Desde o início da gestão do presidente Jair Bolsonaro, três ministros passaram pela chefia do Ministério da Educação (MEC). Nos 18 últimos meses, a pasta foi gerida por titulares de diferentes perfis — Vélez Rodriguez, Abraham Weintraub e, por cinco dias, Carlos Decotelli — e estagnou em vários aspectos.
Especialistas ouvidos pela reportagem avaliam como a instabilidade é danosa para a Educação do país e engessa a articulação da própria pasta junto a entes federativos.
Mas o "entra e sai" não é de agora. Na verdade, tem sido a tônica do MEC há dez anos — de Fernando Haddad a Abraham Weintraub. Nas gestões do PT, houve dez ministros da Educação - três durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, e sete nos mandatos de Dilma Rousseff. Além disso, Michel Temer (MDB) teve mais dois nomes à frente da pasta.
Na história, outros dois representantes tiveram passagem muito breve pelo comando da pasta. José Pedro Ferreira da Costa assumiu como ministro interino em 17 de junho de 1960 e permaneceu no cargo por sete dias, durante o governo de Juscelino Kubitschek. Entre 6 e 15 de abril de 1964, já no governo militar, Luís Antonio da Gama e Silva chefiou o ministério, permanecendo nove dias no cargo.
Instabilidades dessa natureza acabam por engessar o MEC e impedem que a pasta elabore e execute políticas públicas a longo prazo. Na avaliação de especialistas, é absolutamente o contrário do que se espera para uma área na qual a definição de estratégia e sua busca contínua é a única saída para mudar o quadro atual de maneira estruturante.
O levantamento mais recente feito pelo MEC revela que 50% das crianças no terceiro ano do ensino fundamental de escolas públicas não estão alfabetizadas. Em indicadores internacionais, nosso desempenho figura entre os mais baixos colocados.
Escolhas frágeis e sem convicção favorecem "entra e sai"
"Essa instabilidade, a depender do caso, se deve a questões específicas, mas, de modo geral, sinaliza para uma falta de prioridade na área educacional, à medida em que observamos tantas mudanças ao longo da última década", afirma Olavo Nogueira Filho, diretor de Políticas Educacionais do Todos pela Educação.
Para o especialista, a inconstância denota, além disso, que a escolha dos titulares é feita, na maior parte das vezes, de maneira frágil e sem muita convicção por parte dos próprios chefes do Executivo.
Mais do que isso, não de hoje, a pasta é conhecida como campo de batalha político-ideológica. "Se há prioridade, do ponto de vista político, de que essa área é estratégica para o país, uma demonstração de prioridade política seria o governo selecionar alguém capaz de estruturar estratégia e dar sequência a ela", diz Nogueira Filho.
"Considerando, especialmente, a necessidade de articulação entre os entes federados para organizar a oferta de educação escolar na educação básica e na educação superior, tarefa para a qual o MEC tem posição e tarefas insubstituíveis, essa alteração de seu principal dirigente, somada ao fato do governo Bolsonaro não ter explicitado plenamente seu programa, cria um ambiente que tende a arrefecer a busca por um quadro nacional mais uniforme dessa oferta", afirma Ocimar Alavarse, professor na Faculdade de Educação da USP.
Políticas de Educação estagnadas
O ponto grave do "entra e sai" se dá à medida em que políticas podem ficar estagnadas. Além disso, novos titulares tendem a interromper o processo de continuidade de uma estratégia nacional e das políticas antes implementadas — ou, ao menos, anunciadas, em fase inicial de implementação. Essas instabilidades, em que pese sob uma mesma gestão, resultam na mudança de focos, em diferentes formas de atuação e, sobretudo, diferentes estilos de articulação junto a estados e municípios.
"Você até poderia ter uma troca constante de ministros, por diversas razões. Mas, se um plano nacional fosse seguido, mesmo que por diferentes gestores, teríamos um cenário diferente", diz o diretor de Políticas Educacionais do Todos pela Educação. "Ter apenas um ministro facilita a ação de seguir adiante com estratégias que mexam em questões estruturantes".
Em um quadro como esse, avaliam especialistas, dificilmente gestores conseguirão promover mudanças estruturantes. "A execução de políticas públicas requer um trabalho continuado de diálogo e direcionamentos junto às diversas instâncias federativas ligadas à Educação. A instabilidade no ministério fragiliza o andamento de pautas fundamentais como a continuidade do Fundeb", aponta Claudia Pegini, professora no Núcleo de Excelência Pedagógica da PUC Maringá.
Na melhor das hipóteses, conseguem dar início a algum processo de transformação, ou até mesmo realizar ações "cosméticas" e pontuais. Foi o que tentou fazer Weintraub frente à alfabetização, por exemplo, tema que o ex-ministro tomou como a "menina dos olhos".
Diante do péssimo estado no qual o Brasil se encontra quanto à aprendizagem da leitura e escrita, Weintraub deu início à uma nova Política Nacional de Alfabetização (PNA), baseada em achados científicos da ciência cognitiva da leitura. O MEC, além de lançar cartilhas da PNA, realizou a 1ª Conferência Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências Científicas (Conabe), a partir da qual começou a ser elaborado, por especialistas, documento que passaria a nortear as ações.
Previsto para ser lançado em abril, no entanto, o documento não foi publicado até agora. Especialistas preveem que o relatório seja divulgado em agosto.
