Por causa do ensino superior totalmente gratuito, o governo brasileiro gasta mais com seus universitários do que a Coreia do Sul: são cerca de 11 mil dólares, aproximadamente 35 mil reais por ano, para cada aluno. Mas alguns estudantes parecem ter outras prioridades que não as aulas.
Na segunda reportagem da série sobre o consumo de drogas em universidades públicas brasileiras, a Gazeta do Povo visita o Nordeste. Lá, o consumo de drogas não chega nem mesmo a ser um segredo de polichinelo: é um fato aceito, com ou sem queixas, por alunos e funcionários.
Embora não estejam imunes à presença da polícia ou à aplicação da lei, as instituições de ensino tornaram-se refúgio para consumidores de drogas.
O tráfico e o consumo escancarado fazem parte do universo da UFBA (Universidade Federal da Bahia), diz a designer Amanda Barbieri, que se formou na instituição e trabalha no campus Ondina, em Salvador, há seis anos.
Amanda viu de perto o fácil acesso a substâncias ilícitas, principalmente, a maconha. “Muitas vezes, alunos ficavam fumando maconha na frente da editora da UFBA, sem se tocar que ali é um local de trabalho. Conversava com eles para tentar alertá-los sobre onde estavam e também para tentar entender porque estavam consumindo ali”, lembra.
Sem rodeios, o estudante de Jornalismo Ian Meneses, 21, também fala abertamente que percebe o uso de drogas como uma prática bastante comum dentro do Campus Olinda. Mais do que isso; para ele, a universidade promove o “consumo pacífico de maconha”.
“Dentro do território universitário usuários e não usuários podem conviver harmoniosamente”, opina Ian, que não faz uso de drogas. “Quem faz o uso da erva respeita quem não usa, não provoca situações constrangedoras e cada um fica no seu espaço. Sei os espaços onde os fumantes ficam normalmente. É algo que não curto, não me faz bem por já ter tido problemas respiratórios graves, então não convivo nos ambientes onde fazem o uso”, complementa.
O consumo de drogas dentro do campus é algo feito às claras. Um estudante*, formado em Psicologia pela UFBA em 2015, diz que o território dos usuários de maconha é conhecido. “Existem locais em cada campus que são reconhecidamente utilizados pelos estudantes. Alguns desses locais de uso são mais privativos do que outros, mas no geral eles ficam ao ar livre e em local de trânsito reduzido.”
Outro estudante, mas de Comunicação Social, confirma o relato dos outros alunos e admite sem constrangimentos: fuma maconha dentro do campus Olinda sem precisar driblar restrições institucionais. “Em todos os cantos se vê pequenos grupos consumindo maconha, a qualquer hora. De tabaco também.” Em 2010, ele estudou música no campus aberto da UFBA, que fica no bairro do Canela, e afirma que lá também havia consumo da droga internamente.
“Você pode andar por toda a UFBA e qualquer pessoa terá medo de falar contra as drogas.”
Sandro*, ex-estudante e atual servidor da UFBA, no Campus Ondina, também diz acreditar que a universidade incentiva o consumo de maconha dentro dos campi. “Infelizmente, há dezenas de livros da editora da UFBA que tentam descriminalizar o uso, além de ligarem o consumo a costumes de povos negros e a proibição como uma tentativa de marginalizar o negro.”
Segundo ele, quem se manifesta contra o consumo de drogas na UFBA sofre represálias: “Você pode andar por toda a UFBA e qualquer pessoa terá medo de falar contra as drogas.”
Para Amanda, o consumo de substâncias ilícitas deve ser feito em outros lugares. “Eu realmente não ligo para o que as pessoas fazem das suas próprias vidas, mas acho inadmissível desrespeitar ambiente de estudo e trabalho com consumo de drogas ilícitas”, reforça. “Diversas vezes tentei estudar na escola de Belas Artes, mas em sala de aula era interrompida pelo cheiro”, reclama.
Policiamento
Atualmente, há policiamento constante apenas na entrada dos campi da UFBA, mas não internamente, segundo Meneses. Aumentar a atuação da polícia para área interna é assunto em pauta na universidade em razão da ameaça de ladrões que contribuem para a sensação de insegurança, acrescenta o estudante. Pessoas de fora da comunidade acadêmica têm acesso aos campi para usar diversos serviços, como os de agências bancárias.
