deve seguir a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O conteúdo dos outros 40% foi flexibilizado para que os estudantes façam aprofundamentos em uma ou mais áreas, chamadas de itinerários formativos. Estão previstas cinco áreas específicas: Linguagens; Ciência da Natureza; Ciências Humanas e Sociais; Matemática e Formação Técnica.
Alguns pontos mais polêmicos da reforma, como tornar as disciplinas de Artes, Educação Física, Sociologia e Filosofia não obrigatórias, foram retirados da proposta.
No início de agosto, o estado de São Paulo anunciou a homologação do novo currículo para o ensino médio, tornando-se o primeiro estado a colocar em prática as alterações previstas na lei de reforma do ensino médio – a previsão é de que o novo sistema seja implementado progressivamente, iniciando pela 1º série em 2021.
Além de São Paulo, pelo menos mais 16 estados também devem implementar novo currículo do ensino médio a partir do próximo ano. De acordo com a lei 13.415/2017, todos os estados deverão implementar o novo formato até o início das aulas em 2022.
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