Apesar de o Ministério da Educação (MEC) ter aumentado o número de revisores e publicado um manual detalhado com dicas aos candidatos, a falta de uma "grade de critérios" e a manutenção de parâmetros morais de avaliação fará com que a correção das redações do Enem continue sendo alvo de problemas, acreditam os especialistas.
"Corrigir uma prova aberta é muito difícil. Quando isso envolve milhões de textos, é inviável que o trabalho seja bem executado sem parâmetros objetivos de análise", afirma a consultora em educação Ilona Becskeházy.
Para ela, a formulação do Guia do Participante é um avanço, mas não será suficiente para diminuir as discrepâncias de avaliação entre os mais de 4 mil corretores que trabalharão nos 5,7 milhões de textos.
Dentre as suas sugestões estão o estabelecimento de parâmetros objetivos na observação do domínio da norma culta. Assim, em vez de o corretor se basear nas categorias "excelente", "bom", "adequado", "mediano" e "insuficiente" para avaliar essa competência, poderiam ser estabelecidos porcentuais de erros, como 10% das palavras com erros, 20% com erros e assim por diante.
Além disso, Ilona afirma que o fato de o MEC ter mantido a cobrança para que o candidato respeite os direitos humanos causará mais controvérsias. "O politicamente incorreto é muito subjetivo. O que é inadmissível para um corretor pode ser plenamente aceitável para outro", diz.
Tênue
Uma das corretoras da prova, que falou ao jornal O Estado de S. Paulo sob as condição de anonimato, concorda. "Há situações bem pontuais e fáceis, como o caso de um texto dizendo que negros e nordestinos devam ser assassinados. Isso sem dúvida desrespeita os direitos humanos. Mas há casos bem sutis e treinamento nenhum consegue uniformizar a percepção do corretor", diz.
Segundo ela, a orientação da banca é para que se dê nota zero a um texto que defenda que o dever das mulheres é cuidar da casa. "Mas eu não invalidaria, porque isso é uma questão cultural que precisa ser repensada na sociedade, não desqualificando a argumentação do candidato."
O professor da Unesp Rogério Chociay, que foi corretor dos vestibulares da Fundação Vunesp e da Universidade Federal do Paraná (UFPR), também discorda desse parâmetro. "A democracia é o direito à opinião. Minha tarefa é corrigir sua capacidade de se expressar, concorde ou não com seus argumentos."
Além disso, acrescenta Chociay, um outro ponto deve ser repensado: a exigência de que o candidato apresente uma proposta de intervenção para um problema social. "É exigência demais para um jovem de 18 anos e uma competência que não é cobrada em outros vestibulares. Se o País em séculos não conseguiu resolver a questão da violência, como pedir que uma pessoa que soube do tema naquela hora consiga ter uma solução plausível?" Mesmo que tenha, uma boa ideia para um corretor pode ser ruim para outro. "E daí crescem as chances de um mesmo texto receber nota zero ou mil."
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