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 | Albari Rosa
| Foto: Albari Rosa

Ciro*, 30 anos, ainda estava na faculdade quando foi contratado como professor eventual em uma escola pública da periferia de São Paulo. No primeiro dia de aula, foi orientado pela direção a não levar carteira ou celular para a sala. A cada aula, tinha de tirar a maçaneta da porta e esconder sob o avental. Ficava ‘preso’ com os alunos. Meses depois, assumiu uma sala de um colega que saiu em licença. Em dia de fechamento de bimestre, um aluno se aproximou, tirou um revólver da cintura e o colocou sobre a mesa. “Qual a minha nota, professor?”, questionou o rapaz, que saiu em seguida, satisfeito com seu ‘8’. Já concursado, Pedro foi ameaçado porque os estudantes da escola onde lecionava acharam que ele havia contribuído para uma operação que buscava drogas. “Seu carro é vermelho, não é?”, disseram uns estudantes durante a aula. Acuado, pediu exoneração. 

Beatriz*, 31 anos, lecionava pelo primeiro dia em um colégio público no Distrito Federal e percebeu que um aluno assistia a um vídeo pornô no PC do laboratório. A professora abaixou-se e pegou o mouse para fechar o navegador. O estudante, com cerca de 15 anos, se enfureceu, segurou a educadora pelo pulso e torceu. “Não tem medo de morrer?”. O rosto do rapaz mostrava muita raiva, mas a educadora pensou rápido e resolveu reagir com leveza. “Achei que a raiva não era de mim. Pedi então para que ele desse um beijo em minha mão e me abraçasse. Ele sorriu e fez isso. Eu estava com medo, mas confiante em minha intuição. Até hoje, quando me encontra, esse aluno me saúda”. 

Os casos acima ilustram uma narrativa que parece a mesma há tempos: a violência em sala de aula que atinge de alunos a professores e mistura um grande número de agressões verbais e casos menos frequentes de agressões físicas. A pesquisa Prova Brasil, respondida por estudantes de 5º e 9º ano, professores e diretores de escolas públicas, também se debruça sobre a questão. Aplicado em 2015, o último questionário teve os resultados divulgados em março. As questões relativas à segurança mostraram que 22,6 mil professores já foram ameaçados por estudantes, enquanto que quase 5 mil sofreram agressões de fato. 

No contexto internacional, os professores brasileiros também ocuparam um espaço muito incômodo num passado próximo: o dono do índice mais alto de violência entre 34 países analisados na pesquisa internacional de ensino e aprendizagem (Talis, sigla em inglês) feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em 2014, 12,5% dos professores brasileiros disseram ser intimidados ao menos uma vez por semana. Em seguida, veio a Estônia, com 11%, e a Austrália, com 9,7%. 

Os resultados da última Prova Brasil também mostram que 71% dos professores presenciaram agressões entre estudantes, sendo físicas ou verbais. Armas também fazem parte deste contexto. Cerca de 2,3 mil professores viram alunos com revólveres e mais de 12 mil, com facas e canivetes. 

Esse ambiente hostil traz consequências graves para o desenvolvimento dos alunos. “Essa violência nas escolas, do bullying aos casos mais graves, tem uma influência ruim não só na aprendizagem dos alunos, mas em sua autoestima e na sua formação cidadã”, explica o professor e pesquisador Célio da Cunha, da Universidade Católica de Brasília. 

Apesar dos números do Prova Brasil falarem sobre a escola pública, “pobre” não é sinônimo de violento e agressão por parte dos alunos não é a única violência vista nas escolas. “Violência não está ligada de nenhuma maneira à situação socioeconômica e sim a um conjunto de fatores que fazem com que  esses meninos e meninas que estão na escola sejam aqueles que também são tratados com violência e desrespeitados em sua criação. Eles aprendem a usar isso para tratar o outro e usam isso na escola”, afirma a professora do programa de pós-graduação da Unesp, Luciene Tognetta, doutora em psicologia escolar.  “Esse comportamento também pode ser uma resposta a um ambiente em que nós professores humilhamos e menosprezamos a capacidade desses alunos”, completa Luciene. 

Soluções 

O entorno é um aspecto importante da busca por mais segurança nas escolas. Em áreas de vulnerabilidade social, a corrente de violência não fica de fora dos muros quando os portões são fechados. “O Brasil hoje já possui muitas experiências de combate a violência nas escolas que têm dado certo: ações entre educação, saúde e forças policiais que podem contribuir com aquela comunidade são imprescindíveis. Essas ações, em nível macro, são estruturantes. As emergenciais são para casos que extrapolam isso, como no Rio de Janeiro (em que os conflitos entre traficantes e policiais chegaram à escola; em março, uma adolescente de 13 anos foi atingida por tiros durante a aula de educação física e morreu)”, afirma Célio da Cunha. 

A escola tem de ser estruturante inclusive literalmente. A força da instituição como um ambiente seguro passa por muros, portões e controle de acesso, destaca Cunha, e também por ambientes organizados e limpos. O exterior da escola também pode contribuir com sensação de insegurança. “Se há ação de traficantes ou falta de iluminação pública, por exemplo”, conta o professor. 

Dentro da escola, a mediação dos conflitos é outro aspecto extremamente importante e precisa ter um direcionamento sensível por parte da direção. “A melhoria do diálogo entre professor e aluno é primordial quando falamos de situações ‘normais’. Tem que haver uma relação profundamente humana entre o educador e o aluno, onde cada parte respeita seus direitos”, avalia Cunha. “Mas é algo ininterrupto, construído com persistência”, completa. 

No dia a dia, porém, indisciplina e agressões têm sido tratadas com o mesmo peso, acredita Luciene Tognetta. “Eu trato do mesmo jeito o menino que jogou um pedaço de borracha no ventilador e o menino que deu um tapa no rosto do colega. E são coisas diferentes. Quando ele é impedido de entrar na aula por um atraso pequeno, por exemplo, ele entende que a escola está mais preocupada com a garantia da regra do que o princípio básico de que ele está ali para aprender”, afirma. 

Essas questões não estão apenas na cabeça de gestores. A pesquisa Repensar o Ensino Médio, realizada pelo movimento Todos Pela Educação, apontou que segurança é a principal preocupação dos estudantes. Cerca de 85% consideram esse o atributo mais relevante ao estar na escola. Ao mesmo tempo, este é o item que que tem a segunda menor taxa de satisfação: cerca de 30% estão insatisfeitos com a segurança de onde estudam.

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