Em março, a Câmara rejeitou a possibilidade de que universidades públicas ofereçam cursos pagos de pós-graduação lato sensu, como especializações. Pouco tempo depois, o STF foi na direção contrária e liberou a prática. Mas, em um momento de crise para as instituições federais de ensino, por que não ir além? Por que não permitir a cobrança de mensalidades para todos os cursos?
Público não é necessariamente sinônimo de gratuito. E isso deve valer para as universidades também.
Tradicionalmente, quem frequenta as universidades públicas brasileiras são os mais ricos cuja família pôde bancar uma boa escola particular. A gratuidade significa, na prática, que impostos pagos pelos mais pobres estão ajudando a bancar o ensino dos mais abastados. Embora a distorção seja evidente, ainda são poucas as vozes a defender uma mudança ampla no regime atual. Uma delas vem da esquerda.
O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) foi ministro da Educação do governo Lula e, antes disso, governador do Distrito Federal pelo PT. Cristovam é também um homem da academia. Ele ocupou o cargo de reitor da Universidade de Brasília (UnB), onde foi professor de Economia. Suas convicções de esquerda, diz, são o que motivam sua oposição à gratuidade universal nas universidades públicas.
Cristovam defende que cursos “de interesse público”, como os voltados para a formação de professores, devem permanecer como estão. A Medicina seria gratuita – mas quem escolhesse trabalhar no setor privado teria uma cobrança adicional no Imposto de Renda. Em outros cursos, o senador acredita que deve haver mensalidades.
“É correto o povo bancar a formação de publicitários quando eles já está sobrando? Hoje nós temos mais advogados do que o resto do continente americano junto. Justifica a gente tirar verbas do Estado, que está sem dinheiro, para bancar esses alunos?”, indaga.
Já o professor de Administração da UnB José Matias-Pereira defende um sistema mais simples: todos os cursos seriam pagos para quem tivesse condições financeiras. Para os mais pobres, bolsas de estudo.
“O Brasil precisa necessariamente debater o modelo atual, porque o sistema público está entrando em colapso. Provavelmente, em dois ou três anos essas universidades vão ter de reduzir seus cursos”, diz ele, em referência à crise financeira que atinge instituições como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Muito dinheiro para poucos
As alternativas variam, mas todas coincidem no diagnóstico do problema: a má alocação dos recursos públicos na educação. Sim, má alocação e não escassez. Em termos de proporção do gasto público, o país investe mais em educação do que a Suíça, a Coréia do Sul e o Reino Unido (12.8% contra 10.8%, 9,7% e 9%, respectivamente). Os dados são da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Já o International Comparative Higher Education and Finance Project, da Universidade de Buffalo, no estado americano de Nova York, comparou o acesso à educação em países de todo o mundo. No capítulo dedicado ao Brasil, a conclusão é que o modelo de ensino gratuito é regressivo – ou seja, transfere rende dos mais pobres para os mais ricos.
“Nesse contexto, o aumento da divisão de custos – especialmente a introdução de mensalidades nas universidades públicas – poderia tornar possível a relocação de recursos públicos para a expansão da capacidade”, diz o estudo.
O relatório diz ainda que a cobrança de mensalidades poderia também ajudar a aumentar a igualdade, já que os mais ricos “estariam ao menos arcando com uma parcela maior dos custos da educação superior de seus filhos”.
De acordo com outro estudo da OCDE, o Brasil gasta quatro vezes mais por o estudante universitário do que com o aluno de outras etapas da educação. Nenhum outro país analisado teve uma proporção tão alta. Na Coreia do Sul, normalmente citada como um bom exemplo de revolução na educação, os gastos por estudante no ensino superior são apenas 50% maiores. Lá, a prioridade de investimento são as crianças.
Falácia
Uma das reações à proposta de cobrança de mensalidade no ensino superior é a de que esse sistema restringiria o acesso à universidade. Há, entretanto, evidências do contrário.
Um estudo do Manhattan Institute for Policy Research, por exemplo, não identificou essa correlação. Pelo contrário: entre os países do G-7, os três que possuem ensino superior gratuito (França, Alemanha e Itália) têm parcelas menores da população com diploma universitário do que os que adotaram um sistema com cobrança (Japão, Canadá, Estados Unidos e Inglaterra).
A proposta de cobrança de mensalidades é de execução difícil porque exige uma mudança na Constituição. Mais do que isso: enfrenta a resistência de grande parte dos políticos, especialmente na esquerda. Quando a Câmara votou a possibilidade de cobrança para cursos lato sensu, houve maioria em favor da flexibilização das regras atuais: 304 votos contra 139. Mas, para alterar a Constituição, seriam necessários 308. E o debate seria imensamente mais acirrado caso os cursos de graduação, mestrado e doutorado estivessem em jogo.
Mas a resistência ideológica precisa ser subjugada pelos fatos. Os políticos e entidades de esquerda são hoje os maiores defensores de um sistema que é público, gratuito e em favor dos mais ricos.
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