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Entenda os motivos que levaram à demissão de Vélez Rodríguez

Ricardo Vélez Rodríguez. Foto: Renato Costa | Estadão Conteúdo (Foto: ESTADÃO CONTEÚDO)

Após três meses à frente do Ministério da Educação (MEC), o colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, de 75 anos, foi destituído da pasta nesta segunda-feira (8). Na manhã de hoje, no twitter, Bolsonaro anunciou o economista Abraham Weintraub como novo ministro da Educação.

Classificada como insossa ou fraca por alguns e desastrosa por outros, a curta administração de Vélez à frente do Ministério da Educação (MEC) conseguiu desagradar militares, seguidores de Olavo de Carvalho, bolsonaristas, seus próprios ex-alunos e, sem contar, é claro, a oposição.

Confira abaixo quais foram os fatos que culminaram com a queda do ministro.

Dezembro de 2018: Tensão ao entrar na equipe de transição do governo

Recebido com simpatia pelos aliados de Bolsonaro que já trabalhavam na mudança de governo – militares, alunos do escritor Olavo de Carvalho (considerado o "guru" da família Bolsonaro) e poucos políticos –, Vélez causou a primeira má impressão ao começar a se isolar com o recém-chegado Ricardo Wagner Roquetti, coronel-aviador da reserva da Aeronáutica, ligado ao Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA).

Sob influência de Roquetti, alguns nomes que trabalharam durante a campanha com um projeto de mudança “mais radical” para o MEC foram afastados.

Começado o governo, Roquetti foi nomeado assessor especial de Vélez. Junto a Vélez, Roquetti conseguiu colocar na Secretaria Executiva, o cargo mais importante no MEC, Luiz Antonio Tozi, ligado ao Centro Paula de Souza, reduto do PSDB e do DEM.

Segundo se queixaram os alunos de Olavo de Carvalho e outros integrantes do MEC da área mais “ideológica” do governo, Roquetti trabalhava nos bastidores para impedir o trabalho da Lava Jato da Educação e para evitar que empresas perdessem seu lugar em contratos firmados nos últimos anos.

Os apoiadores de Roquetti, por outro lado, afirmavam que o coronel-aviador percebia que os posicionamentos ideológicos de Vélez causavam desgastes a Bolsonaro e pretendia influenciá-lo para que decisões técnicas fossem priorizadas.

1º. de fevereiro: “O brasileiro viajando é um canibal”

Um fato curioso, mas também na conta da derrocada de Vélez, foi o conteúdo da entrevista dada por ele às páginas amarelas da revista Veja.

Em um determinado momento, para defender a volta da educação moral e cívica nos currículos escolares, Vélez usou como exemplo os “adolescentes que viajam”. “O brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisas dos hotéis, rouba assentos salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo. Esse é o tipo de coisa que tem de ser revertido na escola”.

A frase infeliz e a reação negativa de diversos setores da sociedade fizeram com que Vélez fosse tachado abertamente de “despreparado” para estar à frente do MEC.

E Vélez demorou para responder. Só no dia 18 de fevereiro, após ser notificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para se explicar pelo ocorrido, o ministro pediu desculpas no Twitter.

25 de fevereiro: Hino nacional com slogan de Bolsonaro nas escolas

Talvez um dos erros mais torpes cometidos pelo ministro foi o de concordar em enviar uma carta a escolas públicas e particulares do país pedindo para que os diretores colocassem os alunos em fila para cantar o hino nacional e ler uma mensagem, assinada por Vélez, que terminava com o slogan de campanha de Bolsonaro “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. O ato deveria ser filmado e enviado ao MEC.

Novamente, uma enxurrada de críticas, principalmente pela leitura do slogan nas escolas, inundou os canais do MEC. O ministro, no dia seguinte, afirmou ter percebido o erro e voltou atrás.

O equívoco, porém, atiçou ainda mais a guerra interna do MEC. Seguidores de Roquetti acusavam a ala mais ideológica, os alunos de Olavo de Carvalho e seus amigos, pela ideia de enviar a carta às escolas. Já os “olavistas” ou “olavetes”, como são conhecidos esses últimos, culpavam Roquetti pela ideia, julgando ainda que ele teria instigado o ministro a realizar o ato com o objetivo de desmoralizá-lo. Nenhuma dessas versões foi confirmada.

