Uma das principais vitrines de Fernando Haddad (PT), o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) deixou como herança um contingente elevado de estudantes endividados e turbinou os grupos privados de educação.
A inadimplência no programa, que atingia 31,4% dos contratos em 2013 (ano seguinte ao término da gestão Haddad como ministro da Educação), aumentou após a recessão e hoje supera 50%, segundo o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento à Educação).
O pagamento do financiamento se inicia um ano e meio após a conclusão do curso pelo estudante, que tem 12 anos para quitá-lo. Para técnicos da equipe econômica e do TCU, medidas implementadas por Haddad contribuíram para acelerar a adesão ao programa e o descontrole das contas.
Cálculos do Tesouro Nacional, a pedido da reportagem, mostram que, de 2019 até 2030, o programa vai consumir R$ 46,5 bilhões em recursos públicos – até agora, já custou R$ 80,8 bilhões. O cenário leva em consideração quadro em que 50% dos alunos não pagarão pelo financiamento.
As projeções são crescentes porque levam em conta o aumento do número de bolsistas após as mudanças no programa feitas na gestão do petista.
O boom do Fies se deu a partir de 2010, depois que o governo criou o Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (Fgeduc), que tornou dispensável apresentação de fiadores para alunos com renda familiar mensal bruta per capita de até 1,5 salário mínimo, não raro sem controle.
A medida impulsionou as matrículas, mas ampliou as despesas governamentais. Praticamente todo o custo da inadimplência passou a recair sobre o fundo. Sem riscos, as universidades privadas passaram a estimular a adesão indiscriminada de estudantes.
Os juros do Fies, criado no governo FHC, caíram em novembro de 2006 de 9% ao ano para entre 3,5% e 6,5%, conforme o perfil do beneficiário. Na prática, as taxas passaram as ser negativas em alguns casos (quando descontada a inflação). A alteração incentivou adesões.
Grandes conglomerados fizeram propaganda encorajando alunos que pagavam mensalidades a migrar para o Fies.
Segundo o TCU, a Anhanguera – pertencente ao grupo Kroton, o maior de ensino superior privado do mundo – chegou a publicar em seu site que, se o estudante deixasse seu dinheiro na poupança e aderisse ao Fies, teria lucro.
As estatísticas oficiais do ensino superior privado expressam o fenômeno da migração. De 2010 a 2015, o número de matriculados que bancavam os próprios estudos caiu de 3,8 milhões para 2,9 milhões. Já os alunos do Fies foram de 200 mil para 1,9 milhão.
Os ganhos dos maiores grupos de educação dispararam. Entre 2009 e 2012, na administração de Haddad no MEC, a Kroton saiu de um prejuízo de R$ 8,1 milhões para um lucro de R$ 268 milhões (aumento de 3.407%). O resultado da Ser Educacional cresceu 116%, o da Anima, 248%, e o da Estácio de Sá, 42%.
Segundo o TCU, as matrículas continuaram crescendo em 2013 e 2014, após a saída de Haddad do cargo, e só refluíram a partir de 2015, quando as regras de acesso tornaram-se mais restritivas.
Novo endurecimento ocorreu em 2017, no governo Temer, quando as empresas passaram a arcar com parte do prejuízo em caso de inadimplência.
Em 2016, em julgamento que apontou falhas na gestão do Fies, o TCU determinou audiências de Haddad e outros ex-ministros da Educação para explicá-las. Em julho deste ano, ao analisar as alegações, a corte absolveu todos. Entendeu que, apesar dos problemas na execução, não caberia a aplicação de multas.
Outro lado
Procurada, a campanha de Haddad afirmou que o Fies, até meados dos anos 2000, "havia se transformado em um grande elefante branco, com centenas de estudantes totalmente inadimplentes face ao gigantismo que a dívida contraída adquirira".
Justificou que foi preciso grande investimento de comunicação para retomar o programa, "desta vez em bases mais realistas de financiamento, que permitissem a um estudante pobre financiar universidade privada de ponta". O FNDE não se pronunciou.
A Estácio informou que sempre cumpriu as regras do Fies, "pautando-se pelos mais altos níveis de integridade e governança".
A Ser Educacional diz que a política da Bolsa de Valores não lhe permite "informar dados isolados de alunos do Fies". A Kroton não se manifestou.