As aulas na Universidade Federal do Paraná (UFPR) em Curitiba têm início nesta segunda-feira (28) para cerca de 23 mil universitários. Depois da alegria de passar no vestibular, os aprovados na UFPR agora serão recepcionados pelos veteranos do curso na Semana do Calouro - conhecida como a Semana do Trote. Segundo o dicionário, a palavra trote significa "zombaria a que veteranos das escolas sujeitam os calouros", mas a linha é tênue entre uma "brincadeira" com tinta, farinha e um trote violento.
O reitor da UFPR, Carlos Augusto Moreira Júnior, deixou claro a posição da instituição frente aos alunos que cometerem algum tipo de abuso na recepção aos calouros. "Este ano foi feito uma campanha pelo trote humano, para que os veteranos recebam os novatos com respeito e cordialidade. Se houver excessos nos trotes, a punição pode ser desde uma advertência até a expulsão do aluno da UFPR, conforme julgar a comissão encarregada", afirmou.
Para o diretor do DCE da UFPR, Affonso Cardoso, a atitude correta para com o aluno que comete um trote violento deveria ser o diálogo não a punição. "Não resolve perseguir o aluno e aplicar um processo administrativo. Como são poucos os casos de trote violento na instituição, é melhor conversamos para mostrar outras formas de integrar o calouro", retrucou.
Além de uma resolução interna da universidade que proíbe o trote violento, para este ano a universidade colocou à disposição dos alunos um telefone para denunciar os abusos nos trotes. Por meio do 0800 643 8377, que funcionará somente no primeiro mês de aula, qualquer aluno, de forma anônima e gratuita, poderá fazer a denúncia.
Segundo a assessora de assuntos estudantis da UFPR, Cristiane Ribeiro da Silva, "a reclamação será enviada para um comitê responsável que por sua vez encaminhará para a comissão central de recepção ao calouro que vai averiguar os fatos, para daí mandar para a procuradoria jurídica, para que as providências sejam tomadas".
Trote solidárioCristiane ainda explica que para este ano foi desenvolvida a campanha Trote Solidário, envolvendo todos os setores da UFPR. "Trata-se de uma campanha educativa que visa coibir o trote violento e estimular os cursos a recepcionar melhor os calouros", comenta. Para a assessora o trote violento é "tudo aquilo que usa da violência, física, moral e psicológica. O que traz constrangimento, humilhação".
O que diz a leiA mesma definição é compartilhada pela advogada especialista em Processo Penal Priscilla Placha Sá, que alerta para as conseqüências do abuso nos trotes. "Se um veterano pintar um calouro e este apresentar alergias, ou até mesmo asfixia (edema na glote), o agressor pode responder criminalmente no Juizado Especial, se for denunciado pelo novato, por lesão leve ou culposa previsto na lei 9099/95. Se houver lesão grave, que gere deformidade num braço ou olho, por exemplo, o agressor pode pegar até cinco anos de detenção conforme o artigo 88 da mesma lei. Quanto às lesões gravíssimas a pena pode chegar até oito anos", alerta a advogada.
O tradicional "pedágio" feito pelos calouros - atividade que o aluno vai pedir dinheiro no trânsito - e a ingestão de bebida alcoólica, ambos impostos pelo veterano, podem resultar em pena de três meses a um ano de reclusão. "Se o calouro durante o pedágio for atropelado, por exemplo, o veterano pode ser enquadrado no artigo 132 do Código Penal", ressalta Priscilla. A advogada ainda esclarece o procedimento que um aluno deve adotar, caso seus direitos não sejam respeitados no trote. "As universidades não podem ser acionadas juridicamente como pessoa jurídica, no âmbito criminal. O agredido deve processar o agressor", aconselha.
Problemas psicológicosAlém das conseqüências jurídicas, o trote violento pode gerar problemas psicológicos no calouro. É o que afirma a psicóloga e orientadora vocacional Lígia Guerra, que aponta dois principais motivos para os abusos. "O que pode acontecer é uma retaliação, quando o veterano desconta no aluno novato o que já fizeram com ele. Outra explicação é a baixa auto-estima do veterano que por um momento tem um poder, um poder ilusório, e impõe uma situação a outra pessoa", explica. As conseqüências, segundo Ligia, podem ir desde uma desmotivação pela instituição, e em alguns casos, pelo curso, até um quadro de depressão.
Internautas opinam Perguntados sobre qual seria a melhor punição a um veterano que pratica trotes humilhantes e violentos aos calouros, os internautas, que participaram do fórum do site de vestibular do Portal TudoParaná, expressaram diferentes opiniões. Samuel Squarisi acredita que "violento é o que é feito contra a vontade, o trote é um rito de passagem, creio que o trote é necessário e bom. Tudo é válido desde que não agrida a integridade. Nos trotes que ajudei a aplicar, quem reclamou ou falou que era contra, tchau, mandávamos embora, sem ressentimentos, porém no ano seguinte garantiámos que essa pessoa não participasse como autor dos trotes", revela.