“Com o fácil acesso de entrada e saída de desconhecidos, acontecem muitos assaltos e muita movimentação de pessoas estranhas vindo de moto consumir droga. Eles paravam e usavam descaradamente em lugares de passagem dos alunos e professores”, critica Amanda.
Segundo Amanda, a falta de iniciativa da UFBA pode ser atribuída também à pressão feita por movimentos estudantis que contestam perda de liberdade. “Alguns órgãos, como a editora em que trabalhei, também não gostavam dessa falta de ação da administração. Tudo isso porque os grupos que protestam geralmente são as militâncias relacionadas coma liberação de tudo”, relata.
Usuário assumido de maconha, um estudante reforça: “Os seguranças da UFBA são meramente patrimoniais. Estão ali para zelar apenas pelos bens da instituição”.
Consumo aberto de maconha na UFPE
Professor há cinco anos na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Rodrigo Jungmann vai direto ao ponto: “Já observei o consumo aberto de maconha nos corredores e ao ar livre do lado de fora dos prédios. Com frequência se sente um cheiro intenso de maconha nesses lugares. A guarda universitária sempre faz vista grossa. No máximo, reclama dos alunos, que voltam a fumar 15 minutos depois. É tudo muito escancarado” afirma.
Na visão do professor, o consumo é feito por recreação e afronta. “Não me arvoro em julgar o consumo de um ponto de vista médico. Mas é claramente ilegal e deve ser coibido de forma enérgica. Até porque se articula com outras formas de comportamento antissocial.”
O Estudante de Fisioterapia Luciano Lucas Araújo de Melo confirma o uso frequente de drogas no campus do Recife. “Pelo que sei, a universidade não orienta os guardas privados a coibir o uso. Isso se dá muito pelo da universidade ser considerada uma instituição autônoma, até nessa questão da segurança,” acrescenta.
Loló e cigarros, docinhos e brownies de maconha na UFMA
Acesso fácil e consumo em grande quantidade às drogas parece ser a tônica também na UFMA (Universidade Federal do Maranhão). Um aluno de Medicina admite que já experimentou substâncias ilícitas dentro do campus. “O consumo é alto principalmente no curso de Medicina e a venda é bastante fácil, feita pelos próprios alunos. Dentro do curso existem muitas pessoas que são usuárias e deixam isso claro”.
O estudante estuda no Camar (Centro Acadêmico de Medicina Antonio Rafael) e frequenta regularmente a cidade universitária, onde ocorre o uso de maconha e loló, substância líquida usada como inalante. “Na cidade universitária o uso é bem mais comum e não é tão escondido. Existe o prédio de Ciências Humanas, ponto conhecido para encontrar maconha e para vender. Os alunos costumam fumar nos corredores mais desertos. Em outros prédios também há algumas pessoas que vendem”, diz.
Segundo ele, há também a venda de docinhos e brownies preparados com maconha. O estudante diz que não percebe uma atuação efetiva de controle por parte da UFMA. O policiamento militar dentro dos campi começou no início deste ano, depois de casos de violência na universidade. Segundo ele, a chegada dos policiais foi vista “como ruim por parte dos alunos porque seria uma maneira de coibir o uso de drogas”.
A reportagem da Gazeta do Povo entrou em contato com a UFBA , a UFPE e a UFMA por meio da assessoria de comunicação, mas não obteve resposta sobre o assunto.
O que diz a lei
A lei de drogas em vigor no país é de 2006. Embora seja mais branda com o usuário do que as normas anteriores, ela continua tratando como crime o porte e o compartilhamento de drogas. A diferença é que o usuário não é levado para a cadeia na primeira oportunidade. Em vez disso, deve prestar serviços à comunidade ou passar por cursos educativos. Esta é a punição reservada a quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal”.
No ambiente universitário, entretanto, outros crimes ocorrem. O de “oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem”, por exemplo, pode gerar até um ano de prisão. As penas são elevadas em até dois terços se os crimes acontecerem em estabelecimentos de ensino.