Mas a tensão só crescia dentro do MEC.

7 de março: Dança das cadeiras: olavistas rebaixados

De repente, a internet ficou em polvorosa. Depois de vários boatos de que pessoas ligadas ao grupo de alunos de Olavo de Carvalho dentro do MEC estavam sendo rebaixadas para cargos de menos importância, Silvio Grimaldo de Camargo, até então assessor especial do ministro Vélez, anunciou a existência de um suposto “expurgo no MEC” que seria “a maior traição dentro do governo de Jair Bolsonaro”. E o principal responsável pela movimentação de cargos seria Roquetti.

No dia seguinte, Olavo de Carvalho, em uma série de mensagens no Twitter, pediu para que seus alunos saíssem do governo. “Jamais gostei da idéia [sic] de meus alunos ocuparem cargos no governo”, escreveu Carvalho, “mas agora já não posso me calar mais”. E continuou: “Todos os meus alunos que ocupam cargos no governo – umas poucas dezenas, creio eu – deveriam, no meu entender, abandoná-los o mais cedo possível e voltar à sua vida de estudos”.

10 de março: Bolsonaro pede e Vélez obedece: Roquetti é afastado

O pedido de Olavo de Carvalho, feito na sexta-feira (8 de março), para que seus alunos saíssem do governo repercute mal na esfera mais próxima de Jair Bolsonaro. No domingo, 10 de março, Vélez é chamado para conversar com o presidente no Palácio do Alvorada e o pedido é claro: demitir Roquetti.

E Vélez obedece. Na segunda-feira, 11 de março, Roquetti confirmou ter sido avisado de que seria afastado do governo.

Ao mesmo tempo, em meio a boatos de que Vélez também seria demitido, Bolsonaro confirmou que o ministro continuava no cargo e minimizou as desavenças: “Eu tenho cinco filhos e tenho problemas de vez em quando. Imagina com 22 ministérios?”, afirmou o presidente.

14 de março: Vélez é pressionado por todos os lados, e erra na escolha

Após o afastamento de Roquetti, o escritor Olavo de Carvalho ainda não estava satisfeito. Ele queria também a cabeça de Luiz Antonio Tozi.

“O ministro Vélez deu um sinal de compromisso com o projeto que o colocou lá e com a vontade popular ao demitir o Coronel Roquetti, mas precisa concluir a limpeza e tirar todo mundo que foi colocado lá pelo Roquetti. […] É preciso mandar todos para a rua, a começar com o tal Tozi, que estava capitaneando a operação com o Roquetti”, afirmou o escritor nas redes sociais.

Tozi, pela sua relação com o PSDB, era visto pelos olavistas como um entrave para as mudanças necessárias no MEC. Vélez não aguenta a pressão e, em 12 de março, anuncia a saída do secretário-executivo.

Coagido por todos os lados, Vélez começa uma trapalhada atrás da outra: anuncia Rubens Barreto da Silva para o cargo, nome ligado a Roquetti, o que não satisfaz os olavistas. Dá-se conta do erro e, dois dias depois, tira Rubens e confirma Iolene Lima para o cargo, outra indicada pelo grupo do coronel-aviado – o que acarreta nova briga interna no MEC, com manifestações de todos os lados.

O MEC parecia um barco desgovernado.

20 de março: Comissão para avaliar o Enem

Vélez é pressionado para explicar por que foi criada uma comissão dentro do Inep para avaliar o banco de questões do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Técnicos do MEC, com medo de patrulha ideológica sobre as questões, vazaram na imprensa o seu temor pelo trabalho do grupo, formado por olavistas.

Segundo informou a portaria do Inep, órgão do MEC responsável pelo Enem, a comissão faria uma “leitura transversal” das questões que compõem o Banco Nacional de Itens com o objetivo de verificar “sua pertinência com a realidade social, de modo a assegurar um perfil consensual do Exame”.

