| Foto: Arquivo Gazeta do Povo
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Apesar da autorização do Ministério da Educação (MEC) de que as aulas nas universidades federais possam ser dadas a distância, muitas universidades suspenderam as atividades alegando falta de meios, tanto dos professores quanto dos alunos, para seguir em plataformas virtuais. O cenário não é diferente nas universidades estaduais onde muitas, com poucas exceções (como a USP), mesmo com permissão de continuar, fecharam as portas sine die, à espera do fim da pandemia. O quadro traz à tona, novamente, a discussão sobre inclusão digital e os limites da educação a distância (EaD).

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Desde outubro de 2016, é permitido que 20% da carga horária de qualquer curso superior (nas instituições públicas e particulares) seja dada a distância. Em dezembro do ano passado, pela portaria do MEC de número 2.117, esse percentual foi aumentado para 40% nas universidades federais, com exceção do curso de Medicina. Com a pandemia do coronavírus, o MEC autorizou, em 17 de março, que todas as aulas nas universidades federais fossem dadas a distância, em um período de 30 dias.

Mesmo assim, poucas universidades federais oferecem aulas online. Além dos argumentos de que uma parcela importante dos alunos não teria acesso à internet ou aos equipamentos necessários para desenvolver as atividades realizadas presencialmente, muitos professores também não estão preparados para isso. Em algumas instituições, como a UFRGS, há treinamento online para os professores desde 2010; apesar disso, poucos são os que continuaram com as aulas online.

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São Paulo e Rio

A Universidade de São Paulo (USP) foi uma das poucas que optou por não suspender as aulas. Em uma circular oficial, o reitor afirmou, no dia 17 de março, que a universidade espera formar cerca de 15 mil profissionais neste ano e que as aulas online não trazem nenhum risco para a saúde dos alunos, professores e funcionários.

Para os alunos com maior vulnerabilidade social, a USP divulgou, em 7 de abril, que está distribuindo chips de celular ou modem portátil por USB. Os equipamentos funcionarão pelos próximos seis meses para os alunos das residências estudantis e para aqueles que se cadastrarem no site até o dia 10 de abril.

O Sudeste é a região do Brasil com maior acesso à internet, com 73% dos domicílios com acesso à rede, e 91% deles com pelo menos um computador em casa, segundo o Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic) 2018.

Grande parte dos alunos da USP tem seguido as aulas, muitos deles acreditando que é a melhor opção para o momento. “Eu estou gostando. Tenho um pouco de dificuldade de acompanhar a aula enquanto ela está acontecendo. O que eu faço é, às vezes, só prestar atenção no que o professor fala e não anotar nada. Daí eu posso assistir à aula de novo e ir pausando o vídeo para fazer anotações”, conta Inês Santos, aluna da Escola Politécnica. Segundo a estudante, alguns professores já comentaram que a presença da turma, em alguns casos, é maior que na aula presencial. A única dificuldade que ela pontua é a falta do quadro para o professor escrever durante as aulas, o que o deixa preso aos slides.

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Outros estudantes gostariam que as férias de julho tivessem sido antecipadas. “Por mais horrível que seja, eles podiam pegar três semanas das férias de julho. Deixa a gente descansar mentalmente e usa estas três semanas para pensar como vão dar aula, como vão ter didática”, afirma outro aluno da Politécnica, Thiago Gonçalves. Segundo ele, em uma pandemia, a preocupação dos alunos vai muito além da universidade e todos precisam de um tempo para se organizar.

Caso diferente é o da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A instituição também não suspendeu todas as atividades letivas do calendário, mas enfrenta dificuldades na adaptação para o EaD, principalmente na graduação. A professora Marie Macadar conta que para cursos de pós-graduação, incluindo mestrado e doutorado, houve muito apoio dos alunos e do pessoal do suporte para que o semestre não parasse. Nos cursos de graduação, porém, “o perfil é super heterogêneo”, o que impossibilita a decisão de manter as aulas. "Muitos alunos não teriam condições de acompanhar o EaD e geraria uma discriminação." Em algumas áreas e comunidades da cidade, segundo a professora, as próprias empresas de internet têm resistência em entrar.

