Implantar uma política educacional disruptiva e inovadora, que leve tecnologia digital a todos os alunos e que melhore a competitividade da nação. Esse é tema de debate de evento virtual do Tribunal de Contas da União (TCU) nesta quinta-feira (3) e sexta-feira (4).
"Precisamos ser modernos e evolutivos", afirmou o ministro do TCU João Augusto Nardes, responsável pelo evento. Ele questionou o MEC sobre alinhamento à tecnologia e planos para levar conectividade às redes de ensino. Lembrou, além disso, que essa demanda não depende apenas da Educação, mas de articulação com outras pastas como o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTIC).
"Tem que haver liderança do ministro. Temos que ter planejamento estratégico", disse, em referência a Ribeiro. "Como transformar a competitividade do Brasil através da educação? Vejo dificuldades de articulação. Tenho visto que cada titular trabalha na sua pasta e os ministros não conversam entre si. A transversalidade é muito importante".
"Não vejo outra forma de melhorarmos a competitividade da nação sem dar conexão à população. Não podemos perder tempo", afirmou Nardes.
A preocupação é válida. Especialistas, porém, alertam para o perigo de se acreditar nas chamadas TICs - Tecnologias da Informação e Comunicação - como panaceia na Educação. A própria Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em relatório de 2015 intitulado Students, Computers and Learning: Making the Connection não apenas questiona o valor das TICs como indutor de desempenho acadêmico dos alunos, mas chega a responsabilizar as ferramentas pelo baixo desempenho dos estudantes obtidos em testes como o Pisa.
No documento, a organização relaciona os baixos resultados no exame de países como Emirados Árabes Unidos, Chile, Brasil e Colômbia ao número de horas de exposição dos alunos às TICs. Questionado sobre o assunto em questão, Nardes afirmou à reportagem que um novo cenário deve ser estudado, já que a "inovação é vista agora com uma necessidade", diferentemente de 2015, quando foi realizado o estudo da OCDE.
"A falta ou dificuldade de acesso ao ensino remoto por diversos alunos da rede pública de educação em virtude da precária estrutura tecnológica do sistema educacional brasileiro é um problema público que se agravou com a necessidade de isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19, exigindo dos governos, escolas, alunos, professores e pais uma rápida adaptação à realidade de ensino remoto", diz ele. "Necessário, portanto, que o Estado atue de maneira ágil e eficaz para implementar a estratégia digital, fundamental para garantir o acesso à educação de qualidade e prevenir, assim, o agravamento das desigualdades sociais já existentes".
"A adaptação às rápidas transformações que vem ocorrendo exige do Estado muito mais do que o desenvolvimento de infraestrutura capaz de levar tecnologia às escolas. São necessárias práticas pedagógicas orientadas para a inovação, com utilização de tecnologia na rotina pedagógica e consequente necessidade de alfabetização digital, mudança de padrões culturais para uma mentalidade digital e oferta de conteúdos de qualidade".
João Augusto Nardes, ministro do TCU.
Tablet e livro didático digital
Questionado sobre o que o MEC está fazendo para conectar escolas à internet durante a pandemia, Milton Ribeiro, ministro da Educação, afirmou que "logo chegaremos ao ideal de ter 100% das escolas públicas, nos mais diferentes lugares, conectadas", disse. Informações da Secretaria de Educação Básica (Seb) dão conta de que, das mais de 184 mil escolas de educação básica do país, apenas 124 mil possuem acesso à internet, contempladas pelo programa Educação Conectada. Contudo, apesar da conexão, o Ministério não falou em disponibilidade de computadores, smartphones ou tablets nas instituições de ensino.
Ribeiro também comentou sobre a possibilidade de distribuir tablets para alunos da rede pública de ensino e digitalizar livros didáticos. O MEC estuda, para um "futuro próximo", um possível projeto-piloto por meio do qual a pasta poderia fornecer a ferramenta para algumas instituições.
"O MEC gasta R$ 300 milhões com a logística do envio de livros didáticos. Imagine se pudéssemos colocar tablets nas mãos dos alunos em um futuro médio? Isso iria possibilitar, além do benefício para o meio ambiente, atualizarmos os livros e os dados que serão colocados no dispositivo. Isso seria muito bom, e é um tema que conversa de maneira muito direta com o meio ambiente e possibilita economia".
Milton Ribeiro, ministro da Educação.