"Mais Brasil, menos Brasília"
A política de alfabetização não chegou até as pontas. O processo de implementação não é rápido, dado o "Brasil continental" com o qual lidamos, mas deveria ser contínuo. "O desafio é enorme, e mudanças só vêm no médio e longo prazo", diz Nogueira Filho. "[Quanto à PNA] é a única 'agenda' que recebeu bastante atenção do governo e que teve algumas poucas entregas. Em grande medida, [a PNA] aponta para caminhos importante, que precisam ser incorporados na discussão sobre alfabetização, mas, até hoje, é um esforço que não conseguiu descer para o nível de política pública".
Para Nogueira Filho, ainda, a PNA não pode ser considerada política pública, de fato, mas sim um "conjunto de diretrizes que apontam", em grande medida, para o que chama de "caminho importante". A própria ONG na qual Olavo Nogueira atua como diretor de políticas públicas já afirmou, no entanto, ver com "bons olhos" a PNA e que a política aponta no "caminho certo".
Ele também defende que a lógica de "Mais Brasil, menos Brasília" parece não funcionar no MEC, à medida em que políticas são centralizadas na pasta e não há clara articulação junto a entidades federativas que, na prática, são os atores que implementam as ações.
"O que se vê é uma tentativa de disparar conceitos para o país. Essa estratégia certamente não resultará em impactos na sala de aula", diz. Na visão dele, Weintraub não contribuiu com a articulação que era frágil, mas existia, até então. "Isso inviabiliza tentativa de mudança".
Para além das incertezas quanto à continuidade de políticas como PNA, Future-se, escolas cívico-militares, Educação em Prática e outros, entidades temem como será a articulação do novo ministro em um cenário pós-pandemia. Antes de sair, Weintraub implementou uma plataforma de monitoramento do quadro nas universidades federais, forneceu a elas uma ferramenta para que ministrassem aulas online e, mais expressivamente, liberou orçamento do FNDE para que escolas se precavessem contra o vírus com medidas sanitárias.
"Em meio à pandemia, seria necessário haver no Ministério da Educação um alicerce de orientações, apresentando dados e recursos para minimizar as imensas desigualdades de acesso à tecnologia e, consequentemente, às aulas em ambiente online. Políticas públicas emergenciais precisam ser geridas com atuação expressiva do governo, o que não ocorre com a alternância constante de seu representante maior", afirma Claudia.
Ilhas de excelência na Educação
Não é preciso ir longe para verificar que a constância é fator de sucesso para a Educação. No Brasil, um dos mais notáveis resultados em "larga escala" vem de Sobral, no Ceará, que, de longe, tem os melhores indicadores do país — mesmo frente a um cenário desafiador.
"Não estamos falando de mudança de uma escola, mas de um estado inteiro que conseguiu, ao longo do tempo, mudar radicalmente o cenário educacional. É o que ocorreu, também, em Pernambuco, com o ensino médio", diz o diretor de Políticas Educacionais do Todos pela Educação. "Isso não significa que seja perfeito, há muito a avançar. Mas fato é que são estados pobres e estão entre os melhores no Brasil".
O ponto de partida foi acertar na política, ancorados em evidências (em alfabetização, por exemplo, a proposta de Sobral é similar ao do governo federal). Mas é preciso mais: continuidade. "Nesses dois casos, resultados só começaram a aparecer após seis ou sete anos de implementação. Quando se consolida isso, mexe de maneira estruturante", afirma o especialista.
Nesse meio-tempo, houve, inclusive, troca de governo e, por consequência, mudanças nas respectivas Secretarias de Educação. A troca de nomes, no entanto, não engessou a continuidade das políticas. Em última instância, seguir com qualquer que seja a política educacional é fator político — à medida em que gestores entendem que a estratégia de seus antecessores aponta no sentido correto.
"Temos muitos casos de boas políticas que são implementadas durante um tempo, há uma troca do governo, e, só porque era do antecessor, ele descontinua a política. Em especial, isso ocorre muito no âmbito municipal", conclui Nogueira Filho. "É preciso dar continuidade ou aprimorar, mas não começar tudo de novo".
"Destaco duas consequências mais graves [da instabilidade]. A primeira é, de certo modo, o abandono do Plano Nacional de Educação, independentemente das apreciações que se possa fazer desse documento legal aprovado por unanimidade em 2014, cuja implementação e, eventualmente, alteração depende de iniciativas do MEC que, por sua vez, são favorecidas pela permanência de dirigentes com uma orientação, elementos absolutamente ausentes até o momento", defende Alavarse. "A segunda se refere ao financiamento, notadamente, da educação básica, concentrado no Fundeb, prestes a expirar".
Entidades representativas da educação e parlamentares fizeram os mesmos apontamentos ainda na gestão Weintraub. Um grupo de deputados fez uma análise e apontou falta de "plano" para a educação; junto a senadores, chegaram a protocolar pedido de impeachment de Weintraub, sustentados no argumento de que sua gestão era "ineficiente".
Ao passo que a proposta de Bolsonaro para a Educação, por outro lado, aparenta ser a de primeiramente descontinuar políticas adotadas pelos governos anteriores, as quais acabaram por fazer com que o Brasil figurasse entre os piores colocados na comunidade internacional.
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