A Universidade de Brasília (UnB) está fechada desde 23 de março, sem qualquer perspectiva de retomada das aulas. A suspensão do calendário acadêmico, determinada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UnB, interrompeu até mesmo as aulas online que vinham sendo ministradas por alguns professores antes da pandemia. Alunos e professores, porém, estavam na expectativa de ao menos poderem participar da escolha do novo reitor.
Quando as aulas presenciais foram suspensas, a Medida Provisória (MP 914/2019) que previa eleições diretas para reitores ainda estava em vigor. E isso poderia ser feito pelo Sistema Integrado de Gestão de Eleições (SIGEleição), disponível para votações online. Mas, por falta de apreciação no Congresso Nacional, a MP perdeu a validade no começo de junho.
Quatro dias depois, o Conselho Universitário (Consuni) da UnB se reuniu, agendou a eleição para 17 de setembro e decidiu que ela se dará sem sequer uma consulta informal à comunidade, como ocorria em eleições passadas. Foi a mesma tática utilizada por outras instituições públicas federais de ensino superior para driblar a oposição, que, por meio de eleição indireta, tem menos chances de enfrentar os grupos que atualmente controlam as universidades, ligados a partidos políticos e movimentos de esquerda.
O mandato da atual reitora da UnB Márcia Abrahão termina em novembro. Como a MP 914 caducou, voltou a valer a regra de que cabe a um colegiado de professores, técnicos administrativos e alunos escolher três nomes para compor uma lista tríplice a ser enviada ao Ministério da Educação. Depois, o presidente da República define quem será o novo reitor.
A lei que rege a substituição de dirigentes de universidades federais (Lei 9.129/1995) também prevê que isso seja feito até 60 dias antes do fim do mandato, no caso da UnB, setembro. Assim, parece correto que o Consuni tenha escolhido o dia 17 de setembro para a reunião em que será definida a lista tríplice, exatos dois meses antes do fim do mandato de Márcia Abrahão.
Problemas no pleito da UnB
Mas há vários problemas apontados por professores e alunos que, à distância, acompanham o processo. Um deles foi a data escolhida para a inscrição de candidatos ao cargo de reitor: 14 de setembro, apenas três dias antes da eleição. Isso deixa a oposição sem tempo para fazer campanha. Se houver qualquer divulgação anterior, as candidaturas podem ser impugnadas.
Outro ponto que gera revolta na comunidade acadêmica, agora impedida de participar do processo, é que não houve renovação nos sindicatos e diretórios acadêmicos que representam as três categorias no Conselho Universitário. Por causa do isolamento social, os mandatos de presidentes e diretores foram prorrogados. Com isso, a composição do colegiado que vai escolher a lista tríplice não mudou, ou seja, é a mesma formada por apoiadores da atual reitora.
“Se os presidentes dos sindicatos e dos diretórios acadêmicos não promoveram eleição, não faz sentido a eleição para reitor ser feita e dessa forma, sem ouvir os maiores interessados que são alunos, professores e os técnicos que trabalham na universidade. Por que a comunidade universitária não poderia ser ouvida nesse período de pandemia?”, pergunta um professor que está na UnB há cerca de vinte anos e prefere não se identificar por medo de sofrer represálias.
Ele também afirma que a decisão do Conselho de não ouvir a comunidade universitária como ocorria antes, ainda que fosse facultativo, é para driblar uma regra estipulada pela própria lei. Se o colegiado optar por consultar a comunidade para saber quais os nomes de preferência para a lista tríplice, é preciso dar peso diferente ao voto dos professores (70%).
Isso se justifica porque os docentes são os que permanecem por mais tempo nas universidades, às vezes décadas, e conhecem melhor as necessidades acadêmicas e administrativas da instituição. Votos de técnicos e alunos devem ter peso de 15% cada.
Como em 2020 o Consuni da UnB decidiu não promover consulta à comunidade, a eleição será paritária, ou seja, representantes dos professores serão apenas um terço dos votos; alunos e técnicos representarão os outros dois terços.
A própria formação do Conselho é questionada, já que os integrantes também são eleitos por votos distribuídos de forma paritária, desequilibrando a disputa.
