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A PEC do Fundeb, que chegou ao Senado Federal na última semana, deve ser referendada - ainda em agosto - com a mesma folga com que passou na Câmara dos Deputados. Essa é a expectativa de Flávio Arns (Rede), designado relator da proposta. Seu texto será entregue nesta quarta-feira (29).
Para o senador, mesmo com o término iminente da vigência do fundo, em dezembro deste ano, não há preocupação para votar "às pressas", já que o texto chegou "redondo" à Casa, sem pontos a modificar, e não há "vozes dissonantes".
O próprio governo, o Ministério da Educação (MEC) e especialistas, no entanto, consideraram que a parcela inicialmente proposta poderia ferir o equilíbrio fiscal e que, no longo prazo, não seria solvente. Eles também apontam que, em que pese investimento em educação seja ponto de partida, outras políticas se mostram tão ou mais importantes, como a eficiência na gestão dos recursos e um esforço sistêmico em prol da educação.
"Seria incoerente da minha parte alterar o texto", disse Arns em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo. "O que foi aprovado na Câmara não é nada estranho ao Senado. Nós participamos de todo o processo".
O senador também comenta sobre a participação do novo ministro da Educação, Milton Ribeiro, nas discussões finais, esclarece fatos sobre a atuação do MEC nos debates e fala sobre as propostas apresentadas pelo governo que não prosperaram, como a ideia de destinar parte dos recursos do fundo ao programa Renda Brasil.
A PEC torna o Fundeb permanente, aumenta a contribuição da União à "cesta" de recursos e torna critérios de distribuição mais justos, aumentando a capilaridade do fundo no Brasil. Há, no entanto, pontos da proposta questionados por especialistas, como a cifra do aporte do governo e a vinculação de 70% do valor a salário de professores.
Leia, abaixo, a entrevista completa com o senador Flávio Arns:
O senhor comentou que a PEC chegou "redonda" no Senado. Há pontos a modificar? O que foi aprovado na Câmara deve ser mantido integralmente?
Senado e Câmara trabalharam em conjunto no Fundeb, desde o último ano. Fizemos 15 audiências públicas a respeito do tema com o objetivo de ganharmos tempo e não termos duas caminhadas diferentes no Congresso.
Vou confirmar e ratificar a decisão da Câmara, seria incoerente da minha parte alterar o texto. Não só porque a Câmara decidiu por consenso, mas porque trabalhamos em conjunto. Há uma concordância geral em relação aos avanços que a proposta pode permitir ao Brasil.
O que foi aprovado na Câmara, portanto, não é nada estranho ao Senado. Nós participamos de todo o processo, não há necessidade de fazermos novas reuniões. Da minha parte, como relator, tenho toda condição de entregar o relatório na terça-feira (28).
Pela unanimidade, o senhor acredita que de agosto não passa a votação?
Dependeremos da presidência do Senado e dos líderes para marcar a votação. Mas pelo que temos visto, as lideranças no Senado receberam muito bem o que foi aprovado na Câmara e há clima para se votar logo.
Não há necessidade de esperar pois não há o que se acrescentar, no meu ponto de vista. Poderia acontecer até semana que vem. Mas depende do presidente, não de mim.
O MEC foi acusado de não ter participado ativamente das discussões do Fundeb. A pasta não participou?
Consideramos que é essencial que o governo federal e todo o sistema nacional, estadual e municipal de educação se envolvam. O MEC era sempre convidado para as reuniões e sempre enviava um representante para participar. Contudo, posso assegurar que não houve envolvimento suficiente do ministério.
O que o senhor considera como um envolvimento suficiente, senador?
Conduzir o processo, chamar as pessoas, dizer que é muito importante ter o Fundeb renovado, aumentar recursos, assumir o protagonismo. Quem debateu foi o Ministério da Economia e o gabinete da Presidência. No meu ponto de vista, sem demérito nenhum a eles, que são competentes, quem teria que conduzir o processo é o MEC.
Nós já nos colocamos à disposição do MEC para trabalharmos juntos e ressaltamos a importância do ministério de participar ativamente do processo. Afinal, depois da PEC, temos todas as leis que a regulamentarão, e também todo o trabalho articulado que tem que acontecer.
