Imagine uma realidade diferente da que ocorre no Brasil: crianças pobres com a possibilidade de estudar na mesma escola que as ricas no sistema educacional privado e compartilhando de uma educação de qualidade. Essa ideia, que funciona em países como os Estados Unidos, é defendida por Marcos Ricardo dos Santos no livro “Vouchers na educação: o pobre e o rico na mesma escola”, da Editora Appris. Os vouchers funcionam como um "vale" em que os pais receberiam para colocar as crianças na escola privada que quiserem.
"O Estado assume, então, essa responsabilidade de ajudar as pessoas que não têm condições de acessar a rede privada, ou seja, uma alternativa que ofereceria a qualidade da mesma escola para o pobre e o rico ao mesmo tempo", explica o autor, que é mestre em economia e especialista em políticas públicas.
Semelhante ao ProUni (Programa Universidade para Todos), só que desenvolvido no ensino básico, esse benefício tem alcançado bons resultados onde é aplicado, mas no Brasil ainda é um sonho distante para quem é favorável a proposta.
"O ProUni não foi dito como programa de vouchers, mas tecnicamente ele é [que é o Estado custeando a faculdade para os mais pobres]. Ele foi focado, inclusive, no público mais pobre, que teve um grande acesso às instituições privadas. Mais ou menos o custo do programa é de um terço do que custa um aluno de universidade federal", compara Santos.
No caso do ensino básico, o autor propõe que os mais pobres passem a frequentar as mesmas escolas das elites. "Aproximar e tirar o déficit educacional da desigualdade é um objetivo dos vouchers. As pessoas mais ricas estão nas melhores escolas. Então, queremos trazer as pessoas mais pobres que precisam da educação para melhorar de vida para as melhores escolas também, com a ajuda do Estado", afirma.
Resistência dos sindicatos
Os vouchers enfrentam resistência de parte dos educadores e de sindicatos, por entenderem que a União deve investir apenas na escola pública e não na rede privada. Contudo, Santos acredita que essa aversão à ideia é, entre outros motivos, uma preocupação por "sobrevivência". Nos países onde os vouchers são adotados, os docentes com mau desempenho são demitidos (não há estabilidade) e a função do sindicato deve ser mais propositiva.
"Os servidores públicos [professores] são contra, porque é uma questão de sobrevivência para eles em primeiro lugar, e porque de fato há uma tradição de acreditar na escola pública. Então, eles vão defender até o fim. É uma coisa natural e que temos de enfrentar. Mas é sempre bom lembrar: interesses das corporações devem ser colocados depois dos interesses das famílias".
Como os últimos indicadores confirmam o fracasso da educação estatal, o autor se questiona porque o Brasil insiste em seguir a mesma receita sem sucesso.
"Os níveis de qualidade na educação são praticamente os mesmos nos últimos 20 anos, considerando que o investimento na educação pública triplicou. A minha proposta no livro é conseguir colocar os pobres nas escolas particulares sem gastar a mais do dinheiro público. Com o mesmo recurso, é possível pegar um milhão de reais que é utilizado na escola pública para ajudar 30% a mais de crianças", afirma.
Como funcionaria o sistema de vouchers na educação?
O “Vouchers na Educação” propõe que pobres e ricos estudem na mesma escola. Mas como isso funcionaria? Santos explica que os "vales" seriam distribuídos em um escalonamento em relação à renda de cada família, alcançando todas as classes sociais.
"A ideia é que não precisa pagar um valor integral para todas as crianças, mas sim que seja uma coparticipação. As crianças com uma faixa de renda mais pobre [classe E], os 20% mais pobres, receberiam, de acordo com a proposta, 100% do valor do voucher, uma quantia de referência que seria a média do público das escolas na região. Depois, a classe C receberia 75%. Na sequência, vem os 50%, depois 25%. Ou seja, não precisa [pagar]100% para todo mundo, e sim para os mais pobres", ressalta o especialista.
Para ele, o vouchers na educação pode ser aplicado desde que as regras do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) sejam alteradas. “Hoje, para implementar um novo programa é difícil, a menos que a própria prefeitura ou escola faça isso diretamente, sem a ajuda do governo federal", diz. "É possível, mas seria mais fácil se as regras do Fundeb fossem mudadas. Haveria mais recursos para fazer uma tentativa mais robusta. Mas poderia ser testado no Brasil. Poderíamos fazer um projeto-piloto controlado em algumas regiões, para poder ver de fato os resultados e ir ampliando progressivamente”, avalia.
Vouchers ou Charters Schools
Existe um modelo concorrente ao dos vouchers, chamado de charters schools. As escolas charter (contrato ou alvará, em português) são escolas privadas que funcionam com dinheiro público. Ao invés de administrar diretamente a educação, o Estado delega essa função à iniciativa privada que, para continuar “parceira” do Estado, precisa cumprir metas de qualidade medidas todos os anos. No Brasil, há um projeto de escola charter em Porto Alegre, financiado pela prefeitura.
Ainda assim, o autor avalia que o voucher é mais eficiente porque, nesse caso, os pais recebem o dinheiro e podem matricular o filho na escola que quiserem, e não em uma escola definida pelo governo, ainda que de administração "particular". "No voucher, contando que o governo dê essa liberdade, as famílias poderão matricular os filhos em qualquer escola", conclui.