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“Sempre estudei em escolas públicas de periferia. Do meu colégio, nos últimos dez anos, dá para contar na mão quem entrou na universidade.”  -Michael Dionísio de Souza, aluno de Direito na UFPR | Antônio More
“Sempre estudei em escolas públicas de periferia. Do meu colégio, nos últimos dez anos, dá para contar na mão quem entrou na universidade.” -Michael Dionísio de Souza, aluno de Direito na UFPR| Foto: Antônio More

Depoimento

"Acordo cedo, tomo café da manhã na Casa do Estudante Luterano Universitário (Celu) e pego o ônibus para a faculdade. A aula começa às 7h30. No biarticulado são 35 minutos para se equilibrar nas curvas e aproveitar para estudar. Chego à faculdade e tenho as várias aulas do nosso curso integral. Na hora do almoço faz falta um ‘restaurante universitário’ em faculdades particulares, o que encarece o custo da alimentação. Em todo o bairro Bigorrilho não encontramos prato por menos de R$ 7."

Veja o depoimento completo da bolsista e estudante de Medicina Weber Ribolli Moragas

Dificuldades começam antes da entrada

De acordo com Regina Miche­­lotto, mesmo com a existência de cotas ou bônus para alunos de escolas públicas, cursos de maior prestígio, como Medicina ou Engenharia, costumam atrair menos candidatos de baixa renda. "Alguns cursos exigem que o aluno tenha livros caros e só estude, porque as aulas são em horários diferentes", afirma. Aluno de Direito na UFPR, Michael Dionísio de Souza conta que a concorrência de alguns cursos e a aura criada em torno das instituições públicas fazem com que alunos mais pobres não se vejam como potenciais candidatos. "Sempre estudei em escolas públicas de periferia. Do meu colégio, nos últimos dez anos, dá para contar na mão quem entrou na universidade. O mais comum é nem tentar a Federal", diz.

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Para uma formação democrática

Gláucia Villas Bôas, professora do Departamento de Sociologia da UFRJ e autora do artigo "Seleção e partilha: excelência e desigualdades sociais na universidade", publicado em 2001 pela revista acadêmica Teoria & Sociedade, fala sobre os efeitos das diferenças.

Leia a entrevista

  • Para o estudante Geraldo Costa, determinação é fator decisivo na universidade

Fazer universidade não é a mesma coisa para todo mundo. Enquanto alguns colegas de Medicina de Geraldo Costa, 32 anos, podem aproveitar o fim de semana para participar de congressos fora do país, o estudante depende de bolsa-moradia, bolsa-alimentação e bolsa-permanência de R$ 315 para se manter na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Durante três anos, ele também precisou trabalhar em uma churrascaria, aos domingos, para complementar a renda. Como resultado, o tempo para a preparação profissional fica mais curto e é preciso reorganizar o calendário.

"A principal dificuldade do aluno de baixa renda é a falta de tempo devido à necessidade de trabalhar para se sustentar ou ajudar em casa", afirma Wilson Mesquita de Almeida, doutorando em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de pesquisas sobre as condições de permanência de estudantes de baixa renda na instituição. Embora muitas pessoas pensem que as universidades públicas recebem os estudantes mais ricos, enquanto os pobres ficam nas particulares, uma pesquisa feita no ano passado mostrou que 41% dos alunos das universidades federais têm renda familiar de até três salários mínimos (R$ 1.635 em valores atuais). As desigualdades sociais, porém, ficam maiores quando se avalia o perfil socioeconômico dos universitários de acordo com o curso de graduação. Tanto nas universidades públicas quanto nas particulares, existe uma variação entre as carreiras, com menor presença de estudantes de baixa renda nos cursos mais concorridos e prestigiados.

Nessas graduações, a forte presença de estudantes com boa situação financeira faz com que alguns professores não reconheçam as especificidades dos outros segmentos sociais. "No primeiro ano fui reclamar para um professor de que havia muito xerox. A resposta dele foi simplesmente ‘você estuda na Federal’. Na hora senti que ele estava dizendo ‘você precisa ter dinheiro e se virar’", afirma Michael Dionísio de Souza, 22 anos, aluno do 5.º ano de Direito na UFPR. Segundo Wilson Mesquita de Almeida, os professores estão programados para receber um aluno idealizado e os grupos populares muitas vezes se sentem fora de lugar, mesmo em cursos menos concorridos.

Exigências

Em sua dissertação de mestrado, Almeida colheu depoimentos de 17 alunos de baixa renda da USP. Além de expor suas dificuldades materiais, os estudantes disseram ao pesquisador que muitas vezes sentem não corresponder às expectativas dos professores. "Literatura portuguesa usa muito francês. Agora, a gente está no Simbolismo, tem muito Mallarmé (poeta francês), tudo em francês. Então, o professor estava dizendo ‘gente, vocês já deveriam saber francês’, e a gente achou um absurdo, porque eles supõem que, pelo fato de a gente estar na USP, você deve saber inglês, francês, espanhol e tudo", afirma uma estudante de Letras em depoimento presente no trabalho de Almeida.

Segundo Regina Michelotto, professora aposentada da UFPR e pesquisadora de políticas da educação superior, o aumento da presença de estudantes de baixa renda nas universidades é um fenômeno relativamente recente no Brasil. Regina afirma que as instituições ainda estão aprendendo a lidar com esse novo público. "Viemos de muitos anos de elitismo na universidade e as instituições terão de dar conta dessa situação. Para ajudar na inclusão desses alunos, elas poderiam abrir cursos extras de reforço nos sábados e nas férias, ou mexer nos currículos de forma a ofertar reforço em questões que deveriam ter sido trabalhadas na educação básica", diz.

Dedicação extra é fundamental

A vontade de terminar o curso de graduação faz com que estudantes de baixa renda "criem" tempo em horários destinados a outras rotinas e arrumem "jeitinhos" para driblar as dificuldades. Aluna do 6º ano de Medicina na UFPR, Bruna Driessen, de 25 anos, deu aulas particulares para alunos de ensino médio durante os três primeiros anos da graduação. A partir do 3º ano, ela conta que os alunos passaram a gastar bastante com materiais da profissão, como estetoscópio e termômetro. "Meu pai comprou o básico, o resto eu fiz de conta que não precisava. Quando atendia, pegava emprestado de uma ou outra amiga", afirma ela, que tem renda familiar de aproximadamente quatro salários mínimos. Bruna conta que também emprestava livros. "Eu lia o que precisava bem antes das provas e fazia nota ou tirava cópia do essencial."

Estudante do 5º ano, Geraldo Costa diz que a internet facilita a vida de quem não pode comprar os livros.E afirma que é possível aproveitar a universidade quando há foco e força de vontade. "Alunos com poder aquisitivo mais alto precisam de um controle maior, porque há muitos chamativos e eles tendem a se distanciar da graduação. Quando você não tem dinheiro, o que você vai fazer no domingo? Vai estudar ou, no máximo, caminhar no parque", diz.

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Interatividade:

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