Aos 82 anos, Walter Williams continua batendo cartão como professor de Economia na Universidade George Mason, nos arredores de Washington. A voz firme não dá qualquer sinal de que a idade seja um problema. Lá se vão 70 anos desde que ele começou a trabalhar, ainda como um garoto pobre em um projeto habitacional na Filadélfia.
À sua trajetória improvável deve ser acrescentado o fato de que ele contradiz muitas das bandeiras tidas como sagradas pelo movimento negro americano. Com uma argumentação direta e sólida que o tornou célebre entre liberais e conservadores, ele se opõe às cotas raciais, aos benefícios sociais do governo e à agenda política da esquerda contemporânea.
Autor de uma dezena de livros, Williams colocou em prática suas habilidades argumentativas em uma conversa com a Gazeta do Povo.
O Brasil tem uma lei federal que estabelece cotas, inclusive raciais, nas universidades federais. O que o senhor pensa disso?
Acredito que em primeiro lugar temos que notar que nem todo mundo é igual. E quando digo que todos não são iguais, não quero dizer que eles não devem ser tratados de forma igual pela lei. Mas temos de reconhecer que elas têm diferentes backgrounds, habilidades mentais e, se você usar números para decidir se alguém vai para a faculdade ou não, você comete erros graves.
De forma mais ampla, se você olhar ao redor do mundo – meu colega Thomas Sowell fez estudos nessa área – o resultado não é tão favorável. Muitas vezes, em lugares como Sri Lanka ou Índia, você vê pessoas brigando por causa das ações afirmativas.
E mesmo nos Estados Unidos, quando tentamos ter cotas para negros nas universidades, elas não beneficiaram os estudantes negros de fato. Um exemplo: Thomas Sowell diz que, durante os anos 80 e 90, a universidade de Berkeley tinha cotas para negros, mas no fim das contas 15% dos estudantes admitidos por cotas se formaram. Então, muitos dos estudantes negros que foram aceitos por Berkeley, que é uma universidade de ponta, teriam sido bem-sucedidos em outro lugar, mas foram recrutados por Berkeley e fracassaram por causa do sistema de cotas.
No Brasil, nem sempre há uma distinção clara entre negros e brancos. Esse é um problema a mais?
Sim, e na Índia, Indira Gandhi tinha um programa especial para os “intocáveis”, pessoas que tinham um longo histórico de discriminação contra si, e no fim das contas muitas pessoas que não eram “intocáveis” alegaram ser “intocáveis” para se beneficiar dos programas. Você nota que, nos Estados Unidos, em algum desses programas de ações afirmativas, pessoas que não são brancas alegam ser negras para se beneficiar dos programas.
E é muito interessante: veja os esportes, por exemplo. Nos Estados Unidos, 80% dos jogadores profissionais de basquete são negros. No futebol americano profissional, 66% dos jogadores são negros. Os negros são só 13% da população nos Estados Unidos. Se alguém dissesse que precisa haver cotas baseadas na população, e que somente 13% dos jogadores da NBA podem ser negros, faria um grande desserviço aos negros. E as pessoas, como disse no começo, diferem muito. Os judeus são menos de 3% da população dos Estados Unidos, mas têm 35% dos prêmios Nobel vencidos por americanos em ciências. É uma grande desproporção, mas o que você vai fazer a respeito?
O senhor crê, então, que a própria natureza humana explica a desigualdade e que muitas pessoas erram ao não ver isso?
Correto. E como meu colega Milton Friedman dizia, qualquer sociedade que coloca a igualdade antes da liberdade vai acabar com pouco de cada. Mas se ela coloca liberdade antes de igualdade, vai terminar com uma dose maior das duas.
O que o senhor pensa do novo livro Against Education (”Contra a Educação”), do seu colega de universidade Bryan Caplan?
Creio que existe educação demais, pelo menos nos níveis mais altos. E digo por algumas razões: nos EUA, perto de 50% dos calouros das faculdades precisam de educação complementar em matemática, escrita e inglês. Ou seja, o diploma de ensino médio que eles receberam era fraudulento. Eles não estavam prontos para a faculdade.
Estou dizendo que o lugar desses estudantes não é a faculdade. E em muitos casos a faculdade é uma perda de tempo. Um colega meu tem uma pesquisa muito interessante: uma grande percentagem, perto de 90%, dos comissários de bordo têm um diploma superior, e muitos taxistas, ou vendedores, também têm um diploma de curso superior. E eu pergunto: por quê?
É um pouco enganador, porque muitos pais pensam que os filhos irem à faculdade é uma coisa boa. São muito orgulhosos deles. E muitos professores e administradores de ensino querem mais educação, porque isso significa que elas recebem mais dinheiro: mais jovens indo para a faculdade, mais subsídios do governo. Isso enriquece as pessoas às custas da sociedade como um todo.
