Um tema controverso a ser discutido, grupos dedicados a defender pontos de vista diferentes e troca de argumentos e contra-argumentos. Esta é, afinal, a essência de um debate. Mas, quando o enfrentamento de ideias se torna uma competição, novos elementos entram na equação: juízes, torcedores e até mesmo clubes. Com um detalhe a mais. Num cenário em que importam mais o poder de persuasão e bons argumentos, o estudo sobre o tema é mais decisivo do que a convicção individual a respeito do assunto.
Com larga tradição no exterior, os debates competitivos começam a ganhar adeptos também no Brasil. Através de sociedades formadas em universidades e escolas, reúnem estudantes dispostos a superar radicalismos ideológicos e desenvolver suas habilidades retóricas. Idealizado no início da década por estudantes da Faculdade de Direito da UFMG, o Instituto Brasileiro de Debates (IBD) organiza desde 2014 um campeonato brasileiro, e cada vez mais associações se formam no país para entrar na disputa.
Conhecer o “outro lado” da questão
O IBD surgiu em 2009, atendendo a uma demanda comum a estudantes de direito. “A gente sentia falta de cadeiras relacionadas ao estudo de oratória, argumentação e discurso. Na Inglaterra, por exemplo, eles estudam isso desde o primeiro grau, e aqui não vemos isso sequer nas faculdades”, explica Renato Ribeiro, um dos fundadores e atual presidente do instituto.
Desde o início, a ideia era criar uma base nas universidades, para depois expandir a cultura do debate competitivo também para as escolas. Segundo Ribeiro, embora os alunos de direito costumem ser os primeiros a descobrir os torneios de debate em função da característica do curso, a variedade de temas acaba atraindo jovens das mais diversas áreas.
O modelo de debates mais seguido no Brasil é uma variação do “British Parliamentary Style”, que permite torneios maiores, em que até quatro duplas debatem ao mesmo tempo em torno de uma “moção”, um tema. “Você tem alguém abrindo o debate, e depois uma dupla apoiando o seu lado e outras duas atacando”, descreve Renato Ribeiro. O diferencial é que, até quinze minutos antes de o debate começar, nem o tema e nem mesmo o lado que será defendido são conhecidos pelos participantes: por sorteio, define-se quem ficará de cada lado.
Em 2014, por exemplo, o tema escolhido para a final do Campeonato Brasileiro foi a legalização do aborto no Brasil. Para Renato Ribeiro, o fato de o sorteio fazer muitos estudantes precisarem argumentar a favor de algo, mesmo discordando, incentiva o estudo e a tolerância: “eles saem daquela zona de conforto de defender só o que acreditam e passam a estudar a fundo e respeitar os argumentos do outro lado. Isso quebra a cultura de polarização prejudicial que vemos na política brasileira. Mesmo que você discorde do lado em que está no debate, conhecer a fundo o argumento do outro lado ajuda a legitimar sua própria opinião mais tarde”.
O Campeonato Brasileiro de Debates
A expectativa é que, na próxima edição do campeonato, um número recorde de 48 duplas participe. As discussões acontecerão no Rio de Janeiro, entre 7 e 10 de setembro. Para cada moção, as duplas têm direito a sete minutos de argumentação, que incluem também perguntas dos adversários. Os critérios de avaliação são cinco: argumentação, clareza do raciocínio, referências utilizadas, qualidade da oratória e o cumprimento das regras da competição. Ao final, as quatro duplas envolvidas são classificadas e as melhores avançam à etapa seguinte.
Se o IBD é uma espécie de CBF dos debates competitivos, o equivalente aos clubes de futebol são as sociedades de debates afiliadas, surgidas dentro das próprias universidades. Algumas são anteriores ao próprio instituto, como a Sociedade de Debates da Universidade Federal do Ceará (UFC), que há sete anos organiza um torneio próprio em Fortaleza. Os debatedores da UFC, inclusive, ganharam a mais recente edição do Campeonato Brasileiro, disputada em Florianópolis no ano passado.
Para Renato Ribeiro, o grande objetivo do IBD é, no longo prazo, criar uma nova geração de políticos, capazes de utilizar e compreender não apenas os próprios argumentos, mas também os dos seus opositores. Além de organizar o Campeonato Brasileiro, o instituto já começa a oferecer consultorias e também a realizar projetos sociais em escolas públicas, para incentivar a cultura do debate. A competição nacional deste ano ainda ajudará a indicar, pela primeira vez, uma dupla para representar o Brasil no próximo campeonato mundial, marcado para o início do ano que vem.
Tradição internacional
A história dos clubes de debates não é nova – de fato, começou bem antes de o Brasil se interessar pelo assunto. Fora do país, os “debate clubs” ou “debate societies” são instituições tradicionais tanto em escolas quanto em universidades, principalmente nos países anglo-saxões. Os primeiros registros de uma sociedade de debates parecida com os modelos atuais data do século 18, na Inglaterra, quando, motivados pela crescente secularização da sociedade e pelo Iluminismo, homens cultos começaram a se reunir para discutir temas ligados à política, religião, educação, sexo e outros temas.
A Revolução Francesa e o temor de uma repetição de seu ideário em outros países acabou aumentando a restrição dos governos a esse tipo de discussão livre, e haveria um hiato de alguns anos até novos clubes de debates se formarem, agora em universidades. Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, instituições como Oxford, Cambridge, Princeton e Yale passaram a formar grupos no século 19, e o conceito depois se espalhou para o restante de seus países e, mais tarde, do mundo.
Atualmente, o maior torneio universitário de debates competitivos é o World Universities Debating Championship (WUDC), disputado todos os anos desde 1981. A última edição contou com mais de 400 participantes de quase 90 países diferentes. Centralizado inicialmente em países de língua inglesa como Reino Unido, Canadá, Estados Unidos, Irlanda e Austrália, desde o final dos anos 90 o campeonato tem ganhado popularidade ao redor do mundo e ampliado sua gama de participantes e países-sede. A próxima edição do WUDC ocorre entre dezembro deste ano e janeiro de 2018 e acontecerá pela primeira vez na América Latina, em solo mexicano.
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