O novo Relatório de Monitoramento Global da Educação publicado pela Unesco, sobre as metas traçadas pelas Nações Unidas até 2030, mostra que o Brasil ainda tem grandes obstáculos para atingir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 (ODS 4), que preconiza a conclusão universal do ensino médio com qualidade. Segundo o documento, o país tem cerca de 1,7 milhão de adolescentes e jovens fora da escola, quase 20% dos estudantes do 3º ano do ensino médio com atraso de mais de três anos no fluxo escolar e níveis pífios de aprendizagem.
Quatro em cada 10 alunos brasileiros do 6º ano, por exemplo, não atingiram o nível mínimo de proficiência em matemática. Em leitura, o índice é de 11%. Segundo o relatório, em termos globais, a pobreza é a grande barreira à educação. Uma análise de 101 países de renda baixa e média mostrou que pobres têm cinco anos a menos de escolaridade do que ricos.
O documento classifica como “decepcionante” o quadro atual, diante dos desafios, e aponta que, se mantido o ritmo, a universalização do ensino médio na América Latina e Caribe só será cumprida em 2095, 65 anos de atraso em relação ao prazo estipulado, 2030.
Para Rebeca Otero, coordenadora de educação da Unesco no Brasil, as desigualdades no acesso e qualidade da educação, em virtude da renda, precisam ser superadas.
“O que o relatório nos mostra é que se você é pobre, está perdido. A educação chega muito menos. E isso tem repercussão em vários aspectos, desde a perpetuação da pobreza, na saúde, no meio ambiente”, aponta a representante da Unesco.
Segundo o documento, o financiamento da educação é um ponto-chave para aumentar o ritmo dos avanços. O Brasil, segundo dados de 2012 usados no relatório, investe 5,9% do PIB em educação e 15,6% do gasto público. Em 2013, ano mais recente com informação oficial, o valor chegou a 6,2% do PIB.
O montante está dentro dos parâmetros mínimos recomendados internacionalmente: 4% a 6% do PIB e de 15% a 20% do gasto público. Para Rebeca, isso não significa que os investimentos públicos são suficientes no país, mas ela cobra a busca por novas fontes e também uma aplicação mais focada.
Baixos salários
Na América Latina, os docentes continuam se destacando pelos baixos salários. No Brasil, educadores da pré-escola aos anos iniciais do ensino fundamental ganham pouco mais de 70% do salário médio de profissionais com a mesma escolaridade. É o terceiro pior entre 13 países comparados no estudo, só perdendo para o Peru e a República Dominicana.
A falta de temas ligados à preservação da natureza e à sustentabilidade na formação dos alunos também foi criticado no relatório. Segundo o texto, no Brasil, Argentina, Uruguai e México, mais de 60% dos estudantes com 15 anos de idade têm apenas conhecimento básico sobre questões ambientais.
Dentro de sala, outro problema é o bullying, duas vezes mais frequente que a agressão física entre estudantes da América Latina. No Brasil, pouco mais de 30% dos estudantes do 6º ano relataram ser vítimas do mau-trato psicológico.
Ao ressaltar a existência de 758 milhões de adultos analfabetos no mundo, o relatório apontou o baixo acesso à educação entre essa população. No Brasil, o índice da população de 15 anos ou mais inscrita em programas de alfabetização é de 4%, embora 9% dos adultos sejam analfabetos (ou 13 milhões de pessoas), conforme o documento.
A falta de educação formal, por sua vez, leva a um uso limitado da tecnologia. O relatório mostra, por exemplo, que apenas 15% dos brasileiros adultos (15 anos ou mais) sabem usar planilhas básicas com fórmulas aritméticas, 25% conseguem enviar e-mails com arquivos anexados e 19% são capazes de encontrar e instalar softwares.
Na Islândia e Noruega, mais de 60% usam planilhas de cálculos e mais de 80% sabem enviar mensagens eletrônicas com arquivos anexados. O único país na América Latina e Caribe com dados sobre isso é o Brasil.
As dificuldades apuradas no relatório demandam, de acordo com a Unesco, uma injeção de US$ 39 bilhões por ano para alcançar o novo objetivo de universalidade da educação primária e secundária de boa qualidade. Isso significa seis vezes mais do que hoje é aplicado via doações, fundos de amparo e outros acordos bilaterais e multilaterais entre os países.
O Brasil é citado no relatório pelo menos oito vezes para chamar a atenção sobre a interação entre educação e temas como violência, planejamento urbano e serviços sociais. Ao lado de Medelin (Colômbia), Curitiba aparece como um caso bem-sucedido de formatação da cidade em sintonia com as necessidade do desenvolvimento sustentável, atrelado às atividades educacionais. O uso de escolas como pontos de partida das mudanças urbanas em Curitiba é elogiado no documento, além do sistema de reciclagem de material e de uso consciente do transporte público.