Capital cultural
Resultado é influenciado pela família
A aprendizagem é fortemente influenciada pelas condições culturais das famílias dos alunos, característica que no Brasil está muito associada à situação socioeconômica. É o que afirma o especialista em Avaliação e professor titular aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) José Francisco Soares. Para ele, uma média mais alta no Enem geralmente mostra apenas que a escola consegue selecionar seus alunos entre as famílias de maior capital cultural.
"Já existem muitos estudos no Brasil e no exterior comprovando que o desempenho é fruto do aluno, da sua família e da sua escola. Nesta equação, a parte da escola é a menor, ainda que muito significativa. Por isso elas lutam tanto para atrair os bons alunos, oferecendo vantagens variadas", afirma ele, que é doutor em Estatística e pós-doutor em Educação.
Liderança
Conforme estudo feito por Soares no ano passado, escolas privadas que conseguiram as primeiras colocações no Enem 2008 perdem a liderança quando se controla a influência do nível socioeconômico de seus alunos. O professor construiu um indicador da condição social e econômica dos estudantes de cada instituição a partir de informações como escolaridade, ocupação, renda e acesso a bens de consumo das famílias.
No ranking tradicional, a rede particular teve 85 colégios entre os 100 primeiros colocados, e apenas um entre os 100 últimos. Quando se fez o ajuste pelas características dos alunos, o quadro mudou: as particulares passaram a representar 35 das 100 melhores escolas e 91 das 100 piores.
O bom resultado das escolas públicas no ranking, no entanto, é praticamente restrito a escolas técnicas ou a colégios de aplicação vinculados a universidades. Em todos os casos, são instituições que realizam "vestibulinhos". "As escolas com melhores médias são as escolas privadas que selecionam os alunos pelo critério econômico e as públicas federais que selecionam os alunos por critérios acadêmicos. Ou seja, recebem os bons alunos. No entanto, é importante salientar que há muitas escolas que selecionam e não conseguem que seus alunos aprendam o que devem", afirma.
Embora represente um indicador objetivo que auxilia pais na escolha de onde os filhos estudarão, a classificação de escolas a partir de resultados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deve ser interpretada com cuidado. Pesquisadores da área alertam que os colégios com as médias mais altas não são necessariamente os melhores. "É indiscutível que o Enem significou um avanço no sistema educacional, mas o ranking provoca uma situação desconfortável para as instituições e pode induzir os pais a erros na interpretação", afirma o diretor da Educon Consultoria em Educação, Evaldo Colombini Miranda.O problema é o que a nota do Enem não consegue captar. Para Miranda, as escolas com as melhores médias também podem ser as mais excludentes, que selecionam seus alunos. O filtro ocorre no momento da admissão dos estudantes, a partir de processos seletivos que admitem apenas aqueles com as melhores notas. Outra forma de escolha ocorre durante o próprio processo formativo, com a eliminação dos alunos que não conseguem acompanhar a turma. Assim, é difícil identificar o conhecimento que a escola agregou aos estudantes.
"Nas públicas, principalmente no caso das escolas federais, alguns processos seletivos são ainda mais difíceis do que o vestibular. A escola que recebe um aluno 'normal' pode fazer um trabalho até mais significativo porque pega o estudante com deficiências e faz com que ele evolua", diz Miranda.
Segundo o pesquisador, na hora de escolher uma escola, além do resultado do Enem, é importante verificar o projeto pedagógico da instituição, analisar a equipe de professores, conhecer o espaço físico, avaliar os recursos utilizados para o enriquecimento do processo de aprendizagem, observar a conduta dos alunos e, acima de tudo, verificar se a proposta da escola atende à expectativa dos pais em relação à formação dos filhos.
Comparação
O doutor em Educação Ângelo Ricardo de Souza, do Núcleo de Políticas Educacionais da Universidade Federal do Paraná (UFPR), afirma que o Enem é focado apenas nas competências do estudante, e não na política educacional da escola.
Souza explica que, diferentemente do Enem, o processo oficial de avaliação do ensino fundamental apresenta um mecanismo que desestimula a exclusão. Lançado pelo Ministério da Educação em 2007, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) leva em consideração tanto as notas dos alunos quanto os índices de reprovação e evasão nas escolas.
Ao relacionar esses indicadores, o Ideb desestimula um sistema que reprova alunos para que apenas os melhores façam a prova e também desencoraja modelos que aprovam facilmente os estudantes. Isso porque boas notas na prova seriam minimizadas por quedas na aprovação e alunos sem a qualificação mínima também comprometeriam a avaliação da escola com notas baixas no Ideb. "O Ideb é melhor nesse sentido, pois diminui o peso da proficiência dos alunos", avalia.
Realidade mascarada
Como a adesão de alunos ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é voluntária, ele nem sempre é uma boa régua. Segundo pesquisadores, não há como saber se o grupo de alunos que fez o exame realmente representa a escola. "Para que o resultado de fato signifique uma média dos alunos que estão saindo da escola, é importante que todos participem", ressalta Evaldo Colombini Miranda, da Educon Consultoria em Educação.
Segundo ele, não é conveniente comparar escolas com poucos alunos inscritos na prova, mesmo com ótimos resultados, com outras que tiveram um número maior de participantes e eventualmente conseguiram um desempenho pior.
Com essa preocupação, o Ministério da Educação decidiu alterar neste ano o formato de divulgação do resultado por escola, que passou a levar em conta o porcentual de estudantes de um colégio que participaram do Enem. A mudança mostrou, por exemplo, que menos da metade dos alunos do câmpus Curitiba da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), primeira colocada no ranking do Paraná divulgado na segunda-feira, fez o exame.
Interesse
As diferenças quanto ao engajamento dos alunos em relação à prova também é um fator importante que interfere nas médias das escolas. Após as mudanças ocorridas no Enem em 2009, no entanto, a tendência é de que os alunos, tanto das escolas públicas quanto das particulares, se interessem mais pelo exame. Se anteriormente o Enem era usado principalmente para medir a qualidade do ensino no país, há dois anos ele também serve como forma de ingresso em universidades (pelo Sisu, ProUni e Fies) e como meio de obter o certificado do ensino médio (para estudantes acima de 18 anos).
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