Polícia indicia casal que vazou tema da redação
Folhapress e Agência Estado
A Polícia Federal (PF) confirmou na madrugada de ontem, em comunicado no seu portal na internet, a suspeita de vazamento do tema da prova de redação do Enem deste ano. Duas pessoas confessaram o crime e serão indiciadas sob suspeita de violação de sigilo funcional, podendo pegar até seis anos de prisão.
Segundo a PF, uma professora da rede municipal de ensino de Remanso (774 km de Salvador), que pertencia à equipe que aplicava provas, teve acesso ao título de um texto de apoio da redação cerca de duas horas antes da prova e ligou para o marido repassando a informação. Após receber a informação, o marido da professora pesquisou o tema na internet e ligou para o filho em Petrolina (715 km de Recife). O estudante pediu orientação aos professores sobre como fazer a redação com o tema informado pelo pai.
Um dos professores do estudante levou a denúncia à Delegacia da Polícia Federal de Juazeiro. O delegado ouviu mais de dez pessoas, fez perícias e pediu na Justiça a quebra do sigilo telefônico dos envolvidos, confirmando o vazamento das informações.
O Ministério da Educação informou que não irá cancelar a prova do dia 15 de dezembro, por considerar que não houve vazamento do exame em si, mas somente do texto motivador da redação. Segundo nota do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), o estudante deverá ser eliminado do Enem.
Anulação
O procurador da República no Ceará, Oscar Costa Filho, autor da ação que pede a anulação do Enem 2010, pediu ontem o relatório da PF sobre o vazamento do tema da redação e, com base no documento, pretende ingressar com novas provas para reforçar o pedido de anulação junto à Justiça Federal no Ceará. Para ele, o MEC está apostando na teoria do fato consumado marcando a nova prova para somente poucos candidatos, mesmo com o vício do vazamento comprovado pela PF. Segundo o procurador, "essa prova marcada para 15 de dezembro será anulada, porque ela tem que ser feita para todos (os candidatos)".
Quando foi criado, em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tinha como objetivo primordial avaliar o nível de aprendizado dos estudantes que concluíam o ensino médio, considerado o primo pobre da educação no país. Não se sabia exatamente para que fim ele servia: para garantir acesso ao mercado de trabalho, para entrar na universidade ou para a vida? Naquele ano, com a proposta de criar um novo ensino médio e identificar o que fazia os jovens abandonarem essa fase dos estudos, o Enem saiu do papel. Após 12 anos, o que se pergunta é se o objetivo foi alcançado.Para especialistas, embora o exame tenha conquistado mais espaço na vida de estudantes e na agenda pública, sua principal missão traçar um raio X do ensino médio está fracassando. A não obrigatoriedade da prova é apontada como o obstáculo principal. Hoje, só faz o Enem quem quer geralmente, quem quer ingressar no ensino superior, já que a prova é critério parcial ou integral de admissão em 84 institutos e universidades federais. "Ainda que haja uma maciça participação de estudantes, por não ser universal, o Enem não consegue dimensionar o nível de aprendizagem no ensino médio. Dessa forma, diminui o papel investigativo do exame, que passa a ter um papel meramente seletivo", avalia o coordenador do curso de pós-graduação em Educação da UFPR, Ângelo Souza.
A superintendente do Instituto Unibanco e conselheira do Todos pela Educação, Wanda Engel, elogia a prova e afirma que ela "não serve apenas como termômetro, mas como uma tomografia precisa" do problema, mas que, enquanto não for aplicada a todos os alunos de todas as escolas do país, o diagnóstico será parcial e, pior, não chegará a quem mais precisa. "Muitas vezes, a escola só permite que os bons alunos façam as provas. Os maus alunos são dispensados. Isso mascara o problema e promove o ranqueamento. O Enem vira uma espécie de marketing."
Descompasso
Outro ponto negativo do exame apontado pelos educadores é o descompasso entre o que hoje se ensina na escola e o que é cobrado na prova. A professora do Departamento de Educação da Universidade de Londrina (UEL), Samira Kfouri, afirma que, embora ela prime pela multidisciplinaridade e a contextualização, as aulas ainda são focadas na memorização de conteúdo. Samira afirma que outra deficiência não corrigida ao longo desses 12 anos vem à tona a partir desta análise: a formação de professores. "Como propor uma prova com essas características se o professor não está preparado para ensinar o que é cobrado? O olhar do jovem mudou, mas o professor não conseguiu acompanhar essa mudança. Não adianta avaliar o aluno e se esquecer que os professores dão aulas em condições extremamente precárias, sem estrutura."
Os educadores afirmam que a prova, hoje aplicada somente aos estudantes, não reflete a realidade do ensino, pois avalia apenas o agente que está na ponta do processo educacional o estudante sem levar em conta as diversidades regionais, socioeconômicas, a formação de professores e a estrutura física das salas de aula. O período em que o exame é aplicado ao fim do 3.º ano , também não permite avaliar a evolução do aluno, assim como dificuldades que persistem ao longo de um mesmo ano. De acordo com o professor Ângelo Souza, o ideal seria que a prova fosse aplicada de forma seriada ao longo dos três anos, assim como no início e ao fim de cada série. Ele afirma que isso ajudaria a conter a evasão escolar, além de detectar a evolução do aluno e o quanto a escola efetivamente contribuiu para a sua formação.
Uma solução apontada pela educadora Wanda Engel é que governos estaduais e municipais façam suas próprias avaliações seriadas, já que aplicar uma prova para cada ano do ensino médio em nível nacional seria extremamente custoso e inseguro.
Desde 2009, o Inep elabora as questões do exame com base na Teoria de Resposta ao Item (TRI), uma espécie de banco de itens que permite construir provas diferentes a cada ano avaliando as mesmas competências. Wanda afirma que cada escola do país poderia importar esses bancos do Inep, de acordo com as suas especificidades, e realizar provas com menor periodicidade do que a do Enem, e, posteriormente, enviar os resultados ao MEC.