Dias depois, Vélez defendeu a comissão e disse não existir nenhum caráter de avaliação ideológica nela, como foi acusado. Dentro do MEC, porém, a afirmação não convenceu.

22 de março: A saída de Iolene e o silêncio (eloquente) de Vélez

Na última sexta-feira, 22 de março, Iolene Lima comunicou no Twitter que não seria mais nomeada como secretária executiva do MEC. Em mensagem ela simplesmente afirmou que “não sabia o que dizer”.

Muito menos Vélez, que permaneceu em silêncio sobre o tema, tentando demonstrar normalidade nas suas últimas ações no governo.

O governo ficou sem ninguém na Secretaria Executiva até o dia 29 de março.

25 de março: MEC desiste de avaliar o nível de alfabetização das crianças – e volta atrás

Uma portaria do Inep, órgão do MEC, instaurou um novo redemoinho para Vélez. Veio a público que o Inep teria decidido não avaliar o índice de alfabetização de crianças do país até 2021; como a última verificação havia sido feita em 2016, seriam cinco anos sem acompanhar nível dos alunos nos primeiros anos nas escolas de ensino fundamental.

A decisão levou a secretária de Educação Básica, Tania Leme de Almeida, a pedir demissão. “Não deveria haver política pública sem métrica e sem avaliação. A interrupção intempestiva de uma série história poderia vir a ter consequências indesejáveis sobre a análise de evidências e o balizamento de ações em todo território nacional”, escreveu.

Tânia já era atacada pelos alunos de Olavo de Carvalho por ter sido indicação do ex-secretário executivo Luiz Antonio Tozi. No dia seguinte, 26 de março, Vélez recuou mais uma vez em decisões de sua equipe e revogou a portaria.

26 de março: Vélez demite presidente do Inep e olavista é poupado

A ameaça de não avaliar o nível de alfabetização das crianças do país terminou em uma briga, em altas vozes, de Vélez com o presidente do Inep, Marcus Vinicius Rodrigues, no gabinete do ministro.

No mesmo dia, Marcus Rodrigues foi exonerado e saiu atirando. Segundo ele, o responsável por cancelar a avaliação das crianças teria sido Carlos Nadalim, secretário de Alfabetização e ligado ao grupo de Olavo de Carvalho. “Não é um assunto que conheço. Pedi para Nadalim fazer um ofício justificando o pedido”, disse.

Para Marcus Rodrigues, Nadalim foi poupado no episódio, que representava mais uma vez a incompetência de Vélez. “O Brasil precisa de um ministro da Educação que tenha responsabilidade de gestão, competência e experiência”, disse Rodrigues em entrevista ao Estado de S. Paulo.

27 de março: Vélez: “Só me demito se o presidente da República pedir”

Vários parlamentares questionaram, na ocasião, sobre as últimas trapalhadas do governo e, abertamente, por que ele não pedia demissão. Vélez respondeu a todas as perguntas e foi bem claro: “Só me demito se o presidente da República pedir, se ele achar que minha colaboração não está sendo adequada”.

29 de março: Bolsonaro (não Vélez) nomeia militar para cargo número 2 do MEC

Em meio a boatos de que teria sido proibido de nomear pessoas, Vélez assistiu à nomeação do militar Ricardo Machado Vieira para a secretaria executiva. Não houve nenhuma manifestação de Vélez sobre o fato.

Ricardo Machado Vieira é tenente-brigadeiro, ex-chefe do Estado-Maior da Aeronáutica.

Último capítulo: a saída do ministro

O comunicado da sua saída já era esperado por todos: pela esfera mais próxima de Bolsonaro, pelos amigos e inimigos dentro e fora do MEC.

Espera-se que seja ele capaz de dar andamento à Lava Jato da Educação e saiba gerenciar as diferenças ideológicas que persistem dentro do MEC. Tendo em conta a importância da pasta, não só pelo tema, mas pelo orçamento e capilaridade – é o terceiro maior orçamento entre os ministérios, de R$ 122 bilhões, com uma ampla rede de ensino e de influência – todos torcem para que Weintraub consiga, finalmente, levar para frente as pautas necessárias de educação.


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