O senhor costuma argumentar que gestores atuais dão pouca relevância à família, à cultura e à religião no processo educacional. Em que essa opinião se baseia?
Creio que eles têm interesses particulares nesse ponto de vista. Mas se você olhar nossa história, quando havia muito menos gastos com educação, menos governo envolvido na educação como um tudo, as pessoas saíam mais educadas.
Tem um artigo do Wall Street Journal, alguns anos atrás, mostrando que uma pessoa com ensino médio em 1945 sabia tanto quanto uma pessoa com faculdade em 1970. Então, particularmente em níveis menores de educação, a coisa mais importante de crianças irem para escola é a vida doméstica. Para ter uma boa educação, alguém precisa fazê-lo ir para a cama na hora, ter 8 ou 9 horas de sono, alguém tem que fazê-lo fazer o dever de casa. Alguém precisa acordá-lo e preparar o café da manhã, e alguém precisa fazê-lo respeitar o professor. Se essas coisas não são feitas, não interessa quanto dinheiro você coloca na educação, você não terá uma educação muito boa.
Então, o que digo é que uma grande porcentagem dos elementos para uma boa educação é provida pela família, não pelo sistema educacional. A família e, devo dizer também, a igreja. Muitas pessoas dizem que podemos melhorar a educação colocando mais dinheiro nela, construindo prédios melhores, contratando professores mais inteligentes. Bem, se esses elementos domésticos não estão presentes, não interessa quanto dinheiro você põe na educação, não terá um bom resultado.
O senhor acredita que o chamado “colapso da família negra” tem um efeito sobre a educação?
Na verdade, não se deveria dizer colapso da família negra, porque a família negra nem mesmo se forma. 75% das crianças negras nascem fora do casamento. Isso é totalmente novo entre os negros. Em 1938, a taxa de nascimentos fora do casamento era de 11% entre os negros, e de 3% entre os brancos.
Hoje, em torno de 30% das crianças negras vivem em uma família com pai e mãe. Mas no fim dos anos 1870, dependendo da cidade para que você olha, 70% das crianças viviam em uma família com pai e mãe. No Harlem, em 1925, 85% das crianças negras viviam com pai e mãe.
O que estamos vendo entre os negros americanos é inteiramente novo. E o que costumo dizer é que o estado de bem-estar social fez com os americanos negros aquilo que a escravidão, as leis de segregação mais duras e o racismo não puderam fazer: destruir as famílias negras.
O estado de bem-estar social destrói as famílias de forma igual. Hoje, mais de 30% dos americanos brancos nascem foram do casamento. A taxa está subindo para todos, conforme os benefícios do governo crescem.
Então, na sua infância o cenário era totalmente diferente?
Eu vivia em uma vizinhança pobre. Minha irmã e eu – meu pai abandonou minha mãe quando eu tinha 3 anos – éramos as únicas crianças naquela vizinhança que não tinham um pai e uma mãe em casa. E hoje é o contrário. Apenas algumas crianças têm um pai e uma mãe em casa. Na Suécia, que tem um amplo estado de bem-estar social, a taxa de crianças nascidas fora do casamento é em torno de 50%. O que o estado de bem-estar social faz é tornar menos custoso para as pessoas terem filhos fora do casamento. E não tem sanção social. Quando eu era jovem, era um constrangimento para a família uma garota ter um filho fora do casamento. E muito vezes a garota seria mandada para o sul, para viver com a avó ou parentes até ter o bebê. Mas hoje não há tanta sanção social.
Quando você cria leis, e quando você tem políticas governamentais, não pode perguntar sobre as intenções; tem que perguntar sobre os efeitos.
O Brasil tem um amplo sistema de ensino superior totalmente gratuito. Isso é um mau negócio?
O que acontece é que você tem menos trabalhadores manuais como encanadores, eletricistas, e técnicos de ar condicionado. Existem muitos trabalhos vocacionais que as pessoas podem fazer, e há uma escassez desses profissionais, e você vê os salários de encanadores, eletricistas e mecânicos subindo. Esse é um dos efeitos em criar uma demanda artificial pela educação superior: as pessoas são enganadas a pensar que sucesso exige faculdade. Não exige faculdade de forma alguma, e na verdade algum dos homens mais ricos do mundo não concluíram a faculdade, como Bill Gates e Steve Jobs. Diria que a faculdade não é para todo mundo.
E isso não é algo ruim?
Isso não é algo ruim. Uma boa coisa talvez seja terminar o ensino médio, conseguir um emprego bom e honesto, se casar, ter filhos, gerar uma família. Essa é uma boa vida, e não exige faculdade.
Com a internet e as diferentes plataformas de ensino, o senhor crê que a faculdade vai se tornar menos relevante?
É bem possível que tenhamos tanta informação em nossas mãos que não precisemos mais dos especialistas. E, na verdade, uma boa parte da educação superior é doutrinação – esquerdistas ou socialistas tentando doutrinar as crianças com esse conceito nonsense de que o capitalismo é mau, e o socialismo é bom.