Então o MEC nunca se recusou a participar das discussões, como foi dito por alguns interlocutores, correto?
Exatamente. Em todas as audiências para as quais foi convidado a participar à mesa, como expositor, ele estava presente. Contudo, não estava presente em reuniões em que não era expositor. Ou dando ideias, sugestões, participando das reuniões de trabalho. A ausência do MEC neste período foi bastante sentida.
A PEC está sendo votada poucos meses antes do fim da vigência do Fundeb. Não foi possível deliberar antes? Houve intenção de se votar no último ano, por exemplo?
A previsão era de que a votação acontecesse no início deste ano. Não aconteceu, essencialmente, em função da pandemia. Esse fator interferiu bastante no andamento dos trabalhos. Mas em função de todo o trabalho que já havia sido realizado, tanto na Câmara como no Senado, aprovou-se como consenso, praticamente.
Não há vozes dissonantes, contrárias ao que foi feito. O tempo ainda é suficiente. Se chegasse no Senado e tivéssemos que fazer reuniões, audiências públicas, ir para consultoria, negociar com a Câmara, realmente seria muito mais difícil.
Embora o senador afirme que não há vozes dissonantes ao que propõe à PEC, e que novo Fundeb tenha sido aprovado com folga na Câmara, há especialistas e mesmo representantes da educação destoam da proposta. Especialistas acreditam que o problema da educação não diga respeito apenas a "mais investimentos", mas, sim à gerência dos recursos, um esforço sistêmico. Como o senhor vê isso?
Ter financiamento da educação é o ponto de partida. Para saber se alguma política pública é considerada como prioridade, basta ver seu orçamento. O Fundeb é um equalizador essencial para que o dinheiro chegue a municípios pobres. Se não tivéssemos o fundo, a diferença entre muitos municípios no Brasil seria muito maior em termos de recursos. Alguns municípios teriam mil reais por ano enquanto outros teriam oitenta mil reais. Mesmo com o Fundeb atual, o valor por aluno vai chegar no final a R$ 5,7 mil ao ano. Se compararmos isso com países desenvolvidos, ainda é um recurso insuficiente em função das carências.
A gestão é essencial sempre, os estudos mostram que a partir do momento em que se tem recursos suficientes, básicos, para a empreitada, aí a gestão se torna cada vez mais referencial em termos de diferença de qualidade. Investir em educação é importante. Medir qualidade também é importante. Isso foi colocado na proposta. Tanto que um valor percentual está sendo destinado para os municípios em função de uma regulamentação que vai ser feita para avanços de qualidade. Tomando um pouco de cuidado, porque qualidade não significa só ir de 6 para 7 no Ideb, já que alguém que vai de 2 para 4 pode até representar maior avanço.
O valor de 2,5 para indução de boas práticas é suficiente, senador? Há chance do valor aumentar, no Senado?
Não. Vai ficar nisso, porque além disso está previsto que pode ter a utilização do ICMS estadual. Em dois anos, assembleias legislativas terão que aprovar legislações nesse sentido. Esse debate estadual também é interessante que aconteça, voltado para resultados.
Vincular 70% da complementação da União a salário de profissionais da educação deve tornar a carreira mais atrativa? Por outro lado, isso não poderia engessar os investimentos? Como o senador vê a proibição de que o fundo seja usado para pagamento de aposentados?
É muito importante ter professores e profissionais da educação. É preciso ter um quadro bastante qualificado de infraestrutura na escola. Ter secretaria, biblioteca, profissionais que atuam na tecnologia, tudo que possa ser feito. Professores, pedagogos também estão lá, precisa ter a participação de assistentes sociais, psicólogos educacionais. Tem que ter carreiras atrativas para que as pessoas digam "eu quero ser professor, é minha vocação, e a carreira vai me permitir ter uma vida boa".
O senhor, então, acredita que apenas esse aumento no Fundeb vai garantir atratividade da carreira docente?
Isso ajuda bastante. Tem que ter, no fundo, melhoria do desenvolvimento econômico do país. Na pandemia, vimos que se não tivéssemos acesso à educação, tudo fica mais complicado. 70% representarão mais recursos havendo um desenvolvimento econômico adequado. E para aumentar desenvolvimento econômico, tem que assegurar isso através da educação.
