Cumprindo os últimos compromissos à frente da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o reitor Zaki Akel Sobrinho se diz feliz por ter concretizado “muito do que havia proposto para a comunidade” quando foi eleito, em 2008. Depois de dois mandatos à frente da Reitoria, Akel transmite nesta segunda-feira (19) o cargo para o diretor do setor de Ciências Jurídicas, Ricardo Marcelo Fonseca, que venceu a eleição realizada no último mês de setembro.
Na última quarta-feira (14), Zaki Akel recebeu a reportagem da Gazeta do Povo para fazer um balanço de sua gestão, marcada pela expansão da universidade. O reitor também falou sobre os desafios que se mantêm, como a questão orçamentária que envolve a gestão do Hospital de Clínicas (HC). Confira:
Na próxima segunda-feira (19), o senhor deixa o cargo de reitor da UFPR. Qual é o balanço que faz da sua gestão?
Estou muito feliz porque acredito que concretizamos muito do que havíamos proposto para a comunidade na nossa eleição. Em 2008, falávamos em ‘despartidarizar’ a universidade. Essa promessa nós concretizamos, pois conseguimos um diálogo democrático e republicano sem criar vinculações com candidatos ou partidos políticos.
A interiorização e a expansão da universidade foram outros objetivos alcançados plenamente. Nós crescemos 50% a graduação, 67% a pós-graduação no stricto sensu [mestrado e doutorado], criamos novos campi em Jandaia do Sul e em Toledo e ampliamos o campus de Palotina [entre outras ações]. Entregamos para o Paraná uma universidade bem ampliada, interiorizada e que não perdeu excelência acadêmica, o que era outra promessa nossa.
[Sobre as ocupações] Nós ficamos entre o rochedo e o mar. Muita gente disse: “reitor, chama a polícia”, “usa a força”, “mostre pulso”. E a sociedade, que nos olha de fora, às vezes pode ter a impressão de que só ficamos assistindo às coisas acontecerem. Ao contrário disso, desde o primeiro momento em que há uma ocupação, uma manifestação, nós abrimos uma mesa de diálogo e começamos a traçar uma solução para o impasse.
Esta expansão foi uma das marcas da sua gestão e chegou a receber críticas dos então candidatos a reitor relacionadas à sua falta de planejamento. Como o senhor avalia esse crescimento?
É uma crítica é vazia. O que tenho a dizer é justamente o contrário. Toda a nossa gestão foi trabalhada em cima do nosso Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), que foi construído coletivamente, aprovado em conselho e já previa a interiorização. Nós fizemos a maior expansão física da história da universidade. Quando inauguramos o campus Rebouças, que tem cerca de 15 mil m² de área construída e vai abrigar primeiramente o setor de Educação e o curso de Turismo, por exemplo, entregamos áreas para setores que nunca tiveram sua “casa própria”. O setor de Ciências Exatas ganhou um prédio de 7,65 mil m², o de Ciências da Terra um de 3,1 mil m² [entre outros exemplos]. Quando fui me despedir da comunidade, recebi muitas homenagens e reconhecimento. Para quem diz que não temos planejamento, tenho a responder com números e com prédios valorizadíssimos pela comunidade.
Sua gestão passou da euforia dos recursos do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) ao período de corte de gastos por parte do governo federal. Isso chegou a atingir sua gestão? Quais reflexos terá para a universidade, pelo menos no curto prazo?
Houve um corte de custeio de 10% nos últimos três anos, mas isso nós administramos com redução das despesas. Tivemos que fazer uma racionalização de todos os nossos contratos, em especial dos terceirizados, e todos os movimentos que um bom gestor faz para adequar as despesas às suas receitas. Mas o que mais nos trouxe reflexos foi o corte de 50% da parte de capital, que é o dinheiro que vem para obras e equipamentos, nos anos de 2014, 2015 e 2016. Isso fez com que algumas obras tivessem o cronograma atrasado e que alguns projetos não fossem concretizados. Em 2016, como já tínhamos visto que o cenário estava complicando em termos de déficit público e ajuste fiscal, fizemos o planejamento prevendo o corte que veio. A próxima gestão vai ter a incumbência de trabalhar como nós fizemos, no custeio, na manutenção diária das atividades da universidade, racionalizando e otimizando [os recursos].
A ocupação dos prédios da universidade, em especial a do prédio histórico, foi outro desafio recente que o senhor teve que administrar. Pode comentar sobre este evento?
