Os americanos não são bons leitores. Muitos culpam a onipresença dos meios digitais: estamos ocupados demais no Snapchat para ler, ou talvez a navegação na internet tenha nos tornado incapazes de investir na prosa séria. A verdade, porém, é que o nosso problema é anterior às novas tecnologias. A questão não são os maus hábitos de leitura acarretados pelos smartphones, mas maus hábitos educacionais acarretados pela falta de entendimento de como a mente lê.
Se a nossa dificuldade de leitura é muito grave? A última Avaliação Nacional de Alfabetismo Adulto, de 2003, é meio datada, mas ilustra a capacidade dos americanos nas situações do dia a dia, usando um almanaque para encontrar um fato específico, por exemplo, ou explicando o significado de uma metáfora utilizada em uma história. Daqueles que concluíram o ensino médio, mas não continuaram a educação, treze por cento não conseguiram cumprir tarefas simples como essas. Quando a coisa ficou um pouco mais complicada – na comparação de dois editoriais de jornais com diferentes interpretações de evidências científicas ou análise de uma tabela com ofertas diferentes de cartão de crédito – 95 por cento fracassaram.
Não há motivo para achar que a situação mudou, pois o nível da grande maioria das provas de leitura da Avaliação Nacional de Progresso da Educação desse pessoal não melhora há trinta anos.
Muitos desses leitores conseguem identificar as palavras impressas e, nesse sentido, sabem ler; entretanto, são analfabetos funcionais, ou seja, compreendem muito pouco do significado do texto. Mas então o que exige o entendimento? Um bom vocabulário, obviamente. Igualmente importante, mas de forma mais sutil, é o papel do conhecimento factual.
Toda prosa tem buracos que precisam ser preenchidos pelo leitor. Vejamos a frase: "Prometi não brincar com o cubo mágico, mas mesmo assim minha mãe não me deixou levá-lo à biblioteca." O autor omitiu três fatos vitais à compreensão: você tem que fazer silêncio na biblioteca; o cubo mágico faz barulho; a garotada não resiste muito a brinquedos tentadores. Se não souber desses detalhes, pode até pegar o sentido literal da frase, mas não vai entender por que a mãe proibiu o brinquedo na biblioteca.
O conhecimento também dá contexto. Por exemplo, o sentido literal da famosa manchete falsa do ano passado: "Papa Francisco choca o mundo e apoia a candidatura de Donald Trump à presidência" é inequívoca; não é preciso subentender nada. Só que a frase adquire uma conotação completamente diferente se souber o mínimo sobre as posições públicas (e privadas) dos homens nela envolvidos ou que um pontífice jamais apoiou qualquer candidato à presidência que fosse.
Você pode achar então que o autor deveria incluir todas as informações necessárias para o entendimento do que escrevem. Explique então que as bibliotecas são silenciosas! Acontece que esses detalhes tornariam a prosa longa e tediosa para os leitores que já conhecem tais informações. "Escrever para o seu público" implica, pelo menos em parte, correr riscos em relação ao que ele sabe.
Esses exemplos ajudam a entender por que o leitor pode ler bem, mas acaba tirando notas baixas em um exame; a ele falta o conhecimento que o autor achou que o público tivesse. Já se o texto se refere a um assunto familiar, mesmo os leitores mais fracos são capazes de interpretá-lo como alguém que lê bem.
Em um experimento, um grupo de crianças entre sete e nove anos – algumas identificadas como bons leitores, outras nem tanto – tiveram que ler uma passagem sobre futebol. Os que não liam bem, mas sabiam tudo do esporte tinham o triplo de chances de fazer inferências precisas sobre o texto do que os bons leitores que não conheciam nada sobre o jogo.
Isso implica que o estudante que vai bem nos exames de leitura é o mesmo que tem um conhecimento amplo, tendo pelo menos alguma noção em relação aos tópicos abordados pelos testes. Um experimento para avaliar o nível de conhecimento geral de estudantes de 16-17 anos tinha questões de Ciência ("A pneumonia afeta que parte do corpo?"), História ("Qual o presidente que renunciou por causa do escândalo de Watergate?") e também Arte, Educação Cívica, Geografia, Educação Física e Literatura, cujo desempenho se concluiu diretamente associado ao do teste de leitura.
A prática da educação atual mostra que a compreensão de leitura é encarada erroneamente, tratada como uma habilidade geral que pode ser aplicada a todo tipo de texto. Na verdade, está intimamente ligada ao conhecimento, o que sugere três mudanças essenciais na educação escolar.
Primeiro: sugere uma queda no tempo dedicado à alfabetização inicial. A criançada do primeiro ano do ensino básico passa 56 por cento do tempo nesse tipo de atividade e apenas seis por cento estudando Ciências e questões sociais. Essa ênfase desproporcional prova ser um tiro pela culatra nos anos subsequentes, quando a falta de conhecimento da matéria impede a compreensão das crianças. Outra medida positiva seria utilizar textos altamente informativos nos primeiros anos de ensino. Historicamente, eles têm um conteúdo leve.
Segundo: entender a importância do conhecimento para a leitura deveria nos fazer encarar de outra forma os testes padrão de fim de ano. Se uma criança estudou na Nova Zelândia, certamente será boa na leitura e na interpretação de passagens sobre aquele país. Por que testar sua habilidade de leitura com textos sobre aranhas ou o Titanic? Se os tópicos forem aleatórios, o teste avaliará o conhecimento adquirido fora da sala de aula – ou seja, aquele que as crianças mais abastadas têm maiores oportunidades de obter.
Terceiro: a constituição sistemática do conhecimento deve ser prioridade no estabelecimento do currículo. Os Padrões Básicos Comuns de leitura não especificam praticamente nada em relação ao conteúdo que a criança deve saber, valorizando apenas a habilidade da leitura em si. As autoridades devem ir além da tal diretriz, criando padrões proporcionais ricos em conteúdo e estimulando os funcionários distritais a designar currículos que ajudem os estudantes a alcançar esses padrões. Foi o que Massachusetts fez, nos anos 90, e se tornou líder no quesito educacional nacional. A Louisiana recentemente assumiu a mesma abordagem e os resultados iniciais são promissores.
Não culpem a internet, os smartphones ou as notícias falsas pelo baixo nível de leitura dos americanos. A grande vilã é a ignorância. Para mudar isso serão necessárias mudanças profundas no ensino da leitura, na avaliação padronizada e nos currículos escolares. E a base de toda essa transformação deve ser uma melhor compreensão de como a mente processa o que lê.
Daniel T. Willingham é professor de Psicologia da Universidade da Virgínia e autor, mais recentemente, de "The Reading Mind: A Cognitive Approach to Understanding How the Mind Reads".
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