Os calouros da Universidade de Chicago receberam um aviso claro no último dia 24 de agosto: não serão protegidos de ideias das quais discordem ou lhes pareçam agressivas. O recado, enviado por carta, desencadeou um grande debate sobre a liberdade de expressão no ensino superior nos Estados Unidos.
Veja a carta enviada aos alunos
Há anos, para evitar desconforto aos alunos em temas que possam evocar traumas ou ferir sensibilidades, alguns professores universitários do país passaram a incluir nos programas das matérias avisos sobre a existência de conteúdos fortes, que podem causar desconforto nos alunos, os chamados ‘trigger warnings’. A prática surgiu principalmente a partir de reivindicações de grupos considerados vulneráveis socialmente (pessoas que sofreram abuso sexual, racismo, etc.) em relação a matérias dos cursos de humanas.
A mais conhecida talvez seja a reclamação que ocorreu em 2015, na Universidade de Columbia, quando uma estudante que tinha sido vítima de abuso sexual se sentiu desconfortável ao ler partes que relatam ação parecida na Metamorfose de Ovídio – o professor não deu atenção à demanda e o caso foi amplamente discutido na academia e nos meios de comunicação. Outros casos polêmicos apareceram em seguida: como o de um aluno que pediu o aviso pré-leitura de que “O Grande Gatsby” contém violência e suicídios ou de um grupo de estudantes que boicotou uma mesa redonda porque um dos palestrantes achava que o termo “cultura do estupro” era um exagero.
A carta da Universidade de Chicago, após afirmar a importância dada à liberdade de expressão, declarou que a instituição não cancela palestrantes convidados pela possibilidade dos seus argumentos serem controversos e nem tolera a criação de espaços intelectuais seguros (‘safe spaces’), em que, de acordo com a instituição, “pessoas podem evitar ideias e perspectivas em desacordo com suas próprias opiniões”.
As reações foram retumbantes, tanto de um lado quanto de outro. Para alguns, o texto da Universidade de Chicago é insensível e pedante, não protege e nem se importa com os estudantes, além de dar a entender que precauções ao conteúdo são infantis e imaturas. Outros afirmam que, apesar de serem boas práticas (os trigger warnings e os safe spaces), a preocupação exagerada pela saúde psíquica e afetiva dos estudantes pode gerar excessos que comprometam a discussão de ideias, ao mesmo tempo que o professor não tem como conhecer o passado de seus alunos. Por outro lado, ao invés de procurar ajuda para enfrentar seus traumas ou saber lidar com argumentos diferentes, estudantes podem se acostumar a procurar refúgios – e sair despreparados da universidade para a vida real.
Em tempos de debate sobre iniciativas como o Programa da Escola sem Partido, esse tipo de discussões não estão longe de recrudescer no Brasil.