Existe um experimento muito fácil para expor essas mentiras ensinadas por tantos professores universitários: se você listar os países de acordo com a proximidade com o livre mercado ou o socialismo no espectro econômico, em seguida listar os países de acordo com a posição deles nos indicadores de direitos humanos da Freedom House e da Anistia Internacional e depois listá-los de acordo com a renda per capita, vai achar uma coincidência impressionante: nos países que são mais favoráveis ao capitalismo ou livre mercado, os cidadãos têm renda maior renda e direitos humanos mais protegidos. Os países mais próximos do comunismo têm renda inferior e proteção dos direitos humanos menor.
Então, qualquer pessoa realmente preocupada com os direitos humanos e a prosperidade deveria apoiar sistemas de livre mercado.
Se você colocar seu dedo no mapa em qualquer lugar do mundo e procurar pela miséria, verá que a maior parte dela é causada pelo governo.
O governo deve fazer algo para reduzir a desigualdade?
Acredito que o governo deveria parar de fazer coisas que aumentam a desigualdade. Por exemplo, muitas escolas que os estudantes negros frequentam são fraudulentas: muitas das crianças não sabem ler, escrever ou fazer contas, mas ainda assim recebem diplomas.
Algo que pode reduzir a pobreza é se livrar de muitas das leis de licenciamento. Por exemplo: uma pessoa pobre pode se tornar proprietária de um táxi e talvez ganhar 40, 50 mil dólares por ano, e pode ter um carro usado e contratar um seguro. Não é tanto dinheiro que uma pessoa precisa para ser dono de um táxi. Mas em Nova York, por exemplo, historicamente, a licença para operar um táxi é de US$700.000 dólares.
Você encontra essas leis em muitas cidades, que acabam cortando os degraus debaixo da escada econômica. O salário mínimo é outra ação do governo que reduz as oportunidades de emprego para pessoas com baixas qualificações. Muitas pessoas apoiam o salário mínimo porque querem ajudar pessoas pobres, de baixa renda, com pouca qualificação. Onde quer que você tenha leis de salário mínimo no mundo, as intenções são boas, na maior parte dos casos. Mas quando você cria leis, e quando você tem políticas governamentais, não pode perguntar sobre as intenções; tem que perguntar sobre os efeitos.
Você vê os efeitos do salário mínimo se você se colocar no lugar do empregador. Se você é um empregador e precisa pagar 7,35 dólares por hora a qualquer empregado, não importa quem, você vai empregar aquele empregado que tem o azar de ter habilidades que vão permiti-lo produzir apenas 3 ou 4 dólares por hora de valores? A maioria dos empregadores vai olhar para isso como uma proposição economicamente negativa. Eles não vão contratar uma pessoa por 7,35 dólares quando ela só pode produzir 4 dólares em valor por hora.
Então, a primeira consequência da lei do salário mínimo é discriminar contra o empego de pessoas com baixa qualificação. E deixe-me acrescentar algo: eu tenho 82 anos de idade, nascido e criado em um projeto habitacional no norte da Filadélfia. As crianças que vivem no mesmo projeto habitacional, Richard Allen, não têm as chances que eu tinha de sair nos anos 50 e 60.
Eu trabalho desde os 12 anos de idade, na construção civil ou retirando a neve dos trilhos do trem, e em todos os tipos de coisa que são inviáveis para crianças de hoje, em grande parte por causa das leis trabalhistas e do salário mínimo. Então, voltando à pergunta original, creio que a forma como o governo pode ajudar pessoas com baixa qualificação é sair do caminho deles, reduzir todos os tipos regulações e não tentar resolver os problemas por meio de coisas artificiais como ações afirmativas.
O que dizer para as pessoas que creem que a função primária do Estado é corrigir injustiças sociais?
O Estado é provavelmente a principal causa de injustiça social. Por exemplo: nos Estados Unidos, no tempo em que tínhamos escolas, restaurantes e outros lugares segregados, a segregação era feita por lei. E quando você vê uma lei dizendo que um negro não pode ir a um teatro específico, a razão pela qual a lei existe é que nem todos iriam se comportar de acordo o que a lei exige.
Porque algumas pessoas deixavam os negros entrarem nos restaurantes, alguns donos deixavam os negros em seus teatros, então a maioria das dificuldades e discriminação que você vê são por causa da lei.
Veja as escolas públicas: em muitos lugares, as escolas que servem as pessoas de baixa renda são ruins e pelo governo. Muitas vezes as escolas são perigosas, e elas têm baixa qualidade, maus professores e uma má educação. Mas a classe média, a classe alta, os filhos deles não estão indo para as mesmas escolas. Se você colocar seu dedo no mapa em qualquer lugar do mundo e procurar pela miséria, verá que a maior parte dela é causada pelo governo.