Como o senhor vê a proposta de governo de destinar parte dos recursos para o dito Renda Brasil, proposta que não vigorou?
Eu sou totalmente a favor de um programa social que assegure renda básica para o Brasil. A pandemia indicou a necessidade de se fazer isso, de que todo o povo brasileiro tenha acesso à uma renda básica. Porém, não concordo em tirar do valor da educação. É muito importante ter renda básica, mas recursos da educação são da educação, inclusive para atender essas pessoas que precisam da renda básica. Em qualquer país do mundo, significa política de assistência social, que tem que estar junto com a saúde, educação. Articulado, mas não tirando recursos da educação pra isso.
Isso ficou bem acordado entre governo e parlamentares?
Sim. A gente tem que separar bem as coisas.
O governo propunha, entre outras coisas, que o aporte da União fosse de 15%. Como o senador avalia o que foi proposto pelo Executivo?
Pelos relatos da Câmara, não havia sintonia entre as propostas do governo. O Ministério da Economia apresentava alguns direcionamentos e faltou articulação pela ausência do MEC. Se o MEC assumisse, de fato, o papel de protagonismo, ele poderia articular as ações do governo. O próprio presidente mencionou várias vezes que concordava com o que foi aprovado na Câmara. Disse que era boa política, necessária, elogiou o trabalho. A partir dessa fala do presidente, penso que o governo está concordando com o que foi aprovado.
Mas o próprio ministro da economia, Paulo Guedes, sugeriu que o aporte fosse menor...
Sim. Mas eu relatei a PEC no Senado, que tinha como primeiro signatário o David Alcolumbre, que propunha 40%, não 23%. O senador Cajuru apresentou outra proposta, com 30%. Foi aprovado 23%. Temos uma dificuldade muito grande na economia. Mas para a situação fiscal melhorar, educação é instrumento essencial. Não há outro caminho.
A deputada professora Dorinha afirmou que há dificuldades para o novo ministro da Educação, Milton Ribeiro, ficar a par das discussões e que seu papel deve ser mais em relação a implementação do texto. Algumas entidades representativas da educação que participaram do debate também afirmaram que "seria melhor que ficasse fora das discussões, para não atrapalhar". O senador disse que não deve alterar nada no texto. Sendo assim, o ministro Ribeiro será convidado ao debate?
Não conversei com ele, nem houve muita oportunidade. Mas eu tenho dado várias entrevistas dizendo que queremos trabalhar juntos com o ministro. Faço apelo ao dr. Milton, para que ele participe, seja protagonista, para que o MEC assuma a responsabilidade. E junto à sociedade toda. Aí teremos todos puxando a corda para o mesmo lado, fazendo esforço para dar certo.
Ainda há tempo para ele participar, mesmo chegando no fim do processo?
Sim, totalmente. Ele vai pegar uma PEC que não é de 40%, nem 30%, se esse era o receio do Guedes.
A distribuição dos recursos entre estados e municípios é um dos grandes dilemas do atual Fundeb, incluindo os critérios do Valor Aluno Ano Total (VAAT). Municípios pobres em estados ricos acabam não sendo prestigiados. Isso deve melhorar com o novo Fundeb?
Sim, isso vai se inverter completamente. Não teremos mais cestas estaduais de recursos, teremos cestas municipais. Além disso, o Fundeb fala dos 20% dos 25%, no mínimo, que cada estado e município deve aplicar em educação. Ainda tem os outros 5%. A PEC diz que todos os municípios terão que mostrar sua situação tributária, para vermos como estão esses outros 5%. Alguns municípios tem bastante IPTU, ICSS, e outros não tem nada. Assim podemos equilibrar as coisas.
A PEC também propõe analisar o potencial fiscal dos municípios. Para fazer uma política mais agradável, há municípios que acabam isentando cidadãos de impostos. O potencial fiscal, que muitas vezes é pequeno, poderia ser muito maior. Temos condições, no novo Fundeb, de acompanharmos o esforço de cada município no sentido de arrecadação. Tendo mais recurso, terá maior aporte para educação.