"Nós, naturalmente, estamos fazendo de tudo para que a conexão possa chegar, de fato, à escola. E depois chegar a cada um. Porém, temos 46 milhões de alunos, a proporção é muito grande e temos dificuldades", afirmou o ministro. "[Se distribuirmos tablets para alunos] teremos dificuldades de administrar isso. Como o aluno vai guardar o aparelho? O grande receio são os assaltos". Sem dar maiores detalhes, a pasta, na figura do ministro, diz ter sido procurada por empresas para possíveis parcerias para oferecer "plataformas tecnológicas" aos estudantes.
Apesar do louvor às ferramentas digitais, Ribeiro reconhece que não se trata de panaceia. O uso das chamadas TICs na educação, segundo muitos especialistas e estudos, é, em regra, ineficaz para melhorar habilidades básicas para o sucesso acadêmico, como a capacidade de ler, escrever, calcular etc.
"Mesmo quando celebramos a tecnologia, é preciso ressaltar que o professor é fundamental. Embora todas as tecnologias sejam importantes, a marca e o impacto da pessoa do professor é insubstituível. Temos que trabalhar de maneira paralela isso", disse Ribeiro. "Só a tecnologia é ineficiente por ela mesma".
O titular da pasta insiste na necessidade de se investir no que chama de alicerces da Educação, isto é, os primeiros anos de aprendizagem, em especial no período de alfabetização dos alunos.
"Uma das táticas que podemos abraçar é começar pelo começo de maneira cartesiana. Vamos iniciar no alicerce. Nossos filhos não estão sendo alfabetizados como deveriam ser. Não adianta nada falarmos em tecnologia se o aluno, ao usar a tecnologia, substitui cedilha por S", disse ele. "Primeiro, precisamos dar as crianças condição mínima, mas é claro que não vou fechar os olhos para a tecnologia".
Universidades
Estratégias para integrar universidades e o mercado de trabalho também foi tema de debate durante o fórum. Ao ser questionado sobre o assunto, o ministro da Educação diz que essa é uma das grandes preocupações da pasta. "É preciso que universidades respondam às perguntas que a sociedade faz, e não apenas par ao meio acadêmico", afirma.
Desde que assumiu o cargo, Ribeiro não citou, em nenhuma manifestação pública, o projeto Future-se, da gestão Weintraub. Parado no Congresso, a iniciativa visa promover o empreendedorismo, a internacionalização e o estímulo à pesquisa através de parcerias com a iniciativa privada. Para alguns interlocutores, a posição combativa de Weintraub e a tentativa de impor a iniciativa às universidades "queimaram pontes". As instituições de ensino, em sua maioria, alegam tentativa de intervenção na chamada autonomia universitária, mas não citam que o projeto é de adesão voluntária. Instituições como o ITA, por exemplo, manifestaram interesse no Future-se.
"Estamos muito cuidados", disse Ribeiro, "trazendo empresas e tecnologias para universidades, a fim de que possam ser usadas pela universidade e pelos alunos. Isso está sendo feito, sobretudo em institutos, nosso braço de ação mais direta com o mercado".
Além da resistência da academia, o ordenamento jurídico e algumas leis são citadas pelo titular da pasta como entraves para possíveis parcerias entre universidades e a iniciativa privada. Para ele, é preciso "modernizar a legislação para que os oriundos da universidade, bem-sucedidos, possam voltar para lá com propostas".
O cerco da academia a iniciativas externas, além da falta de investimento em pesquisas são tidos como indutores da chamada "fuga de cérebros". Em outros conteúdos nesta Gazeta do Povo, comentamos sobre a experiência de profissionais cujo entendimento é o de que "fazer ciência no país é inviável". "Precisamos de estratégias para evitar a perda de talentos para outros países", apontou Nardes.
Marcos Pontes, ministro da Ciência e Tecnologia, afirma que é preciso dar subsídio e permitir que "jovens talentosos" tenham personalização para desenvolver seus talentos de forma mais fortes e, assim, contribuam com o país. "Certamente, assim conseguiremos segurar esses talentos no Brasil", disse.
Em 2019, Carlos Alberto Decotelli, o então presidente do FNDE, e que chegou a assumir, por alguns dias, a chefia do MEC, deu aval para uma compra de mais de R$ 3 bilhões do FNDE que teve ao menos 355 inconsistências apontadas pela CGU. Tratava-se das TICs. Entre as compras realizadas com o recurso, o caso que mais chamou a atenção dos auditores foi a aquisição de mais de 30 mil laptops educacionais para uma escola do interior de Minas que tem apenas 255 alunos - seriam "117,76 laptops por aluno", segundo o relatório da CGU
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