Distrito Federal

No Distrito Federal, a Universidade de Brasília (UnB) tomou a decisão de suspender o calendário acadêmico em uma reunião do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, sem consultar os alunos. Já a Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS), outra instituição pública de ensino de Brasília, fez uma enquete antes da decisão, em que 80% dos estudantes se disseram favoráveis ao ensino a distância (EaD), como alternativa para não perderem o semestre. Dos 436 que responderam à enquete, 434 disseram ter acesso à internet.

Os alunos da ESCS já tiveram aulas teste de educação a distância (EaD) e responderam a uma pesquisa de satisfação, a qual mostrou que 94% consideram a qualidade da plataforma suficiente para as atividades EaD. Os alunos irão iniciar as atividades nesta segunda-feira (13).

No Centro-Oeste, a média de residências com acesso à internet, incluindo zona rural e urbana é de 64%.

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Norte e Nordeste

Das regiões brasileiras, o Nordeste é a que mais tem dificuldade para implantar um plano EaD, já que, de acordo com o Cetic 2018, apenas 57% da população têm acesso à internet - índice mais baixo do país. Ainda assim, a Universidade Federal do Ceará (UFC) optou por deixar a escolha para alunos e professores, porém, sem um plano preparado para o ensino a distância.

Quando ocorreu a paralisação das atividades presenciais, a orientação foi que as aulas continuassem online, como relata a professora Mônica Abreu. Ela conta, porém, que o anúncio foi feito de surpresa, sem um tempo para o preparo dos professores. “No dia 16 eu dei aula presencial e, no dia 17, eu tinha que estar com a aula pronta para o virtual”, relembra a professora.

A segunda resolução da universidade flexibilizou as opções, permitindo que professores e alunos decidissem a respeito das aulas online. A grande preocupação dos professores é a falta de um plano por parte da universidade de como juntar as disciplinas que foram para o EaD com as que não foram. “Pelo menos a greve é mais organizada. Todo mundo para junto e volta junto”, brinca a professora.

No estado vizinho, a professora Anatália Saraiva Martins Ramos estava com o cronograma pronto para começar a dar aulas online para alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), mas foi surpreendida com a suspensão das aulas. Uma enquete realizada por ela no ambiente virtual da universidade, mostrou que todos os alunos que responderam queriam aulas online.

“Não tem como a gente voltar atrás em tecnologia. Para os professores que ainda não estavam preparados, a universidade tinha que buscar uma medida institucional para prepará-los para esta nova realidade.”

Anatália Ramos, professora UFRN
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A professora se colocou à disposição para ajudar outros professores. Ela acredita que a universidade deveria buscar parcerias para um plano de inclusão digital, já outras paralisações podem ocorrer por causa da pandemia.

Na Região Norte, a Universidade Federal de Roraima (UFRR) também suspendeu as aulas depois de uma tentativa de EaD. A professora Gioconda Martinez conta que a universidade não estava preparada para o ensino a distância. “Para algumas disciplinas, não ia ser viável, de início, sem nenhum preparo anterior, um curso online”, explica a professora. Ela cita o exemplo de um vídeo que gravou e ficou muito pesado. Além disso, diz que sem uma ferramenta que permita interação simultânea, ficaria muito difícil para os alunos entenderem matérias de cálculo, por exemplo.

“O aluno iria parar em um ponto da aula com aquela dúvida, a não ser que tivesse um canal de dúvidas online”. Apesar das dificuldades, e de achar que a curto prazo a solução não é viável, a professora acredita que com mais tempo e preparo será possível implantar um sistema de EaD na instituição.

Muitos alunos, como Iasmin Castro, da Universidade Federal do Acre (UFAC), que está na reta final do curso de Psicologia, tentam não perder o ritmo das atividades, adiantando alguns trabalhos que terão que fazer na volta às aulas. “Meus professores costumam enviar um cronograma ao início do semestre com as indicações de leitura. Estou seguindo esses cronogramas, fazendo as leituras e os trabalhos que são possíveis.”