O professor cita o caso da eleição para diretoria do Instituto de Física, que compõe o Consuni. "O Instituto de Física fez uma consulta para escolha do diretor. Tem cento e poucos professores. A pessoa que ganhou só teve o próprio voto, mas foi eleita graças ao peso do voto dos técnicos. O voto de um técnico equivale ao voto de cinco professores. Outro candidato teve 90% dos votos dos professores, mas perdeu a eleição, porque os técnicos se uniram para apoiar outro candidato.”
Confira, ao final do texto, nota da diretora do Instituto de Física sobre a eleição.
Com a eleição da forma como se anuncia, dificilmente haverá troca na administração da universidade. Professores de oposição à atual reitora reclamam que tudo foi pensado para que a "máquina" favoreça a reeleição de Márcia Abrahão. E duvidam que os conselheiros, quase todos ligados a ela, levem em consideração sequer os resultados obtidos pela UnB no período em que ela esteve à frente da administração da universidade.
Em levantamento da consultoria britânica Quacquarelli Symonds (QS), que compara a qualidade entre mil universidades do mundo todo, a UnB caiu cerca de 200 posições no ranking mundial (está no fim da lista, entre as posições 801 e 1000, quando já esteve entre as 500 melhores). Na comparação apenas entre as da América Latina, onde já esteve em 9.°, figura hoje em 29.° lugar.
Além da qualidade do ensino, o professor ouvido pela reportagem também denuncia a falta de segurança na universidade. E ele não foi o único: em reportagem publicada pela Gazeta, em março deste ano, outro docente da Unb relatou que foi ameaçado de morte após denunciar que "frequentadores externos à universidade" consumiam e vendiam drogas em um espaço da instituição.
Outras universidades, mesma tática
Numa coletiva de imprensa realizada por videoconferência, em 6 de junho, o reitor da Universidade Federal do Piauí, José Arimatéia Dantas Lopes, insinuou que houve boicote à MP das eleições diretas depois de comentar o que vinha sendo conversado entre os reitores das universidades que estão em fim de mandato: Universidade Federal do Piauí (UFPI), Paraíba (UFPB), Sergipe (UFS), Rondônia (UNIR), Brasília (UnB), Mato Grosso do Sul (UFMS), Paraná (UFPR), São Carlos (UFSCar), Pará (UFPA) e Rio Grande do Sul (UFRS).
“Em decorrência de conversas entre nós, reitores, nós estávamos esperando a definição se a medida provisória iria ser aprovada ou se ela iria perder sua validade”, disse Lopes. “Acabou perdendo a validade no dia 2 de junho, terça-feira passada. E na quinta tivemos a reunião da Andifes [Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, maior sindicato do país, com 120 mil filiados]. E, a partir dessa reunião, decidimos que agora, sim, deveríamos deflagrar o processo sucessório”. Assista ao vídeo.
O que diz a reitora da UnB
A Gazeta do Povo tentou ouvir a reitora da UnB, professora Márcia Abrahão, mas a assessoria de imprensa sequer informou um telefone para a reportagem entrar em contato. As perguntas enviadas por e-mail foram respondidas por uma assessora da reitora, de forma genérica. Questionada sobre as dúvidas não esclarecidas, a assessora respondeu que não tinha mais nada a declarar.
Segue a lista de perguntas, respectivas respostas e os esclarecimentos complementares solicitados, que não foram respondidos.
Gazeta do Povo: Por que a reitoria da UnB esperou caducar a MP que previa eleições diretas para marcar a reunião do Conselho que decidirá os nomes para a lista tríplice?
Assessoria de Comunicação da reitora: As reuniões do Conselho Universitário, colegiado máximo da UnB, ocorrem mensalmente e o calendário é divulgado aos conselheiros no início do ano. A reunião do último dia 5 de junho, na qual foi aprovada a resolução que organiza o processo para a escolha do reitor para o período de 2020 a 2024, já estava marcada. Reuniões extraordinárias podem ser convocadas, mas não foi o caso.