Nós ficamos entre o rochedo e o mar. Muita gente disse: “reitor, chama a polícia”, “usa a força”, “mostre pulso”. E a sociedade, que nos olha de fora, às vezes pode ter a impressão de que só ficamos assistindo às coisas acontecerem. Ao contrário disso, desde o primeiro momento em que há uma ocupação, uma manifestação, nós abrimos uma mesa de diálogo e começamos a traçar uma solução para o impasse. Neste caso, nós fizemos um diálogo longo e, no final, tivemos que buscar o interdito proibitório e a reintegração de posse porque estávamos com o vestibular na iminência de acontecer. Não desejávamos exercer a reintegração de posse, queríamos como um instrumento de pressão sobre os estudantes, o que funcionou. Quando eles foram notificados já começaram a desocupar e, em cerca de 48h, retomamos todos os nove prédios que estavam ocupados, o que nos deu tranquilidade para fazer o vestibular.
Eu tinha receio de que houvesse algum tipo de ataque ao processo de vestibular próprio da universidade, que é uma conquista nossa. Hoje a UFPR é uma das poucas universidades federais que mantém um Núcleo de Concursos e que faz o seu próprio vestibular. Entendemos que esta é uma maneira de beneficiar os jovens do estado, uma vez que 86% dos inscritos no nosso vestibular residem no Paraná.
O Hospital de Clínicas (HC) é um desafio constante para as gestões da UFPR. Como o senhor avalia esta questão do HC na sua gestão? Vê uma saída para o hospital em um curto ou médio prazo?
Tivemos um momento decisivo na vida do HC que foi a decisão de fazermos um contrato de cogestão com a Ebserh [Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares]. Este foi o pior momento da nossa gestão, porque tivemos um processo antidemocrático de resistência à discussão desta matéria. Quando ela foi aprovada, o hospital melhorou a olhos vistos. Uma leitura do HC é a de que ele está sempre em crise, com falta de insumos e dinheiro. A outra é a de que ele reabriu 25% dos seus serviços, 25% dos seus leitos, unidades de UTI, pediátrica, adulto e cirúrgica, que são a grande necessidade do gestor municipal de saúde de Curitiba. Hoje, temos mais de 600 funcionários novos (celetistas, mas contratos via concurso público, que aprovou mais de 1,7 mil funcionários). À medida em que eles chegam e abrem unidades, estão ‘comendo’ o estoque de insumos do hospital. Este é o problema que gerou o desequilíbrio no abastecimento do HC. Está faltando material porque o hospital, hoje, está perto dos 400 leitos. Estamos pagando pela ousadia de termos ampliado o hospital, e não pela covardia de termos fugido desse compromisso e deixarmos ele ir morrendo aos poucos.
[Sobre a turma de Direito para assentados, alguns do MST]. Esta foi uma proposta trazida pelo curso de Direito por meio do Pronera (...). Houve um processo de seleção apenas de jovens de assentamentos e quilombolas [e críticas sobre] como eles entram sem vestibular. (...) O fato é que esta é uma lei federal. Se há o entendimento de que isto está equivocado, então tem que se agir no parlamento para mudar a legislação.
Agora, qual é a solução definitiva do HC? É melhorar a ‘contratualização’ com a prefeitura de Curitiba. A prefeitura precisa aumentar seu teto junto ao Ministério da Saúde para poder aumentar a contratualização e injetar recursos no hospital. Hoje, o que está faltando para o HC é dinheiro, não é mais pessoal.
Durante seus dois mandatos a universidade ampliou a oferta de vagas e enfatizou a inclusão. Como o senhor avalia este movimento não só em relação ao acesso, mas também à permanência e ao desempenho acadêmico dos jovens que ingressaram na universidade?
Temos que enaltecer o trabalho do Ministério da Educação, que criou o Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). Nos dá um volume de recursos substancial a cada ano, para que possamos pagar bolsas [por meio do Programa de Benefícios Econômicos para Manutenção aos Estudantes de Graduação e Ensino Profissionalizante (Probem)] de permanência, moradia, alimentação e auxílio-creche, fora as bolsas acadêmicas (iniciação cientifica, monitoria, de extensão e cultura). As bolsas de modalidade social deram uma condição de permanência para os alunos. Então, eles não têm apenas o ingresso pelo processo de cotas, mas são beneficiados por estas bolsas sociais. De outro lado, como vimos que o sistema de cotas está trazendo para a universidade alguns alunos que têm um score não muito elevado, criamos o Projeto de Reforço para Formação Acadêmica (Profa), no qual o aluno tem aulas no contraturno. Este foi o ano piloto deste projeto, que está sendo avaliado pela Pró-reitoria de Graduação (Prograd) para ver se ele trouxe uma redução nas taxas de repetência e de evasão, que são desafios que ainda temos pela frente.
