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Não há uma receita mágica para escrever bem, como todo vestibulando já deve suspeitar. Argumentar de forma coerente, articular os termos textuais com destreza, priorizar a clareza e a informatividade das ideias, enfim, há um aglomerado de dicas que os professores de Língua Portuguesa geralmente oferecem, mas que, por si só, não opera milagres.

Nesse rol de mecanismos linguísticos dos quais os alunos devem ser íntimos está a diferenciação entre a língua escrita e a falada. Porém, o simples conhecimento de que o texto do vestibular deve deixar de fora as transferências da oralidade também não mostra exatamente onde o aluno pode estar errando.

É importante prestar atenção na escolha do vocabulário, na interferência e na repetição de expressões de progressão narrativa (como "daí", "então", "na verdade") e nas expressões qualificativas ("bom", "ruim", "legal").

Até aqui estamos seguros: já virou senso comum falar sobre os problemas dos clichês na redação. Existe, entretanto, um terreno movediço que permanece no limite entre a oralidade e a escrita: a pontuação. Há um mito que parece ter-se fixado no Brasil todo, modernamente, de que a pontuação é uma questão condicionada à respiração: quem nunca ouviu frases como "A vírgula é uma pausa pequena para a respiração", ou "O ponto final é uma pausa maior do que a da vírgula"? Testemos essa teoria na frase abaixo.

A menina que conseguiu emprego semana passada como atendente da nova farmácia do bairro dará uma festa de comemoração pelo seu aniversário na semana que vem.

Onde você inseriria vírgulas (ou qualquer outro sinal de pontuação) no frase acima? Acertou quem respondeu em nenhum lugar.

Pontuação é uma realidade exclusiva da língua escrita, portanto não pertence ao domínio da oralidade. Essa história de que frases longas precisam de virgulação, ou de que deve haver uma marcação na língua escrita quando respiramos não deve servir de guia para o vestibulando. A inserção de pontuação numa frase, sobretudo de vírgulas, está intimamente relacionada à estrutura sintática do período, e não a questões pulmonares.

A regra mais importante e prática que você deve sempre usar, dentre as outras que você encontra em qualquer gramática, é a seguinte: sempre que uma frase estiver na ordem direta (sujeito – verbo – objetos – adjuntos adverbiais), não deverá haver pontuação entre os termos. Na frase anterior, se tivéssemos de fazer a virgulação por conta da respiração, teríamos, possivelmente, a seguinte estrutura: A menina que conseguiu emprego semana passada como atendente da nova farmácia do bairro, dará uma festa de comemoração pelo seu aniversário na semana que vem.

A vírgula inserida depois de bairro aparece entre o sujeito e o verbo, um dos equívocos mais comuns em textos, até mesmo publicitários e jornalísticos. Mesmo sendo longa, a frase está na ordem direta, portanto não deve receber qualquer marcação de pontuação.

Se, no entanto, o adjunto adverbial na semana que vem fosse deslocado para o início da frase – ou mesmo intercalado no meio dos demais termos –, passariam a existir condições para que a virgulação fosse feita, pois haveria um caso de movimento de constituintes sintáticos. Aqui está mais uma das várias utilidades que as aulas de análise sintática nos oferecem: identificar o ordenamento dos termos da oração e pontuá-los de forma adequada.

Então, tenha cuidado com as lendas que revestem a redação: respire tranquilamente enquanto você distribui suas vírgulas.

*Professor do Colégio Bom Jesus.

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