Os trotes universitários, uma tradição quase tão antiga quanto as instituições de ensino superior, estão sendo gradativamente banidos das universidades brasileiras. Apesar da necessidade de coibir excessos e o uso da violência, a proibição da prática está também apagando um rito de passagem importante.
Neste ano, por exemplo, a UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto) aprovou uma resolução que bane, além de práticas violentas e discriminatórias, quaisquer atos que “estabeleçam e/ou reforcem situações de hierarquia definidas por tempo de residência, tempo de universidade, gênero e sexo, cursos e áreas de formação, dentre outros, imprimindo relações de subordinação e desrespeitando a diversidade”.
Na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), uma resolução aprovada em 2014 vetou de forma expressa “qualquer forma de trote estudantil”. A Universidade de Brasília aprovou uma medida semelhante em 2012. A Universidade Federal de Alfenas, no ano passado. A PUC-RIo, em março deste ano.
A proibição dos trotes também alcançou a esfera legislativa. Há três meses, a Câmara de Vereadores de Campinas (SP) aprovou uma lei que prevê multa de até R$ 2, 2 mil para quem praticar trotes. A regra proíbe, dentre outras coisas, atos que ameacem a “integridade físical, moral e psicológica dos estudantes”, e inclui “raspagem ou pintura de cabelo”.
Na cidade de Pelotas (RS), uma lei municipal aprovada em há cinco anos proíbe o uso de vias públicas para trotes que exponham alunos “de forma vexatória”. A cidade sedia a UFPel, universidade federal que tem quase 20 mil alunos.
Presidente Prudente (SP), adotou uma medida ainda mais radical em 2015: proibiu qualquer tipo de trote na cidade. A medida inclui, por exemplo, “a pintura dos calouros” e “a solicitação de dinheiro em semáforos”.
Na Câmara Federal, um projeto de lei que torna contravenção a prática de trote universitário foi aprovado em 2009. Mas a matéria nunca foi apreciada pelo Senado.
Tradição
Os trotes universitários existem pelo menos desde o século 14, quando práticas do tipo já estavam presentes em universidades europeias.
No Brasil, a discussão sobre os excessos se acentuou em 1999, com a morte do calouro Edison Hsueh durante um trote dos alunos de Medicina da USP (Universidade de São Paulo). Ele se afogou na piscina durante a recepção aos novos alunos.
Mais recentemente, além da violência física, a reação aos trotes inclui a rejeição a termos considerados homofóbicos e machistas, ou humilhantes para os calouros.
Rito de passagem
Os chamados “trotes do bem”, que promovem ações beneficentes, têm ganhado espaço no lugar dos ritos tradicionais. Mas a versão politicamente correta do rito de passagem por vezes retira dos calouros a noção do sacrifício, ainda que simbólico, que os permite se integrar a um novo grupo.
Há dois anos, a psicóloga Simone Dreher assistiu ao trote do filho na PUCPR: um banho de lama. “Eu achei o ambiente agradável, com a participação da família e a confraternização com os amigos”, diz.
Simone acredita que, se bem organizado, o trote é uma celebração bem-vinda: “É uma comemoração que combina com o ambiente universitário, porque é lá que o estudante vai estar nos próximos anos. É a universidade dando boas vindas ao aluno que está chegando”.
Para o psicólogo Fabio Iglesias, professor da Universidade de Brasília, o trote pode ser um marco positivo na vida do estudante. “Existe uma série de estudos mostrando que as pessoas valorizam mais o grupo do qual elas fazem parte quando o acesso é dificultado”, explica.
Ele defende uma solução “nem oito, nem oitenta”: para Iglesias, o que deve ser banido são as práticas violentas. “Rituais de iniciação são comuns a muitos tipos de grupos e cumprem uma função positiva de socialização”, diz.
Mas, se a tendências das universidades brasileiras se mantiver, a tradição dos trotes deve continuar perdendo espaço.
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