Entre as ações de inclusão também está a criação da turma especial de Direito, voltada à comunidade quilombola e assentados, que recebeu muitas críticas. O senhor pode comentar sobre esta ação?
Esta foi uma proposta trazida pelo curso de Direito [e realizada] por meio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), que dá a estes alunos a chance de estudar por cinco anos na universidade. Houve um processo de seleção apenas de jovens de assentamentos e quilombolas [e críticas sobre] como eles entram [na universidade] sem vestibular. [Outro fato] que causou um pouco de ruído foi o de que, em uma das aulas, um aluno estava com uma bandeira do MST dentro da sala, o que trouxe todo esse ruído ideológico. O fato é que esta é uma lei federal. Se há o entendimento de que isto está equivocado, então tem que se agir no parlamento para mudar a legislação. A universidade não está fazendo nada de equivocado. O que sabemos é que eles estão tendo um bom desempenho acadêmico.
Tenho um bom diálogo com o professor Ricardo Marcelo e a professora Graciela [Bolzon], sua vice-reitora, fez parte da nossa equipe durante estes oito anos. Tenho certeza de que os dois irão fazer um bom trabalho e espero que eles tenham o apoio da nossa comunidade e um bom diálogo com a sociedade.
A inovação e a internacionalização da universidade foram outras bandeiras de sua gestão. Quais foram os avanços nestas áreas?
A mobilidade estudantil foi muito bem atendida, mas a parte de parcerias para pesquisas em conjunto é um foco que nós perseguimos e que eu diria que é um dos desafios que ainda ficam para a próxima gestão. Precisamos intensificar e, sobretudo, ampliar o diálogo com o setor produtivo. Tivemos inúmeros contratos de transferência de tecnologia [firmados] – quando assumimos havia um, hoje são mais de 20. Quando a universidade pega uma patente de seus inventos e a comercializa para o setor produtivo, isso gera royalties no médio prazo e é um estímulo para nossos pesquisadores, que percebem que seu trabalho cotidiano vai servir à sociedade.
Fizemos o fortalecimento da Agência de Inovação e passamos de 400 patentes já depositadas, o que é um número muito expressivo. Nesta sexta-feira (16), iremos assinar o quadrilátero acadêmico, um termo de cooperação que vai unir as quatro grandes universidades de Curitiba (UFPR, UTFPR, PUCPR e a Universidade Positivo) para atuarmos em conjunto, com foco na inovação, desenvolvendo pesquisas e projetos aplicados, porque entendemos que o Paraná precisa ter uma política mais agressiva nesta área. Eu propus essa ideia em um artigo publicado na Gazeta do Povo, no qual uso essa expressão “quadrilátero acadêmico”, que é um nome provisório, e menciono a ideia da tríplice hélice: quando academia, setor produtivo e governo conseguem trabalhar com sinergia. O primeiro passo é unir a academia, e é isso o que estamos fazendo.
Como o senhor vê o fato de não ter deixado um sucessor para assumir a Reitoria? Acredita que o Ricardo Marcelo dará continuidade às ações que o senhor iniciou em sua gestão?
Depois de oito anos de trabalho, eu teria a ideia de que o nosso vice-reitor [Rogério Mulinari] fosse o nosso candidato para garantir uma continuidade. Ele teve uma opção pessoal de não concorrer, então eu disse que iria observar o processo eleitoral.
Tenho um bom diálogo com o professor Ricardo Marcelo e a professora Graciela [Bolzon], sua vice-reitora, fez parte da nossa equipe durante estes oito anos. Tenho certeza de que os dois irão fazer um bom trabalho e espero que eles tenham o apoio da nossa comunidade e um bom diálogo com a sociedade. Meu dever é o de preparar uma boa transição, para que a administração que vai assumir tenha todo o sucesso e dê continuidade ao que julgar importante. Tenho certeza de que dará a vários projetos, pois estamos terminando nosso mandato com uma grande aprovação da comunidade, tanto interna quanto externa, o que tem sido um orgulho e um prazer.
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