O Supremo Tribunal Federal começou nesta quarta-feira a analisar uma ação que pode limitar o formato do ensino religioso nas escolas públicas de todo o país. O voto do relator, Luís Roberto Barroso, atendeu o pedido da Procuradoria-Geral da República e defendeu a restrição do ensino religioso ao aspecto não-confessional (não vinculado a qualquer religião específica).
“Vejo esse problema como uma discussão fora de época entre Iluminismo e pré-Iluminismo”, disse o ministro, ao iniciar seu voto. Por cerca de uma hora, Barroso expôs seus argumentos em favor de uma concepção limitada do ensino religioso, que não aceite nem a modalidade confessional nem a interconfessional (com a presença de representantes de várias religiões). A única opção aceitável, disse ele, são as aulas em um contexto secular.
O artigo 210 da Constituição prevê o ensino religioso nas escolas públicas, no horário regular das aulas, mas sem obrigatoriedade de presença para os alunos. Por isso, o ensino de religião não pode ser banido por decisão do Supremo. A discussão no STF envolve apenas os critérios para essas aulas.
“A simples presença do ensino religioso em escolas públicas já constitui uma exceção, feita pela Constituição, à laicidade do Estado. Por isso mesmo a exceção não pode receber uma interpretação ampliativa para permitir que o ensino religioso seja vinculado a uma específica religião”, disse Barroso, ao defender o ponto de vista da PGR.
O ministro defendeu também que a matrícula seja “efetivamente facultativa” – ou seja: sem registro automático dos alunos na disciplina. Ele propôs ainda que os alunos que não optem pelo ensino religioso tenham a possibilidade de realizar outras atividades no mesmo horário.
Ao fim, Barroso resumiu sua tese da seguinte forma: “O ensino religioso ministrado em escolas públicas deve ser ministrado de maneira efetivamente facultativa e ter caráter não confessional, vedada a admissão de professores na qualidade de representantes das religiões para ministrá-lo”.
PGR
A Procuradoria-Geral da República, autora do pedido que está em análise no STF, alega que a presença do ensino confessional fere o Estado laico.
“A escola pública não é lugar para o ensino confessional, e também para o interconfessional ou ecumênico, pois este, ainda que não voltada à promoção de uma confissão específica, tem como propósito inculcar nos alunos princípios e valores religiosos partilhados pela maioria com prejuízo de visões ateístas, agnósticas ou de religiões com menor poder na esfera sociopolítica”, disse o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na sessão desta quarta.
Governo discorda
Representando o governo e o Congresso, a advogada-geral da União, Grace Maria Mendonça, adotou uma posição contrária à da PGR. Ela argumentou que a ação da PGR visava tolher o ensino da religião como um todo. Ela enfatizou que as aulas são facultativas. “O Estado não pode tornar obrigatória qualquer religião, e isso não se discute. Porém, o Estado tem o dever de oferecer um ambiente favorável a que essa liberdade se desenvolva”, argumentou.
O advogado da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Fernando Neves, também pediu a rejeição da ação da PGR. Ele fez um paralelo com a assistência religiosa assegurada pela Constituição nos presídios e hospitais: “Assistência religiosa é dada por um psicólogo ateu? É isso que se quer garantir àquele que está preso, àquele que está doente?”, indagou.
O STF retomará a discussão sobre o ensino religioso na sessão desta quinta-feira.