Já Iackson Borges é radicalmente contra a prática do trote. "Todo trote é humilhante e indigno, freqüentemente violento. Pertence ao passado bárbaro e deveria ser banido da academia. No trote é comum ocorrer vários crimes tipificados no Código Penal, destacando-se o atentado ao pudor com a prática de atos libidinosos sobretudo contra as mulheres, a extorsão mediante o seqüestro de bens pessoais dos calouros, cárcere privado mediante o cerceamento da liberdade e o crime de tortura mediante a aplicação de castigos físicos e psicológicos. Tortura é crime hediondo. A universidade deveria proibir definitivamente", afirma o internauta.
Ana Cláudia Peluso acha que a punição deve ser rigorosa para conter abusos. "O trote é um tipo de ritual de passagem esperado por muitos jovens e seus familiares. É um momento para se comemorar e não de sofrimento", desabafa. Marco Antonio Mendonça Farias concorda com a Ana Cláudia e afirma que "o veterano que pratica ou incentiva deve ser expulso, e o que assiste sem interferir deve ser suspenso".
Casos violentosEssas e outras tantas opiniões descritas no fórum remetem a episódios de trotes violentos que ganharam as manchetes dos jornais de todo o Brasil. Depois da morte do calouro chinês Edison Tsung Chi Hsueh, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em 1999, que foi encontrado morto na piscina da associação atlética dos alunos, no dia seguinte a um churrasco oferecido pelos veteranos, instituições e autoridades públicas começaram a reagir, proibindo a prática do trote e algumas passaram a fiscalizar as atividades de recepção aos novos universitários.
Mesmo com todas as atitudes que visam extingüir esses atos violentos os trotes continuam acontecendo. No mês de fevereiro deste ano dois casos já ganharam a mídia. Em Campo Grande, Mato Grosso, o estudante de Veterinária Antônio Viganó Neto foi expulso da Universidade de Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp). Segundo a direção da instituição, no dia 4 ele havia jogado um produto químico em dois calouros, provocando queimaduras de segundo grau nas vítimas.
Outro caso, ocorrido em 2005, que ainda está sendo investigado é de cinco veteranos da Faculdade de Agronomia de Garça, em Bauru, interior de São Paulo, que amarraram o calouro José Paulo Gonçalves Franco da Silva, de 17 anos, à uma caminhonete obrigando-o a caminhar descalço sobre o asfalto por cerca de dois quilômetros. Ele teve sérias queimaduras na sola dos pés.
Também em São Paulo, por não admitir o corte de seu cabelo, o calouro de Publicidade e Propaganda da Universidade Católica de Santos (UniSantos) Felipe Andrade Castro Carvalho Matos, de 19 anos, levou uma tesourada na região abdominal. O estudante apresentou hemorragia e foi submetido a uma intervenção cirúrgica de emergência, porque havia a suspeita de que o intestino foi atingido.
Trote legalPara mudar esse quadro de violência diversas instituições estão promovendo campanhas para transformar o trote num ritual saudável. Na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), onde as aulas começaram no dia 14 de fevereiro, segundo o presidente do DCE da universidade, Milton Carlos Zanelatto Gonçalves, não houve problemas entre veteranos e calouros. "Não teve nenhum incidente. Pelo contrário, neste ano resolvemos incentivar os novatos a doar sangue. Distribuímos cerca de 15 mil cartilhas com orientações. Somente em um dia, em parceria com o Hemepar (Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná), cerca de 100 pessoas fizeram a doação", afirma. Para a especialista em Processo Penal, a advogada Priscilla Placha Sá, o trote deveria dar oportunidade a uma conscientização política de calouros e veteranos, além de ambientar o novato e integrá-lo social e academicamente. Já a psicóloga Lígia Guerra cobra uma atitude das instituições. "É inadmissível que uma instituição de ensino não se posicione energicamente contra o trote. Ela deve preservar a segurança, caso contrário não é digna da confiança da população.
Na UFPR, segundo o diretor do DCE, Affonso Cardoso, o trote deve atender às questões sociais, além de discutir pautas importantes para o futuro das universidades "Na próxima quinta-feira, dentro da programação da semana do calouro, haverá uma aula magna que irá discutir a reforma universitária". A aula acontece de 9 às 12 horas no pátio da UFPR e pode ser assistida por qualquer pessoa.
Outras instituições
Assim como na UFPR, na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) as aulas do ano letivo começam nesta segunda. Já na Universidade Estadual de Londrina (UEL), o início das atividades está marcado para o dia 7 de março. No dia 14, é a vez da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
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