Com a obrigatoriedade, a partir de 2016, de matricular crianças de 4 e 5 anos, diversas regiões do país passaram a suprir a escassez de vagas no ensino público comprando vagas em instituições privadas ou oferecendo dinheiro para as famílias pagarem as mensalidades. Apesar de ser uma solução provisória, a transformação do modelo em algo permanente é uma hipótese a ser levada a sério.
A alocação, pelo poder público, de alunos no ensino privado por meio do pagamento de “vales-escola”, conhecidos como vouchers, já é adotada em larga escala por países como Chile e Suécia.
No Brasil, a iniciativa ganhou força em 2016, em prefeituras como as de Porto Alegre (RS) e Piracicaba (SP). No Distrito Federal, os vouchers anunciados pelo governador Rodrigo Rollemberg (PSB) tiveram o valor de R$ 456 mensais para famílias com crianças de 4 e 5 anos que não conseguiram vagas na rede pública naquele ano letivo. Em Salvador, o prefeito ACM Neto (DEM) ofereceu R$ 50 mensais para as famílias inscritas no Bolsa Família com crianças de até 5 anos.
As medidas adotadas no ano letivo de 2016 tiveram caráter emergencial: a ideia seria aumentar gradativamente o número de vagas na rede pública e diminuir o número de vouchers.
De acordo o líder da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, Alessio Lima, os municípios adotaram a medida com uma motivação contábil: os gastos atrelados ao aumento de turmas na rede pública, como contratação de mais professores, são transferidos para a iniciativa privada. Isso contém os gastos dos cofres públicos, sem tirar a possibilidade de vagas para matrícula.
Mas o sistema de vouchers apresenta vantagens e pode ser uma alternativa permanente para os modelos de ensino público e privado.
Modelo global
No Chile, os vouchers são utilizados desde a década de 1980. O sistema de subsídios de alunos foi adotado como parte de um pacote de reformas educacionais durante o governo de Augusto Pinochet, implementadas a partir de 1973. Hoje, o modelo predomina no país, tanto na educação básica quando no ensino superior.
Lá, o programa fez dobrar o número de matrículas nas instituições privadas participantes em seis anos, com mais de 30% dos estudantes chilenos matriculados em todos os níveis de ensino por meio do sistema de vouchers.
O modelo tem ganhado força nos EUA, com o apoio do presidente Donald Trump e da Secretária de Educação, Betsy DeVos. Hoje, Indiana é o estado que mais investe no modelo, com US$ 20 milhões anuais distribuídos para famílias com crianças em idade escolar.
O programa foi lançado no estado em 2011 pelo governador Mitch Daniels como parte de um pacote de mudanças no sistema de educação estadual. Os vouchers contemplaram inicialmente 7,5 mil crianças de famílias de baixa renda – hoje, o programa atende 34 mil alunos. “A capacidade de escolher uma escola que os pais acreditam ser a melhor para o futuro dos seus filhos não se limita mais aos ricos”, anunciou Daniels na ocasião.
O resultado foi uma diminuição dos gastos públicos com educação, que permitiu ao estado se recuperar mais rapidamente da crise que atingiu o país em 2008. De acordo com o Centro para Políticas de Avaliação e Educação da Universidade de Indiana, o estado está gastando US$ 146 milhões com vouchers neste ano letivo, contra os US$ 6,8 bilhões que se estima que seriam gastos em escolas públicas para atender o mesmo número de alunos.
Além do impacto financeiro
O impacto do modelo não se limita ao campo contábil. De acordo com um estudo da American Federation for Children, organização voltada para a criação de políticas educacionais no EUA, 91% dos alunos que recebem vouchers se formam no ensino médio, contra 70% dos alunos que não participam do programa.
A diferença se reflete na satisfação dos pais: quase 50% dos pais de alunos que recebem vouchers estão satisfeitos com as escolas que seus filhos frequentam, contra 30% dos pais de alunos sem vouchers, de acordo com uma pesquisa feita em 1999 pela Universidade de Harvard.
Paradoxo nacional
No Brasil, a implantação do modelo como política pública para o ensino básico gera controvérsia. Especialistas apontam que com o aumento do número de alunos de baixa renda na rede privada, surge um novo nicho de mercado que pode não apresentar a mesma qualidade de ensino e infraestrutura correspondentes a mensalidades mais caras.
“É como se tivesse uma rede privada da classe média alta e outra do salário mínimo”, diz o professor da Faculdade de Educação da UnB (Universidade de Brasília) Luiz Araújo em entrevista à Folha de S. Paulo. Essa separação é uma das falhas apontadas no modelo chileno, sobretudo no ensino superior.
De modo similar, o subsídio de alunos está presente no ensino superior brasileiro por meio do ProUni. O programa oferece bolsas parciais e integrais em instituições de ensino superior privadas para estudantes de baixa renda. Os resultados são percebidos tanto pelas instituições quanto pelos estudantes: o número de graduados aumentou, e os alunos participantes do ProUni apresentam notas no Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) maiores do que as de alunos de universidades públicas.
De acordo com pesquisa realizada pelos professores Jacques Wainer, da Universidade Estadual de Campinas, e Tatiana Melguizo, da University of South California, o desempenho de alunos bolsistas do ProUni é igual o superior ao dos colegas que não participam do programa.
“Os alunos do ProUni tiveram em média notas maiores que seus colegas”, dizem os pesquisadores. “Alunos que receberam bolsa do ProUni parecem ter acumulado mais conhecimentos que seus colegas de classe.”
A adoção de vouchers escolares não significa o fim da escola pública: é uma ampliação da capacidade de escolha do cidadão de baixa renda. Se bem implementado, trata-se de um sistema que pode ajudar o Brasil a percorrer a longa trajetória rumo a um sistema educacional de qualidade.
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