Tradicionalmente o Livro X da República é lembrado pela dura crítica que dirige aos poetas e à arte em geral. Aos olhos modernos, parece bastante estranho que um escritor como Platão, dotado de uma capacidade literária ímpar, defenda a expulsão da poesia de sua cidade ideal. O que nos choca é justamente o fato de que possuímos uma opinião absolutamente contrária: a arte, para nós, vale como algo que amplia e aprofunda nossa compreensão da realidade. Surpresos, então, perguntamos: por que Platão considera a arte e a poesia como coisas nocivas e dispensáveis?

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O filósofo ateniense, lançando mão de sua teoria das ideias ou formas, nos responde: a poesia está a três pontos da verdade. Suas obras são imitações imperfeitas de objetos particulares que são, por sua vez, cópias igualmente imperfeitas das idéias ou formas. Existem, assim, retrospectivamente o nível inteligível, que se caracteriza por conter objetos universais e atemporais, o nível sensível, que contém objetos particulares utilizados na vida cotidiana e, finalmente, o nível artístico, que contém imagens imperfeitas dos objetos sensíveis. No exemplo platônico, temos a mesa ideal, que determina todas as particulares, as mesas sensíveis, que são utilizadas cotidianamente, e as mesas representadas pelos artistas, que não determinam as outras e não servem aos mesmos propósitos que as mesas particulares. De acordo com este argumento, as produções artísticas estão distanciadas da verdade universal das ideias ou formas e, por isso, representam coisas menores e insignificantes no pensamento platônico.

Ora, reconhecer que as obras de arte estão distantes da verdade das ideias não basta, contudo, para expulsá-las da cidade ideal. Afinal, o que na maior parte das vezes nos chama atenção nas produções artísticas é justamente seu aspecto fantasioso. Compreendemos, assim, que a "mentira" ou "engano" da arte não são simplesmente negativos, mas contém algo de positivo que pode despertar novas percepções da realidade. Ao representar cenas bíblicas, por exemplo, as pinturas medievais "fantasiam" a aparência das personagens e apresentam uma intenção de propagar a fé cristã. O fato de que as representações são "mentirosas" não faz a menor diferença para avaliar o conteúdo das obras. Por que, então, Platão é tão rigoroso com a arte e a expulsa da cidade ideal simplesmente por estar afastada da verdade?

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A chave da questão se encontra no papel central que a poesia exerce na educação dos gregos antigos. Diferente das nossas produções poéticas, as obras de Homero são utilizadas na educação dos jovens e constituem o padrão moral na Grécia de Platão. Sua origem está ligada a um contexto em que ainda não havia escrita e, por isso, pertencem ao domínio da oralidade. Este fator é absolutamente decisivo para determinar o conteúdo e os limites da poesia homérica.

Assim, Platão expulsa as produções poéticas não simplesmente porque elas expressam coisas distantes da verdade, mas principalmente porque a poesia que ele conhece tem a pretensão de estabelecer os critérios morais dos gregos antigos. Esses critérios, afirma o filósofo ateniense, se encontram no domínio das ideias ou formas e, por essa razão, tentar estabelecê-los por outro meio que não o filosófico recai necessariamente em erros. Platão não reconhece qualquer poesia diferente desta e, então, se obriga a expulsá-la de sua cidade ideal. Compreender sua crítica aos poetas depende, por conseguinte, de dois pontos fundamentais: sua teoria das ideias ou formas e sua perspectiva do papel da poesia na Grécia antiga