Um dos efeitos mais nocivos da crise pela qual passa a Venezuela é a pane na educação. Professores e alunos, com fome e sem dinheiro, abandonaram as salas de aula e as escolas, principalmente as particulares, fecharam as portas. A extensão do estrago, porém, é ainda desconhecida: em 2003, Maduro deixou de fazer pesquisas sobre a qualidade da educação no país e, desde então, se nega a participar de avaliações internacionais. Compreensível.
Na classe média, a redução do poder de compra criou um êxodo de estudantes de escolas privadas para escolas públicas. As instituições que conseguem permanecer em meio à crise recebem os estudantes das escolas fechadas e veem as salas de aula lotarem. As turmas de uma escola em Caracas, por exemplo, cresceram de 30 para 50 alunos.
“Com o salário mínimo 35 vezes maior e a proibição de aumentar as mensalidades, os proprietários de uma escola particular que fechou (localizada em um setor historicamente de classe média) não teriam dinheiro suficiente para pagar seus empregados”, conta Braulio Polanco em artigo no jornal local Caracas Chronicle. O fenômeno é crescente: neste ano, pelo menos 400 escolas particulares fecharão as portas devido à falta de alunos, que estão saindo da rede privada e se matriculando em escolas públicas, de acordo com dados da Associação Nacional de Instituições de Ensino Particular em Caracas.
A rede pública também está perdendo alunos: com cortes de energia, água, escassez de comida e falta de transporte, quase três milhões de crianças deixaram de ir à escola regularmente ou evadiram, de acordo com o estudo Encovi (Encuesta sobre Condiciones de Vida en Venezuela), desenvolvido por três universidades venezuelanas.
“As escolas e os liceus encontram-se em condições precárias, sem laboratórios e com dificuldades em obter serviços públicos básicos como produto de uma política que coloca a qualidade da educação como a última das suas prioridades”, aponta Tulio Ramirez, especialista em educação da Universidade Central da Venezuela.
Em Caucagua, cidade a aproximadamente 75 quilômetros de Caracas, a escola pública Miguel Acevedo, atendeu a três do total de 65 alunos do ensino fundamental, segundo a diretora Nereida Veliz. Ela ressalta que os alunos perdem em média metade dos 200 dias letivos, e é por isso que o desempenho escolar no país “é bastante baixo”.
A definição do desempenho baixo, entretanto, como já foi dito, é obscura: desde 2003, o governo socialista eliminou o Sistema Nacional de Avaliação de Aprendizagem (SINEA), órgão do Ministério da Educação encarregado de monitorar o desempenho dos estudantes venezuelanos. Ao mesmo tempo, o governo de Hugo Chávez se recusou a participar de testes internacionais para medir o desempenho dos estudantes, como o teste Pisa. “Em termos de avaliação e desempenho dos alunos, o país está totalmente no escuro”, diz Ramirez. “O governo criou um sistema escolar pobre para os pobres”, ressalta.
Ramirez aponta um possível indicador da qualidade da educação: os resultados malsucedidos que os estudantes venezuelanos têm em universidades de prestígio no país.
“Estudantes em escolas públicas têm dificuldade em manter um desempenho aceitável em estudos universitários por causa das poucas ferramentas que dominam devido a um bacharelado marcado pela ausência de professores em disciplinas como biologia, química, física e matemática”, explica.
Desmaios na escola
Um dos motivos para os pais pararem de mandar os filhos para a escola é a fome que já assola 3,7 milhões de pessoas no país. A inflação atinge 1.000.000% ao ano, um recorde mundial; 61% da população vive em situação de extrema pobreza; 81% diz não ter dinheiro para comprar comida suficiente para se alimentar; 64% perdeu pelo menos 11 kg nos últimos anos.