Pergunta complementar da Gazeta do Povo: A reunião de 5 de junho já estava marcada, mas pelo que foi informado houve reuniões em maio, abril e março também, quando a MP das eleições diretas estava em vigor. Volto a perguntar: por que esperaram a MP caducar para, dias depois, já aprovar a eleição indireta para setembro?
Assessoria de Comunicação da reitora: Sem resposta.
Gazeta do Povo: Por que foi escolhido esse formato de eleição - sem consulta à comunidade?
Assessoria de Comunicação da reitora: A resolução aprovada pelo Consuni em 5 de junho traz os prazos que a UnB precisa cumprir para enviar ao Ministério da Educação a lista tríplice com os nomes dos indicados. A resolução foi feita em observância ao que diz a legislação vigente sobre o assunto (Lei n. 9.192/95), a mesma que estava valendo nas últimas escolhas para a Reitoria.
Pergunta complementar da Gazeta do Povo: Tudo bem que se respeitou a Lei n. 9.192/95, como nas eleições anteriores. Mas nas eleições anteriores houve consulta à comunidade. Então, volto a perguntar: por que foi escolhido esse formato de eleição sem consulta à comunidade?
Assessoria de Comunicação da reitora: Sem resposta.
Gazeta do Povo: Por que a opção por abrir inscrições de candidaturas apenas 3 dias antes da eleição?
Assessoria de Comunicação da reitora: Novamente, a resolução aprovada considerou a legislação vigente e os prazos que a Universidade precisa cumprir para enviar a lista tríplice ao MEC. A UnB seguirá agindo no cumprimento às leis e em respeito à democracia.
Pergunta complementar da Gazeta do Povo: A lei não prevê que as inscrições sejam 3 dias antes da eleição e que os candidatos não tenham tempo para fazer campanha (o que é alvo de crítica dos interessados em concorrer, porque, ao contrário da resposta enviada, não é nada democrático). Volto a perguntar: Por que a opção por abrir inscrições de candidaturas apenas 3 dias antes da eleição?
Assessoria de comunicação da reitora: Sem resposta.
Posicionamento da diretora do Instituto de Física da Universidade de Brasília
Após a publicação da reportagem, Maria de Fátima Rodrigues Makiuchi, Diretora do Instituto de Física da Universidade de Brasília, entrou em contato com a Gazeta do Povo, a fim de esclarecer os fatos veiculados na reportagem “UnB decide escolher reitor sem consultar alunos e professores”, acerca da eleição ocorrida em 2018 para a Direção do Instituto de Física da Universidade de Brasília (IF/UnB).
Conforme documentos enviados pela Senhora Maria de Fátima Rodrigues Makiuchi, as afirmações feitas pelo professor ouvido pela reportagem não procedem, pois a referida eleição transcorreu nos termos da Resolução n.º 005/2018 do Conselho do Instituto de Física, que regulamenta a consulta à Comunidade do Instituto de Física para a Direção e Vice-Direção da unidade.
Afirmou que, à época da eleição, o Instituto de Física possuía 69 docentes (e não “cento e poucos”, como informou o professor ouvido à reportagem) e 29 servidores técnicos-administrativos e que, ao contrário do que a fonte ouvida pela reportagem afirmou, o peso do voto dos professores seria de 0,7 (70%), enquanto o dos servidores técnicos-administrativos e estudantes seria de 0,15 (15%). Isso porque, conforme a própria Resolução vigente, os pesos dos votos têm distribuição não paritária.
Esclareceu também, que a eleição ocorreu em dois turnos com três chapas concorrentes, sendo que a chapa registrada com o número 2 sagrou-se vencedora em primeiro turno com 28,5% dos votos e em segundo turno com 44,1%, recebendo, segundo ela, a maioria dos votos do corpo docente, ao contrário do que a fonte ouvida pela reportagem afirmou.
Por fim, registra que os esclarecimentos apresentados são imprescindíveis, uma vez que todo o processo eleitoral ocorrido no âmbito do Instituto de Física da UnB, esteve balizado pela legalidade e pelo espírito democrático.”
Este conteúdo foi alterado no dia 28/7, após sua publicação original para conter posicionamento da diretora do Instituto de Física da Universidade de Brasília, Maria de Fátima Rodrigues Makiuchi
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