“Decisão da ministra Cármen Lúcia privilegiou o direito à livre manifestação”, declarou o coordenador do Escola Sem Partido, Miguel Nagib.| Foto: Henry MilleoGazeta do Povo

A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), negou neste sábado pedidos de liminar feitos pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e Advocacia-Geral da União (AGU) para restabelecer os critérios de correção da redação do Enem. As regras originais previam nota zero para textos que “desrespeitassem os direitos humanos”, mas o trecho foi derrubado em outubro pelo Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF1), a pedido do movimento Escola sem Partido.

CARREGANDO :)

Na ação pública ajuizada pelo movimento, o Escola Sem Partido alegava que a regra para a nota zero na redação do Enem teria “caráter de policiamento ideológico” ao ser muito vaga, sem elencar atitudes específicas que pudessem levar à declassificação do estudante, como o racismo, a xenofobia ou a discriminação por orientação sexual. 

Assim, por exemplo, uma redação que defendesse a proibição do aborto poderia ser encarada por determinado examinador como contrária a um suposto direito da gestante, e render uma nota zero.

Publicidade

A PGR havia argumentado que a suspensão da aplicação de item do edital a uma semana da prova “gera insegurança, com prejuízo aos participantes que se prepararam para o exame”. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ressaltou que a previsão de anular redações que desrespeitem direitos humanos consta nos editais das provas do Enem 2013, não sendo, portanto, regra nova.

“Toda a preparação dos participantes do Enem 2017 foi realizada com base nas regras contidas no edital do certame, dentre as quais a necessidade de respeito aos direitos humanos prevista no item 14.9.4. do edital”, ressaltou Raquel. Para a AGU, a decisão do TRF-1 interferiu “indevidamente” na atividade da administração federal, mais precisamente no critério de correção do Enem, “em evidente ofensa ao princípio constitucional da separação dos poderes”.

Repercussão  

“A decisão da ministra Cármen Lúcia privilegiou o direito à livre manifestação, que no fim também é um direito humano”, comemorou Miguel Nagib, coordenador nacional do Escola sem Partido, em entrevista à Gazeta do Povo após a divulgação da decisão judicial. 

Para ele, o Inep, ao estabelecer os critérios para a correção das redações do Enem, exige não o respeito aos direitos humanos, mas ao politicamente correto. “Isso é claro nas orientações que professores de escolas e cursinhos dão aos estudantes. O que se criou foi um filtro ideológico de acesso ao ensino superior”, afirmou o advogado. 

Publicidade

Nagib reconhece a possibilidade de que os estudantes acabem expressando ideias contrárias à dignidade humana, mas considera que este é um risco que se deve correr para salvaguardar o direito do estudante a manifestar outras opiniões que porventura destoem do conceito particular de “direitos humanos” adotado pelo corretor ou pelo Inep. 

 O coordenador do Escola Sem Partido tem, agora, outra preocupação: que os corretores efetivamente abandonem os critérios ideológicos no momento de corrigir as redações. 

“O estudante não poderá levar zero, mas é possível que, diante de uma ideia da qual discorde, o corretor dê uma nota intencionalmente baixa que acabe com suas chances de conseguir uma vaga em uma boa faculdade”, disse, acrescentando que, neste momento, é impossível saber como impedir que isso ocorra. 

“Se um corretor agir assim, certamente se trata de uma ilegalidade e de um abuso de poder, mas ainda não sabemos como o Judiciário poderá ajudar um candidato que levou uma nota baixa na redação e que bata à porta dos tribunais”, afirmou.

Decisão

Publicidade

Ao rejeitar os pedidos da AGU e da PGR, Cármen manteve na prática a decisão da Quinta Turma do TRF-1. "O cumprimento da Constituição da República impõe, em sua base mesma, pleno respeito aos direitos humanos, contrariados pelo racismo, pelo preconceito, pela intolerância, dentre outras práticas inaceitáveis numa democracia e firmemente adversas ao sistema jurídico vigente. Mas não se combate a intolerância social com maior intolerância estatal. Sensibiliza-se para os direitos humanos com maior solidariedade até com os erros pouco humanos, não com mordaça", escreveu em sua decisão.  

"O que se aspira é o eco dos direitos humanos garantidos, não o silêncio de direitos emudecidos. Não se garantem direitos fundamentais eliminando-se alguns deles para se impedir possa alguém insurgir-se pela palavra contra o que a outro parece instigação ou injúria. Há meios e modos para se questionar, administrativa ou judicialmente, eventuais excessos. E são estas formas e estes instrumentos que asseguram a compatibilidade dos direitos fundamentais e a convivência pacífica e harmoniosa dos cidadãos de uma República", concluiu a presidente do STF.

Ato é reação à tentativa de remover título de patrono da educação dado ao educador. #GazetadoPovo

Publicado por Gazeta do Povo em Segunda, 23 de outubro de 2017

MEC

Publicidade

Apesar da decisão judicial que proíbe a nota zero a candidatos do Enem que desrespeitarem os direitos humanos, o Ministério da Educação recomendou aos alunos que respeitem a norma. Em entrevista coletiva concedida na última terça-feira, o ministro da Educação, Mendonça Filho, aconselhou que a regra seja levada em consideração pelos candidatos. 

De acordo com Mendonça, embora a atribuição de nota zero esteja suspensa, nada impede que os alunos percam pontos na correção por causa do desrespeito aos direitos humanos – justamente a preocupação manifestada por Miguel Nagib. Em 2016, 4.804 redações do Enem receberam nota zero por desrespeito aos direitos humanos; o tema daquela edição foi “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”.

“Como recomendação geral aos estudantes do Brasil, nós dizemos que se deve respeitar aquilo que está posto no edital. A questão dos direitos humanos creio que é básica e fundamental", disse o ministro. A redação do Enem acontece no primeiro dia do exame, neste domingo, dia 4.