Para a estudante, o EaD não é viável. Ela conta que a possibilidade na universidade não foi considerada, já que muitos alunos não têm acesso a computador e internet em casa.

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Segundo o Cetic 2018, 63% dos domicílios da Região Norte têm acesso à internet.

Região Sul

Na UFRGS, em que a decisão por dar ou não aulas ficou por conta de professores e escolas, são poucos os que seguem com as aulas no formato EaD. Um dos professores que decidiram dar aulas online foi Wendy Haddad Carraro, do departamento de Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais.

Para ela, a universidade tem um papel fundamental de guiar os alunos durante uma crise. Em suas aulas, que estão acontecendo em plataformas digitais, Wendy Carraro traz as consequências do coronavírus para debates, fazendo com que os alunos busquem soluções que possam ajudar empresas.

Ela conta que uma das aulas online ao vivo 62 dos 66 alunos da turma estavam conectados. Os poucos que não conseguiram acompanhar na hora da transmissão podem assistir depois, já que a aula fica gravada. “Quando estou dando aula presencial e um aluno me manda um e-mail falando que não pode ir por um problema de saúde, eu suspendo a aula para todo mundo ou recupero com este aluno depois?”, questiona a professora, que já tem o plano de refazer as aulas presencialmente para os alunos que eventualmente não consigam acompanhar online.

A UFRGS oferece cursos de EaD gratuitos para os professores. Wendy Carraro já acompanhava esses cursos e utilizava o EaD em suas aulas desde 2010. Na avaliação da professora, as aulas são importantes para manter uma rotina, algo que está sendo defendido por psicólogos, como uma forma de manter a saúde mental durante a crise.

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A professora Raquel Janissek-Muniz, do departamento de Ciências Administrativas da UFRGS, está com as aulas suspensas, mas envolveu os alunos que tinham condições e disponibilidade em um projeto que ajuda empresas a passar pelo momento de crise.

“Eu sei que uma parcela dos alunos está mais preocupada em sobreviver, mas acho que as próprias disciplinas podem ser adaptadas e trazer discussões de soluções para problemas que os alunos estão passando”, explica Raquel.

A UFRGS também tem plataformas online e otimizadas para o acesso pelo celular, o que torna as aulas mais inclusivas.

“Hoje em dia é muito difícil um aluno que não tenha um celular”, comenta a professora.

Já na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), as aulas foram suspensas após uma pesquisa com os alunos. O problema, neste caso, não foi dificuldade de acesso. A pesquisa mostrou que mais de 90% deles têm internet em casa e 93% estavam acessando as atividades propostas pelos professores para o período de suspensão de aulas presenciais a partir de seu computador, tablet ou telefone celular. Mas 53% dos alunos avaliaram que as aulas EaD não estavam sendo produtivas, o que fez a universidade optar pela suspensão do ensino a distância.

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A Região Sul é a segunda do país com mais acesso à internet, segundo o Cetic, com 69% das casas conectadas, incluindo a zona rural e a urbana. Ainda de acordo com o Cetic, 73% das residências na região têm pelo menos um notebook. Ainda assim, houve alunos com dificuldade de acesso.

Julia Silveira, presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UTFPR Curitiba, diz que não conseguiu realizar as atividades propostas na modalidade EaD por ter acesso à internet apenas pelo celular. Mas ela reconhece que, pelo fato de a universidade ser muito grande, é inviável fazer uma análise com todos os alunos para saber quem poderia fazer aulas online. “Este é um momento de a gente pensar na coletividade e não na individualidade. Todo mundo entende que é difícil você atrasar a sua graduação. Agora, nós temos a prioridade de cuidar de todo mundo, do coletivo. Teve gente que foi demitida do emprego e ainda precisa pagar as contas. Tem gente que daqui a pouco vai ter dificuldade para se alimentar”, destaca Júlia.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]