Quando o governo estipulou em 2012 a idade de 8 anos como prazo máximo para que as crianças aprendessem a ler e a escrever, surgiu uma avalanche de críticas de quem não entendia por que demorar tanto – já que aos 5 ou 6 anos uma criança tem condições para isso. Em defesa do governo, surgiram também vozes que lembraram que, em um país de analfabetos – de acordo com o IBGE, 13 milhões de brasileiros acima de 15 anos não sabem ler e escrever –, tentar alfabetizar até os 8 anos já é uma façanha a se conquistar.
Mas em paralelo à preocupação com crianças de origem vulnerável, surgiram outras discussões sobre os traumas que os pequenos poderiam ter se fossem alfabetizados muito cedo, principalmente a partir de métodos antiquados, sem respeitar suas fases de desenvolvimento.
Em resposta a essas questões, especialistas afirmam que como a alfabetização é um processo que necessita de várias etapas prévias até emergir é melhor que ele comece o quanto antes. Uma comparação imperfeita é a de alguém que tenta subir na barra-fixa e não consegue, tenta um dia após o outro, um treinamento que parece inútil, mas que, na realidade, está fortalecendo os músculos do braço até suportarem o peso do corpo e o elevarem do solo. A alfabetização é assim: os estímulos dados na família desde criança, de forma lúdica e adaptada às diferentes idades, preparam o cérebro para ‘descobrir’ em um determinado momento a ler e a escrever.
Do contrário, se a criança tem o primeiro contato com a leitura e a escrita apenas com 6 anos na escola e ao lado da professora, terá perdido um tempo precioso para aprender no futuro sem traumas. “Em um mundo em que a escrita está presente em todos os ambientes, quem não a domina logo tem uma restrição”, diz Sérgio Leite, professor da Faculdade de Educação da Unicamp. “Agora, não vamos ensinar com cartilha, em um processo maçante; a criança precisa ter contato com a linguagem escrita desde cedo, ouvindo ou brincando, também com lápis e papéis, em situações lúdicas”.
Nos primeiros anos, o melhor contato com a linguagem está nos livros infantis, lidos em voz alta pelos pais. Diferentemente da chamada “contação de histórias”, em que se utiliza uma linguagem coloquial, a leitura de um livro faz com que a criança se acostume com a forma escrita, diversa da falada. “Aos poucos ela vai ter isso gravado na memória e poderá escrever com mais facilidade no futuro”, explica Verônica Branco, professora do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Paraná.
A leitura para a criança deve ser feita em um clima agradável – em geral, os pequenos estão felizes de estar com os pais – e, caso a história escolhida não agrade, é fácil pular para outra. “Se ela não for obrigada, se não significar estar de castigo, nenhuma criança vai ter trauma em contato pelos livros, pelo contrário, terá uma lembrança positiva desses momentos”, reforma Verônica Branco.
O papel da afetividade
Estudos realizados na Unicamp com situações em classe entre professores e alunos confirmaram que a escolha das práticas pedagógicas e a forma como elas são trabalhadas produzem fortes impactos afetivos nos alunos. E esse aflorar da afetividade, que poderia ser resumido como a repercussão subjetiva das experiências vividas – a realidade aparece como ‘amiga’, ‘inimiga’, ‘ dolorosa’, ‘prazerosa’ –, tem grande influência no desenvolvimento das habilidades cognitivas.
“Nas ações humanas, o componente afetivo sempre acompanha o cognitivo, o dualismo não se verifica na prática”, explica o professor Sérgio Leite, responsável pelas pesquisas realizadas no Grupo do Afeto na Unicamp.
No caso da aprendizagem, em que existe um mediador entre o sujeito e o objeto – o aluno e o conteúdo a ser ensinado –, as relações afetivas entre quem aprende e quem ensina influenciam na inteligência. “Se as situações de aprendizagem suscitam afetos positivos, a criança aprenderá com mais facilidade. Mas o inverso também é verdadeiro, se pesa a punição ela pode até aprender, mas esse cenário vai favorecer uma apreciação negativa do conteúdo, com repercussões na vida adulta”, afirma.