Embora diversos setores da sociedade, incluindo as próprias universidades, mostrem-se avessos aos trotes constrangedores aplicados a calouros, a adesão dos estudantes a esse tipo de brincadeira é grande. Pesquisas acadêmicas comprovaram o que a simples observação pode deduzir: a cultura do trote universitário se perpetua, não importando quantos digam que a prática é ruim. A psicologia, a antropologia e outras ciências humanas tentam explicar o porquê.
O professor da Universidade Paranaense (Unipar) Jorge Antônio Vieira, doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, é um estudioso do assunto e publicou, em 2012, uma extensa pesquisa sobre o tema. Para ele, há duas razões fundamentais que justificam a aceitação do trote, tanto por parte dos veteranos como dos calouros: a relação de poder gerada por essa cultura e o sentimento de pertença a um grupo.
Segundo Vieira, calouros tendem a aceitar o trote porque o veem como um rito de passagem, um ato que marca a chegada à vida adulta, na qual eles poderão desfrutar de novos privilégios. "É como se fosse uma promoção social. Os jovens que passam pelo trote estariam sendo promovidos a um novo patamar, por isso se alegram e até fazem questão de aparecerem sujos ou raspados", diz.
No caso dos veteranos, a motivação é mais evidente. "O sentido de poder está presente a tal ponto que significa superioridade. Eles se sentem no direito de exigir a submissão dos calouros", explica Vieira. Parte dessa suposta superioridade viria da própria experiência do trote, vivida no passado pelos veteranos. Entre eles, a ideia de "dar o troco" é constantemente mencionada em pesquisas sobre o tema.
Pertencimento
O trote enquanto ritual, no entanto, não seria benéfico o suficiente, por si só, para obter adesão dos calouros. Quem acaba de chegar à universidade espera receber alguma ajuda para se integrar ao novo ambiente. Assim, as "brincadeiras" seriam o preço a ser pago em troca da aceitação e amizade dos veteranos. "Há a necessidade de se sentirem pertencentes a este novo mundo, onde o ciclo de amizades já não é mais o mesmo, onde os professores já não são os mesmos e onde o método de ensino passa a ser outro", diz Vieira.
O uso do trote como atalho na conquista de novos amigos é comprovado pela professora Gislaine Martinelli Baniski, coordenadora de Auxílio e Orientação ao Estudante da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). "Em nossa instituição, os calouros gostam e buscam participar de ações que signifiquem que eles fazem parte de um grupo. Assim, pintam o nome do curso no rosto ou pagam bebidas aos veteranos para patrocinar a amizade", conta.
Represália
Quem se nega a passar pelo trote sofre as consequências
Se a adesão ao trote como instrumento de integração pode estreitar as relações entre calouros e veteranos, aqueles que se recusam a participar de brincadeiras constrangedoras podem acabar sofrendo consequências por parte de quem leva a tradição a extremos nada saudáveis.
O professor Jorge Antônio Vieira conta que durante sua pesquisa recebeu respostas que denunciavam as represálias adotadas pelos veteranos contra calouros que não aceitaram o trote. "Aqueles que não obedeciam eram colocados em uma lista roxa, na qual eles ficariam marcados e, quando precisassem de qualquer tipo de ajuda, essa lhes seria negada", conta o pesquisador.
Esse aspecto excludente do trote é uma das razões que leva o doutor em Educação Antonio Alvaro Soares Zuin a ser enfaticamente contrário à prática. "Acredita-se que o trote seja a única forma de integrar o calouro na vida universitária, mas não é. Deve-se, na verdade, promover práticas de integração que não se baseiem na violência sadomasoquista que caracteriza o trote." Zuin é professor da Universidade Federal de São Carlos e autor do livro O Trote na Universidade: Passagens de um Rito de Iniciação, no qual aborda a prática universitária como um instrumento de violência promovida para gerar espetáculo.