De todos os livros publicados no Brasil, apenas 5% têm um formato acessível para cegos. A estimativa, da Fundação Dorina Nowill, dá indícios das dificuldades enfrentadas por pessoas com deficiência visual no acesso à educação. As chamadas tecnologias assistivas podem ajudar. Mas elas dependem da boa vontade de escolas, editores, desenvolvedores de site e da comunidade em geral.
É o caso dos leitores de tela. Os softwares que descrevem em voz alta o que é exibido pelo computador abrem o caminho para pessoas com deficiência visual entrarem no mundo virtual, mas eles costumam esbarrar, primeiro, no preço – o mais popular deles custa em torno e US$ 900 (cerca de R$ 3,5 mil) e versões gratuitas, como o NVDA, estão longe de ser unanimidade em termos de qualidade– e, segundo, na necessidade de as páginas serem bem programadas.
Exemplo: no caso do envio de uma mensagem numa página da internet, se quem programou o site cadastrou as opções “enviar” e “apagar” como “botão 1” e “botão 2”, respectivamente, o usuário cego não terá como saber qual é qual porque o software não os identificará. São cuidados pequenos na hora da programação que criam um abismo entre a tecnologia ser ou não inclusiva.
Pior: enquanto sites e programas mais antigos se adaptam para incorporar pedidos de usuários cegos de dois anos atrás, os produtos novos não têm o mesmo cuidado, conta o sociólogo Fernando Botelho. “Eu observei que era sempre o primeiro. Primeiro cego a me formar na universidade de Georgetown [nos EUA], primeiro a trabalhar com comércio exterior na ONU. E não é porque os outros cegos não tinham talento, mas porque havia uma grande falta de tecnologia que desse acesso”, conta Fernando.
Ele é fundador da F123, que produz tecnológicas assistivas de baixo custo para pessoas cegas. A ideia surgiu em 2006, após pesquisa que constatou que o preço dos computadores domésticos tinha caído 80% em dez anos. No mesmo período, o leitor de tela mais popular ficou 20% mais caro. A experiência rendeu a Botelho um convite para palestrar no primeiro TEDx Educação do sul do país, conferência que reúne especialistas globais e locais para debater inovação e soluções em educação, em Curitiba, no dia 5 de março.
A empresa desenvolveu o F123 Visual, um sistema operacional completo voltado para usuários que não enxergam ou têm baixa visão. O sistema pode ser carregado em pen drive ou instalado no computador, de forma gratuita. Após um ano, a assinatura da a assistência técnica,de cursos gratuitos e atualizações automáticos custa R$ 262. A empresa ainda oferta o F123 Acess, que ajusta automaticamente a programação de alguns sites para torná-los mais acessíveis.
Trajetória
A evolução das tecnologias assistivas para pessoas com deficiência visual coincide com a trajetória escolar de Luiz Vanderlei Rodrigues (foto). Sua primeira experiência foi com os óculos maldosamente apelidados de “fundo de garrafa”, quando ainda tinha baixa visão; aos 15 anos, ficou cego e aprendeu Braille em dois dias. Teve que largar os estudos porque a escola não tinha estrutura para lidar com um aluno que não enxergasse.
Longe da sala de aula, passava horas e horas ouvindo audiolivros emprestados da Seção de Braille da Biblioteca Pública do Paraná (BPP). Quando Luiz terminou o ensino médio, uma década depois, já usava computador com leitor de tela, o que facilitou em muito sua vida. Hoje, aprendeu a dominar códigos de informática. Aos 41 anos, terminou sua pós-graduação em Administração para o 3.º setor durante a produção desta reportagem.