Quando as autoridades educacionais suspendem os alunos, a ideia é manter um ambiente seguro e impedir a violência e outros comportamentos problemáticos nos ambientes escolares.
Mas quando entrevistei trinta crianças do sudeste de Michigan que foram suspensas das aulas, descobri que as suspensões talvez tenham o efeito contrário.
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Isso acontece porque os alunos usam as suspensões estrategicamente para ganhar o respeito entre os outros colegas e construir uma imagem de “durão”. Fiz essa descoberta como parte da minha pesquisa sobre como alunos negros e seus pais enxergam a disciplina escolar, as medidas de segurança nas escolas e a polícia.
Para entrevistar os alunos, consegui permissão dos pais deles e analisei os registros disciplinares dos estudantes. Todos os alunos com os quais conversei eram negros. Só falei com trinta alunos porque, depois de um tempo, os mesmos temas começavam a emergir. Também entrevistei trinta pais.
O que alunos e pais me disseram tem implicações não apenas para pedagogos, pais e legisladores, e sim para milhões de estudantes que são suspensos nos Estados Unidos todos os anos. As implicações são ainda mais sérias para os negros, que representam 31% de todas as ocorrências policiais e prisões no ano escolar de 2015-2016, apesar de eles representarem apenas 15% da população estudantil.
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Popularidade
Entrevista após entrevista, os alunos me disseram que serem suspensos da escola não os impediria de brigarem no futuro.
Uma menina do 9º ano, por exemplo, que foi suspensa da escola cinco vezes por se envolver em brigas, disse que a suspensão “aumentava a probabilidade” de ela brigar novamente porque a suspensão leva as demais alunas a desafiarem-na.
“Se você me provocar ou me pressionar, vou acabar brigando com você. Eu disse isso para minha mãe e ela falou: ‘Se você brigar... OK... só me avise’”, contou a aluna.
Uma menina do ensino médio que foi suspensa da escola mais de trinta vezes me disse que a suspensão fez com que ela fosse vista como “mais durona e popular”, e a ajudou a fazer amizade com outras alunas.
“Elas dizem coisas do tipo ‘vamos ser amigas porque sei que você vai me apoiar em todas as situações’”, explicou a menina. “Se elas não acharem que você é durona, vão perseguir você”.
Outro garoto que foi suspenso 12 vezes também me disse que sua popularidade “explodiu” depois que foi retirado à força da escola.
“As pessoas gostam de ser suspensas”, disse o menino. “Você faz algo de errado e, quando volta, os outros dizem ‘ah, você voltou, cara? O que houve?’. Todo mundo quer conversar com você”.
Em minhas entrevistas com os pais, descobri que eles geralmente aconselham os filhos e filhas a não fugirem de brigas.
“A fantasia é que acreditamos que vamos receber só um soquinho fraco e vamos nos afastar e contar o que aconteceu às autoridades e elas resolverão o problema”, disse o pai de uma menina do décimo ano que foi suspensa quinze vezes. “A realidade é que você ou vai apanhar até desmaiar ou vai apanhar e continuar apanhando. Você só se afasta depois que alguém foi derrotado”.
Código das ruas
Então, o que estaria por trás do raciocínio dos alunos que veem a suspensão como uma forma de serem respeitados, por assim dizer? Em busca de dicas e respostas a essa pergunta, recorri ao “Code of the Street” [O código das ruas], do sociólogo Elijah Anderson. Quis entender como as normas sociais descobertas por Anderson e que estão inseridas na cultura das ruas podem influenciar a violência nas escolas.
As respostas que obtive dos alunos mostram como o código das ruas que Anderson descreve em seu livro não deixam de agir depois que os alunos entram pela porta da instituição. Ao contrário, as normais sociais que estão inscritas na cultura das ruas criam um código que regula a violência nas escolas públicas de ensino médio.
O autor descobriu que respeito é algo difícil de se conseguir e fácil de se perder nas ruas, então as pessoas que vivem de acordo com esse código acreditam que ele deve ser conquistado o tempo todo. Alguns dos alunos no meu grupo de estudo foram suspensos trinta vezes por se envolverem constantemente em brigas, o que sugere que a mesma dinâmica estava em ação quando eles tentarem exibir valentia e manter o respeito.
Escolhas difíceis
Isso representa um dilema sério para pedagogos e legisladores que têm o dever de manter um ambiente escolar seguro. Por um lado, todo diretor de escola precisa de um castigo razoável para desencorajar a violência e dar prioridade à segurança dos alunos. Por outro lado, minhas descobertas mostram que suspensões, na verdade, aumentam a violência física no ambiente escolar e criam um sistema de competição pela popularidade baseado na valentia e no respeito conquistado.
Levando em conta o uso disseminado das suspensões nas escolas norte-americanas, esse dilema não pode ser ignorado. O relatório mais recente do Setor de Direitos Civis do Departamento de Educação dos Estados Unidos mostra que aproximadamente 2,7 milhões de alunos foram suspensos ao longo do ano escolar de 2015-2016. À luz do que os alunos suspensos me disseram, é de se perguntar se essas milhões de suspensões não foram, na verdade, causadas por outras suspensões.
Recentemente, a Secretária de Educação dos Estados Unidos, Betsy DeVos, decidiu revogar uma diretriz da era Obama que aconselhava escolas a resolver o problema da disparidade racial na disciplina escolar. O argumento dela é o de que cabe às escolas decidirem como aplicar a disciplina. Mas há sinais de que crianças negras são suspensas a uma taxa desproporcionalmente maior do que seus colegas brancos.
Necessidade de alternativas
Minhas descobertas também mostram a necessidade de uma revisão completa das consequências associadas à suspensão escolar. Pesquisas anteriores já mostravam os efeitos adversos associados à suspensão, como o mau desempenho acadêmico, evasão escolar e encarceramento futuro.
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Mas o que os líderes educacionais e legisladores farão se as suspensões são tão problemáticas? Como as pesquisas mostram que os conflitos geralmente surgem no bairro e são levados para o ambiente escolar, acho que seria inteligente por parte dos líderes escolares pensar em criar parcerias com organizações de prevenção à violência como a Cure Violence e a CeaseFire. Tais organizações geralmente são muito eficientes em identificar a fonte do conflito e em intervir antes de uma altercação violenta. As parcerias com essas organizações ajudariam a identificar os conflitos que ainda estão sendo gestados nas ruas – e poderiam detê-los antes que eles chegassem às escolas.
Os educadores também podem melhorar a cultura escolar se envolverem os alunos na criação das diretrizes disciplinais das escolas, recompensarem alunos por atitudes positivas e dessem orientação na resolução de conflitos.
Independentemente da medida preventiva ou da solução, é importante incluir os alunos como fiz no meu estudo. Simplesmente não há como entender completamente a raiz da violência escolar e como realmente impedi-la se os alunos forem excluídos da discussão.
*Charles Bell é professor-assistente na Illinois State University. Ele recebe financiamento da American Society of Criminology.
Tradução: Paulo Polzonof Jr.