Para 86% da população brasileira, as escolas regulares se tornam ambientes melhores ao incluírem em suas atividades crianças com deficiência. E quase 80% concordam que alunos com sérias limitações aprendem mais estudando com crianças chamadas "regulares". É o que assegura o instituto de pesquisa Datafolha, ao analisar "o que a população brasileira pensa" sobre este modelo de educação.
Sob outra perspectiva, 30% dos entrevistados entendem que a presença de crianças com deficiência em escolas regulares atrasa o aprendizado dos outros alunos; 67% concordam que os professores não têm formação necessária para ensinar crianças com essas limitações e 40% afirmam que é melhor para alunos com deficiência estudar em escolas que só tenham crianças do mesmo perfil. Além disso, o índice de pais que temem que seus filhos sofram preconceito na escola, pelas limitações, é próximo de 90%.
Embora os números revelem uma expectativa consideravelmente positiva da população sobre a educação inclusiva, ocultam aspectos que, na verdade, parecem permanentemente relegados. E querer falar sobre essas questões, muitas vezes, pode aparentar preconceito ou uma tentativa de suprimir a voz dos que levantam a bandeira da inclusão.
Mesmo assim, um artigo publicado em 2018, "Has inclusion gone too far? Weighing its effects on students with disabilities, their peers, and teachers", de Alisson Gilmour, professora na Temple University, na Filadélfia, arrisca tocar na ferida. Com base em pesquisas científicas realizadas em salas de aula nos Estados Unidos, Gilmour afirma corajosamente que a inclusão nem sempre é de todo proveitosa.
As evidências científicas apontam que, na verdade, muitas vezes a diversidade em sala tem efeitos colaterais indesejados: "deixar para trás" alunos com deficiência, atrasar seu progresso e desmotivá-los, aumentar o risco de exposição ao bullying e abandonar professores ao "desamparo" por não estarem preparados para lidar com alunos tão diferentes em uma mesma sala de aula. Alunos regulares que estudam em classes inclusivas, além disso, podem ter seu desempenho afetado – sem benefícios para o aluno incluído.
"Atraso"
Segundo Alisson, a inclusão se generalizou, em diversos países, sem dispor de uma sólida base de evidências que apoiem sua eficácia. E os escassos estudos que existem sobre o tema, afirma ela, ao mesmo tempo que contêm falhas metodológicas, admitem que professores não têm preparo para lidar com alunos regulares junto a outros que possuem limitações físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais.
No levantamento, Alisson utiliza, por exemplo, dados de Lynn Fuchs, psicóloga educacional conhecida por pesquisas sobre práticas e avaliações instrucionais. Segundo o levantamento de Fuchs, muitos alunos com deficiência não têm capacidade de avançar com o "padrão" escolar, mesmo se tiverem professores preparados, acomodações e apoio.
Tendo em conta a realidade do "chão da escola" onde nem sempre o cenário é o ideal - professores, por exemplo, não têm formação na área de educação especial e há falta de monitores para ajudá-los - esse resultado pode ser ainda pior.
No estudo "Intensive Intervention for Students with Mathematics Disabilities: Seven Principles of Effective Practice", também citado por Alisson, Fuchs e outros autores revelam que o aprendizado em matemática de alunos com deficiência em classes regulares é menor se comparado ao aproveitamento desses mesmos estudantes em aulas especiais, organizadas só para eles.
Dessa forma, estudantes com limitações em salas de aula regulares acabam ficando "muito para trás". Nos Estados Unidos, dois pesquisadores, Doug Fuchs e Joe Wehby, estimaram que alunos com deficiência alcançam resultados 1,2 vez mais baixos em leitura do que seus colegas "regulares", o que significaria uma atraso de três anos.
Outro pesquisador, elencado por Alisson, Jason Fletcher, descobriu, por meio de pesquisas empíricas, que ter um colega de classe com deficiências, como transtorno comportamental, afeta o desempenho dos alunos chamados "regulares". "Há uma redução de 0,09 no desvio padrão nas pontuações de matemática e 0,13 desvio padrão nas pontuações de leitura dos alunos", diz Fletcher.
"Michael Gottfried e colegas relataram que os alunos sem deficiência que tinham um colega de classe com transtorno tinha 1,42 vez mais probabilidade de estarem cronicamente ausentes do que aqueles que não tinham tal colega de classe (...) Gottfried também descobriu que não apenas os alunos com transtorno, mas também os alunos sem deficiência eram classificados pelos professores como tendo mais problemas de comportamento, níveis mais baixos de autocontrole e menores habilidades interpessoais quando estavam em salas de aula com alunos com deficientes", continua o artigo de Alisson.
Professores
Nos Estados Unidos, analisando dados escolares da Carolina do Norte, Alisson descobriu que as chances de rotatividade (mudar de escola, sala ou deixar a profissão) de professores nesse estado norte-americano aumentava de acordo com o número de alunos com deficiência em salas regulares.
"Professores em classes nas quais 20% dos alunos tinham transtornos de comportamento eram 2,15% mais propensos a deixar a escola ou o ensino", afirma a pesquisadora. A inclusão, neste caso, parece ser uma "sobrecarga".
Há também outro fator importante citado por Alisson: professores que dão aulas para alunos "regulares" e com deficiência na mesma sala acabam gastando menos tempo ensinando conteúdo e mais tempo "gerenciando a sala". Foi o que descobriu North Cooc, pesquisador na Universidade de Harvard.
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