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Leitura obrigatória

Vestibulandos fazem cronograma para ler dezenas de livros indicados pela UFPR

Pelo que tudo indica, as mudanças no concurso da Universidade Federal do Paraná (UFPR), feitas ano passado, aumentaram ainda mais o mercado oficial e o paralelo em busca de livros. Segundo matéria publicada pelo Caderno do Estudante, da Gazeta do Povo, nesta segunda-feira, com a entrada de questões abertas na segunda fase, o chão tremeu nos cursinhos, botando a perigo os cômodos resumos e macetes ensinados a torto e a direito. A interpretação dos livros, nesse contexto, surgiu como um exercício sob medida para os alunos.

Quando o estudante Fernando Graf, 16 anos, chega no Farol do Saber Machado de Assis – na Vista Alegre – as bibliotecárias já sabem o que procurar nas estantes. O aluno do terceirão no Colégio Dinâmico está atrás de mais um dos livros indicados para o próximo vestibular da UFPR – que acontece em dezembro. Ele já leu três.

Faltam sete, marca que precisa vencer para obter um bom desempenho no concurso – no qual vai tentar uma vaga em Economia. "Sigo um cronograma rígido", avisa, com a vantagem do expediente de páginas e páginas a vencer não representar uma unha encravada de sofrimento."Gosto de ler", diz Fernando, aluno egresso da escola pública e um dos muitos que estão se organizando para dar conta da cota de leituras estabelecida pela mais importante universidade do estado.

A corrida atrás dos exemplares costuma ser uma maratona olímpica, obrigando as bibliotecas públicas a elaborarem listas de espera, diminuir os prazos de entrega e lidar com a ansiedade dos vestibas.

Saia-justaMotivar os candidatos à leitura sempre foi uma saia-justa para os pré-vestibulares. Para essa tarefa, uma das maiores especialidades dos cursinhos – as aulas-espetáculo, forradas de equações cantadas, historinhas engraçadas e piadas infalíveis – têm pouca serventia. O método tablado e microfone de ensino dificilmente pode traduzir o mistério que envolve Capitu, a anti-heroína de Dom Casmurro, de Machado de Assis; ou a paixão religiosa de Zé-do-Burro, o penitente de O Pagador de Promessas, de Dias Gomes.

No Curso Positivo, a estratégia para acertar o passo tem sido ler fragmentos dos livros em sala de aula, forçando os alunos a abrirem mão do tráfico de resumos. "Tem sido uma aventura mais do que ecológica. É aventura radical", brinca o veterano Braz Ogleari, professor de Língua Portuguesa e Literatura com três décadas de magistério nas costas. Ele aposta no mais antigo e eficaz dos argumentos – o da necessidade. "Tem de ler mesmo que não goste. Existe um problema a ser resolvido. Que seja agora", afirma, de posse de uma crença que o acompanha desde a era "pré-vestibular", com perdão ao trocadilho: é possível se tornar leitor mesmo em situações adversas. Para tornar a tarefa menos dolorosa, Braz se esmera nas comparações e no uso de seu dom histriônico, mostrando que todas as obras têm a ver com o mundo-de-meu-deus – um tsunâmi com Lula, Bento 16, Bush, desemprego, corrupção e tragédias pessoais. "Temos de ser realistas: 70% dos alunos não vão ler os livros. Preguiça dá em qualquer um. Motivá-los exige um esforço danado".

No Curso Expoente, a maratona para aumentar o contingente de leitores funciona como uma espécie de "medicina preventiva". Desde o primeiro ano do ensino médio os estudantes se vêem às voltas com a literatura indicada pela UFPR. E no cursinho está proibido dar dicas de "leitura fácil" – aquela que sugere existir uma "vereda menos estreita" do que pegar os livros e se "abraçar" com eles. Em outubro, um grande seminário – aberto à comunidade – promete ser um momento de glória... para quem leu. "Vamos nos reunir com especialistas para discutir as obras", explica o diretor do pré-vestibular, Renaldo Franque.

Como Braz, ele acredita que sob pressão também nascem leitores. A depender da rotina da estudante Camila Maciel de Souza, 16 anos, do Expoente, a teoria do "tem de ser agora" se confirma. A jovem que quer entrar no disputadíssimo curso de Engenharia de Bioprocessamento – cujo escore é de dar medo até no físico Stephen Hawking – não é propriamente uma leitora de garfo e faca. Ela admite que, se pudesse, usaria o tempo gasto com prosa e poesia para estudos de ciências exatas. Mas sabe que precisa ter um desempenho acima da média. Não deu outra: organizou-se, já leu quatro livros – dois comprados num sebo a R$ 6 cada – e está na metade do literalmente fantástico Seminário dos Ratos, de Lygia Fagundes Telles. "Leio no intervalo, depois do almoço e antes de dormir", diz Camila. Desânimo mesmo, só diante de um boato que ouviu nos corredores. "Me disseram que Memórias (de um Sargento de Milícias, de Manuel A. de Almeida) é chato. Será?". Duvido!

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