“A desnutrição afeta gravemente os alunos porque causa falta de concentração, incapacidade de atingir habilidades acadêmicas e suas habilidades cognitivas estão sendo seriamente afetadas”, diz Elvira Ojeda, do Movimiento Padres Organizados de Venezuela, organização de pais e representantes de escolas públicas e privadas. Segundo ela, casos de desmaio dos alunos durante o horário escolar devido à falta de comida são constantes – e também ocorre em menor grau no corpo docente.
O Estado venezuelano oferece um programa social denominado Programa de Alimentação Escolar (PAE), que deve garantir pelo menos duas refeições a todos os alunos das escolas públicas do país, mas esse programa não chega nem a 50% dos alunos.
“Os alimentos são recebidos apenas duas vezes por semana e a comida é de baixa qualidade, não atende aos padrões estabelecidos pelo instituto nacional de nutrição: somente arroz ou grãos, sem proteínas, muitas vezes vegetais em mau estado”, conta Elvira.
Sem subsídios na escola pública para alimentar os alunos, a tarefa é assumida parcialmente por organizações não governamentais, como a Fé e Alegria, instituição jesuíta que oferece oportunidades educacionais e está subsidiando alimentação e materiais escolares por meio de dinheiro arrecadado com campanha de crowdfunding. “Pessoas famintas não conseguem ensinar nem aprender”, diz Víctor Venegas, presidente da Federação de Trabalhadores da Educação da Venezuela. “Vamos nos tornar uma nação de analfabetos”, alerta.
Professores distantes
A evasão também afeta os professores: todo dia, entre 30% e 40% dos professores venezuelanos não aparecem na escola, principalmente porque estão na fila de comida ou remédios. Há ainda a parcela de professores que abandonam a profissão para sair do país ou buscar uma ocupação mais rentável. No primeiro semestre deste ano, 20% dos professores venezuelanos pararam de trabalhar, segundo estimativa da Associação de Professores da Venezuela.
Os salários baixos e inflação alta tornaram a profissão docente pouco atrativa. “Os salários miseráveis obrigaram professores a fugir do país em busca de melhores horizontes. A falta de recursos e a hiperinflação galopante tiveram um impacto em sua crescente deterioração”, explica Ramirez.
De acordo com Tomas Páez, sociólogo da Universidade Central da Venezuela e autor do livro A Voz da Diáspora Venezuelana, os professores deixam os cargos porque gastam mais dinheiro em transporte e comida do que recebem em salário do Ministério da Educação.
Páez aponta três motivos para as pessoas deixarem o país: o principal é porque “o socialismo está destruindo o país”. Segundo ele, a onda migratória começou no primeiro dia após Chavez assumir o poder: “As pessoas leram sobre o que aconteceu, havia um sentimento de que o comunismo ou socialismo seria instaurado na Venezuela, então as pessoas decidiram sair já no primeiro dia, em 1998”.
Desemprego
De um lado, as escolas sofrem com a escassez de professores. Do outro, o desemprego afeta as famílias dos estudantes – e toda a população. Quase 70% dos venezuelanos estão desempregados ou no setor informal; 60% das empresas desapareceram. “Não há oportunidades de emprego no setor formal”, diz Páez
A solução encontrada por algumas escolas é colocar os pais dos alunos na tarefa de lecionar – muitos deles sem formação especializada ou experiência em educação. É o caso de Moraima de Ramirez, mãe de uma aluna de segundo ano que foi chamada para substituir professores. Moraima estava estudando engenharia até a faculdade fechar em meio à crise; hoje, ensina Matemática e Física na escola adventista que a filha frequenta na região de Caracas.
“Quando os alunos começaram a chegar às aulas e os professores não apareciam, expressamos nossas profundas preocupações ao Ministério da Educação, mas a resposta deles foi que isso era um problema nacional e, portanto, eles nos autorizaram a continuar com nossos pais-professores, independentemente do fato de que eles não eram professores profissionais”, diz Nohiralys Sánchez, administradora do Colégio Adventista Alejandro Oropeza Castillo, ao Miami Herald. “Quero ajudar a minha escola, mas estou preocupada com a situação no meu país: crianças precisam de professores adequados.”
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